Um santo ainda relevante
A igreja de São Domingos é um dos locais preferidos em Macau para os turistas e em particular para os cristãos e crentes. O principal altar-antigo da igreja é presidido por uma imagem real de Nossa Senhora do Rosário, acompanhada do seu lado direito por São Domingos de Gusmão e do seu lado esquerdo por Santa Catarina de Sena co-padroeira de Macau. O original foi fundado pelos primeiros pioneiros dominicanos que chegaram a Macau, por volta de 1 de Setembro de 1587.
No dia 8 de Agosto de cada ano, a Igreja Católica convida a família cristã, em particular a Família Dominicana, a relembrar São Domingos. Mas quem é Domingos?
Domingos nasceu na nobre cidade de Caleruega, em Castela (Espanha), por volta do ano 1170. Os seus pais, Félix de Gusmão e Joana de Aza, eram justos, piedosos e compassivos. Tinha dois irmãos: António, que se tornou padre, e Mannes, que juntou Domingos ao seu projecto da Ordem. Aos seis anos começa a sua instrução sob a tutela de um tio padre. Aos catorze anos de idade, Domingos é enviado para a famosa escola de Palência, então anexa à catedral da localidade, onde prossegue os estudos: artes liberais, incluindo Filosofia e Artes (seis anos) e especialmente Teologia (quatro anos), num currículo centrado nas Sagradas Escrituras, que Domingos adorava. Durante os estudos teológicos, foi chamado por Deus para se tornar sacerdote.
Durante os seus anos de estudante, Domingos teve três amores: estudo, oração e os pobres. Estes três amores irão fundamentar a sua futura vida apostólica e missão evangélica.
Quando estudante de Teologia, Domingos revelava um amor especial pelos pobres: vendeu os seus livros em tempo de fome: «Não vou estudar sobre peles mortas enquanto os homens estão a morrer de fome». Com um grupo de estudantes fundou uma instituição – uma espécie de casa Cáritas (uma ONG) – para cuidar dos pobres, dos famintos e dos doentes.
A partir desta realidade, pode-se distinguir três etapas principais na vida de Domingos:
Primeira etapa – Domingos, o cónego contemplativo regular (1196-1204). Em 1196, vemos Domingos na catedral de Osma, onde se torna cónego regular. O grupo de cónegos regulares (Cabido) estava sintonizado com “os ventos do movimento evangélico e da renovação apostólica” (Vito-Tomás Gómez García). Aqui fez o noviciado e a “profissão” de pobreza e castidade, oração, caridade, estudo e penitência, e foi ordenado sacerdote. Uma testemunha diz que Domingos “se mostrou bondoso com todos – ricos, pobres, judeus, gentios, que abundavam então em Espanha”. Domingos foi primeiro sacristão e depois sub-prior, por volta de 1201: o prior era Diego de Acebes, que mais tarde se tornou bispo e escolheu Domingos para duas missões diplomáticas na Dinamarca, em 1203 e 1205. Passaram pelo Sul da França e pararam em Toulouse, onde Domingos converteu um herege popular.
Segunda etapa – Domingos, o apóstolo activo de Cristo (1204-1215). Através da região de Languedoc, no Sul de França, Domingos, juntamente com o grupo de pregadores fundado pelo bispo Diego Acebes (1207), pregou a Palavra de Deus, a verdadeira doutrina contra as heresias dos cátaros e albigensianos. Quando o bispo Acebes morre como santo (30 de Dezembro de 1207), o grupo dispersa-se. Contudo, Domingos continua a pregar e alguns outros se juntam a ele. Um ano antes (1206), Domingos ajudara um grupo de mulheres convertidas, atribuindo-lhes um lugar para viverem juntas como freiras, a fim de orarem e fazerem penitência com vista a realizarem o seu projecto de pregação. Em 22 de Novembro de 1206 funda o Convento das Freiras em Pruillé, chamado então de Segunda Ordem.
Terceira etapa – Domingos, o contemplativo-activo, fundador da Ordem dos Pregadores (1215-1221). O bispo Fulk de Toulouse apoiou o projecto de Domingos e em 1215 o bom prelado confirmou Domingos e seus companheiros como “pregadores diocesanos conduzindo o modo de vida apostólico”. Mais tarde, a comunidade de Domingos decide escolher a Regra de Santo Agostinho. Já a viverem em comunidade, consagrados a Deus, Domingos e o seu grupo de pregadores itinerantes oram, estudam e proclamam a Palavra através da Europa. Deu importância notável à pregação, sobretudo à pregação original da comunidade apostólica com base num estilo de vida simples.
Em 22 de Dezembro de 1216, o Papa Honório III confirmou a comunidade de Domingos como a Primeira Ordem Regular: “uma comunidade canónica que vive de acordo com a regra de Santo Agostinho”. Naquela época, eram dezassete frades: oito franceses, oito espanhóis e um inglês.
Mais tarde, por volta de 1220, fundou a Terceira Ordem de Penitência, cujos membros eram leigos e leigas. Hoje não há distinção entre a primeira, a segunda e a terceira ordens, existindo apenas uma Família Dominicana, composta por frades, freiras, irmãs, leigos e fraternidades sacerdotais. No seu projecto religioso, Domingos atribuiu um significado radical à oração, à pobreza, à vida comum e ao estudo. Estes elementos essenciais haveriam de ser ordenados com o objectivo de pregar a Palavra – a Verdade (Veritas) – para salvação das almas. Com os seus companheiros, Domingos quis voltar às raízes da Fé, ao Evangelho, e seguir e imitar Cristo, tanto quanto possível. Era “vir evangelicus et totus apostolicus”: um homem apostólico, que procurava viver como os Apóstolos de Cristo, tendo-se comprometido a anunciar o Evangelho.
São Tomás de Aquino capturou a essência da Ordem dos Pregadores no conhecido lema dominicano: “Contemplare et Contemplata Aliis Tradere” – contemplar e dar aos outros o que foi contemplado.
Em 1217, Domingos estava em Roma. Certa noite teve uma visão: os apóstolos Pedro e Paulo apareceram-lhe. Pedro deu-lhe uma bengala (símbolo de autoridade e itinerância); e Paulo, as suas Epístolas. Ambos dizem a Domingos: «Ide e pregai, porque esse é o ministério para o qual fostes chamado». São Domingos foi, acima de tudo, um pregador: “nunca pede recompensa, ele apenas fala sobre o Senhor”.
As testemunhas da sua canonização garantem que foi “Paciente, gentil, compassivo, sóbrio, amoroso, humilde e casto, e sempre foi virgem”; “Nunca conheci ninguém que se compare a ele em santidade de vida”; “Ele raramente falava, excepto com Deus ou sobre Deus em oração, e encorajava os irmãos a fazerem o mesmo”. Domingos afirmou que a noite é para Deus e o dia para o próximo, porque Deus fez a noite para acção de graças e o dia para misericórdia. Enquanto orava durante a noite, muitas vezes Domingos chorava pelos pecadores. Sempre teve uma atitude humilde e alegre. Deus Pai disse a Santa Catarina: «A religião do seu Padre Domingos é alegre e leve». Domingos também era um grande devoto de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe. Na realidade, colocou o seu apostolado sob a sua protecção constante. Diz-se que uma vez estava a orar enquanto caminhava pelos bosques de Toulouse, em França. Para ele o ministério da pregação revelava-se difícil e os resultados escassos. A Tradição refere que Nossa Senhora apareceu-lhe, tendo-lhe encomendado a saudação do Anjo: “Quando Deus quis renovar a face da terra, Ele começou por renovar o orvalho fertilizante da Saudação Angélica”. Domingos contribuiu, assim, em grande medida, para a fundação e devoção ao Rosário de Maria.
Os Irmãos em Bolonha estavam tristes e a chorar pois Domingos padecia (6 de Agosto de 1221). Este disse-lhes: «Serei mais útil para vós e mais frutífero depois da minha morte do que fui em vida».
Miguel de Unamuno sublinha que Cristo não escreveu qualquer livro ou artigo, mas deu-nos o melhor dos livros: palavras vivas. Também São Domingos não escreveu qualquer livro, mas fundou uma palavra viva: os Dominicanos.
Pe. Fausto Gomez, OP