Papa propõe modelo cristão de felicidade como alternativa a sociedade consumista e egoísta.
O Papa Francisco publicou, na passada segunda-feira, a sua nova exortação apostólica, dedicada à santidade, na qual propõe um modelo cristão de felicidade como alternativa ao consumismo, à pressa e à indiferença face ao outro.
“Se não cultivarmos uma certa austeridade, se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabamos por nos transformar em pobres insatisfeitos que tudo querem ter e provar”, escreve no documento intitulado “Gaudete et Exsultate” (“Alegrai-vos e exultai”).
A exortação começa por apresentar-se como um “apelo” renovado à santidade como proposta radical de vida.
“O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa”, sublinha Francisco.
A terceira exortação apostólica do pontificado defende a necessidade de travar a “corrida febril” da sociedade contemporânea para recuperar espaço para Deus e tempo para os outros.
“Tudo se enche de palavras, prazeres epidérmicos e rumores a uma velocidade cada vez maior; aqui não reina a alegria, mas a insatisfação de quem não sabe para que vive”, adverte o pontífice, que fala na tentação de “absolutizar o tempo livre”.
O Papa considera que esta fixação no próprio “eu” impede o compromisso na ajuda a “quem está mal”.
“O consumismo hedonista pode enganar-nos, porque, na obsessão de divertir-nos, acabamos por estar excessivamente concentrados em nós mesmos, nos nossos direitos e na exacerbação de ter tempo livre para gozar a vida”, insiste.
O texto estende o alerta contra o consumismo à “informação superficial” e às “formas de comunicação rápida e virtual”, que criam um “turbilhão”.
Francisco diz que, nesta sociedade, “volta a ressoar o Evangelho” para oferecer “uma vida diferente, mais saudável e mais feliz”, a santidade. Esta, explica, não está reservada apenas a algumas pessoas, mas encontra-se “por toda a parte”, nas famílias, no trabalho, naquilo a que o Papa chama como “classe média da santidade”, inclusive “fora da Igreja Católica e em áreas muito diferentes”.
O Papa elogia os “estilos femininos de santidade” que se manifestaram, ao longo da história, em “tantas mulheres desconhecidas ou esquecidas que sustentaram e transformaram, cada uma a seu modo, famílias e comunidades com a força do seu testemunho”.
A “Gaudete et Exsultate” recomenda a santidade dos “pequenos gestos”, que impede de falar mal dos outros, olha para o pobre e reserva tempo para a oração.
Não tenhas medo de apontar para mais alto, de te deixares amar e libertar por Deus. Não tenhas medo de te deixares guiar pelo Espírito Santo. A santidade não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça. No fundo, como dizia León Bloy, na vida “existe apenas uma tristeza: a de não ser santo”. (Gaudete et Exsultate)
O Papa elenca “grandes manifestações do amor a Deus e ao próximo” que devem contrariar uma cultura marcada pela “ansiedade nervosa e violenta”, “o negativismo e a tristeza” ou o individualismo, rejeitando “tantas formas de falsa espiritualidade sem encontro com Deus que reinam no mercado religioso actual”.
Francisco convida a “permanecer centrado, firme em Deus” e a evitar a participação em “redes de violência verbal através da Internet”.
“Mesmo nos media católicos, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia”, adverte.
O Papa sublinha que um santo não gasta as suas energias a “lamentar-se dos erros alheios” e evita “a violência verbal que destrói e maltrata”. “O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança”, acrescenta.
O texto elogia a “ousadia” nas comunidades católicas e diz que a santificação é um caminho comunitário, “contra a tendência para o individualismo consumista que acaba por isolar, na busca do bem-estar à margem dos outros”.
A exortação apostólica, forma de documento menos solene que as encíclicas, é um documento pontifício de índole catequética.
Francisco usa citações de vários Papa, autores cristãos e conferências episcopais, bem como, entre outras obras, os “Relatos de um Peregrino Russo”.
Recomendo a reza desta oração atribuída a São Tomás Moro: “Dai-me, Senhor, uma boa digestão e também qualquer coisa para digerir. Dai-me a saúde do corpo, com o bom humor necessário para a conservar. Dai-me, Senhor, uma alma santa que saiba aproveitar o que é bom e puro, e não se assuste à vista do pecado, mas encontre a forma de colocar as coisas de novo em ordem. Dai-me uma alma que não conheça o tédio, as murmurações, os suspiros e os lamentos, e não permitais que sofra excessivamente por essa realidade tão dominadora que se chama ‘eu’. Dai-me, Senhor, o sentido do humor. Dai-me a graça de entender os gracejos, para que conheça na vida um pouco de alegria e possa comunicá-la aos outros. Assim seja”. (Gaudete et Exsultate)
In ECCLESIA