Tocado por Deus pelas mãos dos apóstolos
Este Domingo celebra-se o evangelista São Marcos – por sinal, no seu Ano Litúrgico (Ano B). Tocado pelas mãos dos apóstolos, seguiu Paulo e foi discípulo de Pedro. Marcos, apesar de não fazer parte dos doze eleitos pelo Senhor, é exemplo de que Deus chama de diversas formas e com a mesma intensidade e glória. Exemplo disso é o facto da tradição crer que na casa de São Marcos terá acontecido a Última Ceia celebrada por Jesus, onde instituiu a Eucaristia, e se deu o dia de Pentecostes, início da Igreja Católica. São Marcos deixa-nos este forte apelo: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (Marcos, 1:15).
O evangelista São Marcos, ainda que de nome romano, era judeu de nascimento e também conhecido pelo nome de João. Pápias, citado por Eusébio de Cesareia (Século IV), relata: “O presbítero [um certo João, não o evangelista] dizia o seguinte: ‘Marcos, intérprete de Pedro, fielmente escreveu – embora de forma desordenada – tudo o que recordava sobre as palavras e actos do Senhor. De facto, ele não tinha escutado o Senhor, nem o seguido. Mas, como já dissemos, mais tarde seguiu a Pedro, que o instruía conforme o necessário, mas não compondo um relato ordenado das sentenças do Senhor. Portanto, Marcos em momento algum errou ao escrever as coisas conforme recordava. A sua preocupação era apenas uma: não omitir nada do que havia ouvido, nem falsificar o que transmitia’”.
O padre Alexandre Fernandes, professor de Teologia, diz-nos que muitos autores eclesiásticos vêem no episódio do rapaz que largou o lençol, a única roupa com que estava coberto, e que fugiu na hora da prisão de Jesus no Getsémani (Marcos, 14:51-52) “uma espécie de assinatura velada do próprio Marcos no seu evangelho, pois somente ele o relata. Este dado é corroborado pelo facto de que Marcos era filho de Maria, aparentemente uma viúva de posição económica desafogada, em cuja casa se reuniam os primeiros cristãos de Jerusalém”. Segundo o padre Alexandre, uma antiga tradição afirma que foi nessa casa que Jesus celebrou a Última Ceia e instituiu a Sagrada Eucaristia.
Marcos era primo de Barnabé. Acompanhou o apóstolo Paulo na sua primeira viagem a Roma (Colossenses, 4:10) e esteve próximo dele durante a sua prisão na Cidade Eterna (Filemón, 24). Depois, tornou-se discípulo de Pedro, de cuja pregação se fez intérprete no evangelho que escreveu (1 Pedro, 5:13). O seu evangelho é comummente reconhecido como o mais antigo, utilizado e completado por Mateus e por Lucas.
De acordo com o professor Daniel Wallace, estudioso dos manuscritos do Novo Testamento, “grande parte do Evangelho de Marcos (cerca de noventa por cento) é encontrado no Evangelho de Mateus”.
Por sua vez, São Jerónimo (Século V), presbítero e doutor da Igreja – tradutor e exegeta das Sagradas Escrituras –, sublinha: “Marcos, discípulo e intérprete de Pedro, passou a escrito o seu Evangelho a pedido dos irmãos que viviam em Roma, conforme o que tinha ouvido pregar ao Apóstolo. E o próprio Pedro, tendo-o escutado, aprovou-o com a sua autoridade para que fosse lido na Igreja”. Foi sem dúvida a principal missão da vida de Marcos: transmitir fielmente os ensinamentos de São Pedro.
ROMA E OUTROS DESTINOS
A basílica romana de São Marcos, em pleno centro histórico de Roma, testemunha a sua presença, visto que – diz-se… – foi construída sobre o lugar onde o evangelista viveu.
Pedro citou várias vezes o nome de Marcos. Na sua primeira Carta, por exemplo, lemos: «a igreja que está em Babilônia [Roma], escolhida também por Deus, manda saudações. O meu filho Marcos também manda saudações» (1 Pedro, 5:13). E também nos Actos dos Apóstolos, após a libertação milagrosa de Pedro da prisão: «Pedro foi a casa de Maria, a mãe de João, também chamado Marcos. Estavam lá reunidas muitas pessoas a orar» (Actos, 12:12).
Depois da morte do Príncipe dos Apóstolos não se tem mais notícias sobre Marcos. A tradição sugere que foi evangelizar o Egipto, onde fundou a Igreja de Alexandria. Ao que parece, antes de chegar ao Egipto, esteve em Aquileia para reconfirmar a evangelização no nordeste do Império. Ali converteu Hermagoras, que se tornou o primeiro bispo da cidade. Ao deixar Aquileia, terá ancorado, devido a uma tempestade, nas Ilhas Rialtenses, núcleo original da futura cidade de Veneza. Durante o sono, sonhou que um anjo lhe avisara que deveria permanecer naquela terra, à espera do último dia.
DERRADEIRO TESTEMUNHO
Marcos morreu, provavelmente, entre os anos 68 e 72 em Alexandria, cerca de três anos após a morte de São Pedro e São Paulo. Foi arrastado num Domingo, manchando as pedras com o seu sangue e deixando o chão coberto de pedaços da sua carne; durante o martírio não parou de louvar e agradecer a Deus pelos seus sofrimentos. À noite foi lançado na prisão, na qual Deus o consolou com duas visões: apareceu-lhe um anjo e disse: “Marcos, servo de Deus, o teu nome está escrito no livro da vida, e a tua memória já mais se apagará. Os Arcanjos receberão em paz o teu espírito”. Além desta revelação, teve a aparição de Deus Nosso Senhor, que lhe encheu a alma de grande consolo e ânimo: “Marcos, a paz seja contigo”.
No dia seguinte, os infiéis arrastaram-no, como antes, até que morreu – a 25 de Abril –, dia em que as igrejas do Oriente e do Ocidente celebram a sua festa. Os cristãos recolheram os restos mortais do seu corpo mutilado e enterraram-nos em Bucoles, onde depois se reuniam para orar. No final do Século IV, o santo sacerdote Philoromus realizou uma peregrinação para visitar o túmulo de São Marcos, como Palladius relata. O seu corpo ali repoisou com honra por vários séculos, numa igreja construída no local.
PADROEIRO DE VENEZA
Segundo a tradição, pelo ano 828, dois mercadores venezianos teriam levado o corpo de São Marcos, ameaçado pelos árabes, para a cidade de Veneza, onde ainda hoje descansa na basílica a ele dedicada. Algumas das suas relíquias estão preservadas no Cairo (Egipto), na catedral de São Marcos, sede do Patriarca copta-ortodoxo, Tawadros II.
Bernard, um monge francês, que viajou pelo Oriente em 870, escreve que o corpo de Marcos não estava então em Alexandria, porque os venezianos o tinham levado para as suas ilhas.
Em 1071, São Marcos foi escolhido como titular da basílica e principal Padroeiro da Sereníssima. Na época, Veneza era, indissoluvelmente, ligada à pessoa do Evangelista, cujo símbolo, um leão alado – que traz um livro com a inscrição: “Pax tibi, Marce, evangelista meus” (Paz a ti, Marcos, meu evangelista) –, se torna o brasão da cidade, colocado em todos os lugares dominados pela Sereníssima, o título dado à República de Veneza.
O leão está relacionado com Marcos porque o seu evangelho enfatiza a majestade de Cristo e a Sua dignidade Real. O documento começa com a voz profética de João Baptista, que clama no deserto como um rugido de leão.
As palavras do Evangelho de Marcos «ide por todo o mundo, proclamai o evangelho a toda a criatura» (Marcos, 16:15), explicou uma vez o Papa Francisco, indicam claramente o que Jesus quer dos Seus discípulos.
São Marcos é venerado como Santo por várias Igrejas cristãs, para além da Católica, como a Ortodoxa e a Copta, que o consideram seu Patriarca.
São Marcos Evangelista, rogai por nós!
Miguel Augusto
com Vatican News e Alban Butler (EWTN)