Permanecerei antes de partir: o tempo precioso entre a Ascensão e o Pentecostes
«Eu vos enviarei Aquele que foi prometido pelo meu Pai. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos com a força do alto» (Lc., 24,49).
Incapaz de viajar por causa da pandemia, novos termos como “staycation” (uma mistura das palavras inglesas “stay+vacation”) tornaram-se populares para descrever formas de passar tempo de qualidade sem sair de Macau.
Sendo um missionário frequentemente em movimento, os últimos meses pareceram um pouco claustrofóbicos, como podeis imaginar. Mas tenho que admitir que há vantagens espirituais em ficar parado num só lugar.
«Permanecei na cidade, até que sejais revestidos com a força do alto» (Lc., 24, 49). Agora, pela primeira vez, percebo que estas são as últimas palavras de Jesus registadas no Evangelho de Lucas, cujo final será lido durante a Solenidade da Ascensão. No passado, durante esta solenidade, sempre prestei mais atenção ao envio missionário dos discípulos a todas as nações, mas agora, impossibilitado de viajar, sinto que a última ordem de Jesus de “ficar na cidade” deve certamente ter um significado.
Recordo que os monges e monjas das ordens monásticas são obrigados a fazer o “voto de estabilidade”, o que significa que uma vez atribuídos a um determinado mosteiro, devem ali permanecer toda a vida. O monge ou monja deve “crescer onde está plantado” e renunciar à busca de uma comunidade “ideal” para viver a sua vida religiosa. A vida monástica ajuda quem a abraça a evitar a tentação de fugir à exigente monotonia do ritmo de vida do seu mosteiro. A estabilidade pode-se tornar monótona, mas é um antídoto eficaz contra a inquietação espiritual.
Há aqui uma conexão interessante: os Apóstolos que “ficam” em Jerusalém e os monges que “ficam” no seu mosteiro dão tempo e espaço ao Espírito Santo para os transformar a partir de dentro, para se tornarem testemunhas credíveis de Cristo Ressuscitado. Em ambos os casos, o tempo de “ficar” torna-se tempo de preparação, de conversão e de iluminação. É um tempo de discernimento sem o qual a missão se tornaria apenas uma repetição ruidosa de palavras desvinculadas do Evangelho.
Permanecendo em Jerusalém, os Apóstolos permitiram que o Espírito Santo, e não eles mesmos, fosse o verdadeiro protagonista da missão da Igreja. A preparação da Sua vinda consistiu na oração e na recuperação da integridade da sua comunidade (a escolha de substituir Judas por Matias), algo que suponho ter envolvido a cura do trauma causado pela traição e a restauração da comunhão e confiança entre eles.
No futuro, certamente os Apóstolos irão lembrar-se desta especial “permanência” em Jerusalém antes de saírem em missão. Nesses dias aprenderam que o Espírito Santo não desce do céu como por magia: é preciso fé e abertura para que Ele possa penetrar e transformar quem O acolhe. Perceberam que o derramamento do Espírito é um evento eclesial, sendo mais do que um favor individual de Deus. Portanto, o tempo gasto juntos, em comunidade, não é desperdiçado. Entenderam que a invocação ao Espírito Santo não é apenas um ritual, mas a expressão do seu desejo mais profundo de experimentar a presença de Cristo Ressuscitado – mesmo depois da Sua Ascensão – todos os dias, até ao fim dos tempos (Mt., 28,20).
Da mesma forma, este período em que tive forçosamente de “ficar na cidade” durante a pandemia, embora difícil, ajudou-me a priorizar o activismo interno em relação ao externo. Tal permitiu-me sentir que se estou aberto a servir sem pré-condições, Deus sempre encontrará formas para que use o meu tempo e as minhas capacidades. Aprendi que a espera paciente é uma maneira concreta de confiar em Deus. Também tive mais oportunidades para enfrentar as minhas fragilidades e falhas com honestidade e clareza, pois é difícil escondê-las se estou constantemente com pessoas que me conhecem bem, tanto o bom quanto o mau que possuo. Espero que estas experiências me tornem um missionário melhor.
Na verdade, até a vocação para a vida conjugal envolve um “voto de estabilidade”. A presença constante, o compromisso dentro de uma família e a rotina da vida quotidiana permitem que o amor mútuo cresça e se aprofunde. Não é fácil, todos nós sabemos. No entanto, a estabilidade espiritual e emocional no casamento é de facto o remédio contra o desejo incansável de mudar constantemente em busca de um parceiro “ideal” e de uma vida “ideal”. Em vez disso, a felicidade surge quando enfrentamos o nosso verdadeiro “eu” dentro das circunstâncias concretas da vida.
Mais cedo ou mais tarde, o tempo para viajar será retomado e as actividades preencherão as nossas agendas mais do que nunca. Enquanto isso, espero que este período de “permanecer na cidade” se torne de facto uma “estadia santa”, um tempo de “revestir-se da força do alto” para nos tornarmos melhores missionários, melhores crentes e, esperançosamente, pessoas mais estáveis, mesmo no que respeita ao nosso interior.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ
LEGENDA:Igreja de São Francisco Xavier, em Coloane