Se Davos está para a Economia, Nishan está para a Paz!
A iniciativa do Governo Central de criar um fórum de discussão dos grandes temas à luz da Filosofia Confuciana, esteio do pensamento asiático, procurando assim firmar pontes para o Ocidente, é de aplaudir.
Depois de aceitar as regras do jogo impostas pela Organização Mundial do Comércio e de reforçar a sua presença nos principais órgãos monitorizadores e reguladores do Poder Mundial, a China encontrou a fórmula para chegar aos povos sem fazer ouvir o barulho das armas. E encontrou-a no seu seio, recorrendo ao que melhor sabe: comercializar e pensar.
Descoberta a receita, eis que foi necessário colocá-la em prática. Hoje, a RPC é já a maior potência comercial do mundo, pelo que não havendo muito mais a dizer e não sendo esse o foco principal deste artigo de opinião, passemos à questão do Pensamento:
As Universidades, as instituições e os muitos centros de estudos chineses, com o alto patrocínio do Governo Central, criaram grupos de trabalho, observatórios e outras figuras similares, tendo aumentado substancialmente o número de licenciaturas, mestrados e doutoramentos em várias áreas das ciências sociais e humanas, uma vez que as ciências exactas nunca foram completamente descontinuadas no percurso recente da História da China.
No âmbito da 10.º edição do Fórum Nishan sobre as Civilizações Mundiais, realizou-se o Fórum Nishan sobre as Civilizações Clássicas 2024. Este ano o país convidado foi a Itália.
Diálogo e aproximação foram palavras ouvidas vezes sem conta, mas a realidade é que prevaleceu uma espécie de discurso e pensamento cultural neocolonizador, factualmente alimentado pela maioria dos palestrantes ocidentais.
O termo em Latim “Schola”, de onde deriva a palavra “Escola”, designava na Roma Antiga o quarto ou sala privada da casa de um pensador, onde este transmitia o seu conhecimento aos discípulos – em Grego: Scholē – σχολείο. O exemplo mais conhecido é a famosa Escola de Atenas (a Escola de Platão).
É verdade que o Renascimento, as escolas gregas e romanas, e todos os seus movimentos colaterais, gizaram o que é o mundo de hoje. Contudo, o resultado está à vista e recorrer sistematicamente ao Renascimento é velha bengala para quem pouco ou nada tem para oferecer na actualidade.
Como é bem sabido, com o surgimento de novos actores mundiais, nomeadamente a China e a Índia, outras culturas e pensadores se vão afirmando e muitas e novas questões vão surgindo quanto ao caminho que o Ocidente trilhou para a Humanidade. Aliás, alguns académicos da esfera dos BRICS começam a colocar em causa a eficácia histórica da Trilogia da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Advogam que sem regras e respeito pela Lei não há evolução. Pelo contrário, passam a reinar a anarquia e o caos.
No discurso de abertura do Fórum Nishan, o professor Stelios Virvidakis centrou o seu discurso em Aristóteles, que curiosamente até caiu em desgraça depois da morte de Platão, procurando fazer um paralelismo com Confúcio. Acontece que o tom empregado soou mais a um “venham até nós”, quando se esperava ouvir um “vamos até vós”, ainda para mais tratando-se da casa do anfitrião. Lembremos, pois, a triste história do cardeal D. Charles de Tournon, no Século XVIII, aquando da Questão dos Ritos na China, e de muitos padres jesuítas (e não só) sempre que o argumento da aproximação teve sentido único…
Voltando ao diálogo entre a China e Itália promovido em Nishan, mais difícil de entender foi o recurso sistemático de alguns (não todos, longe disso) académicos chineses aos pensadores europeus, talvez com o intuito de “abrilhantar” as suas prelecções.
Conclusão: Nishan, o Davos cultural da China, é já uma realidade consolidada. No entanto, urge internacionalizar a “Schola” da China. Só assim o País poderá colocar-se ao mesmo nível da Escola do Pensamento Europeu e dialogar de igual para igual.
A verdadeira aproximação dá-se quando os extremos se encontram no Meio. A Virtude é saber encontrá-lo. Não há outra Via!
José Miguel Encarnação