A descendente do “Cha-Cha”.
Nascida em 1948, na freguesia da Sé, Diana Inês Gomes viveu a infância na Rua Nova à Guia, mais concretamente no número 9 dessa conhecida artéria de Macau – um local cheio de memória, agora ocupado por um prédio de apartamentos.
Ainda na infância, mudou-se para a Rua dos Pescadores onde o pai tinha uma pequena quinta, um terreno de cultivo em Macau, algo que hoje parece quase impossível de imaginar. Dessa casa, ou quinta, guarda a memória das barracas na praia, cobertas com folhas de bananeira, dos banhos (todo o ano) nas águas limpas e tépidas, e da apanha de ostras que eram confeccionadas com legumes cultivados pelos pais.
Filha de pai português e mãe chinesa (nascida em Cantão com ascendência espanhola), Diana Gomes estudou na Escola Primária Oficial e na Escola Comercial Pedro Nolasco. Não terminou os estudos secundários, tendo optado por começar a trabalhar mais cedo. Aos 17 anos ingressou nos serviços administrativos do Centro Hospitalar Conde de São Januário e foi ali que, por ironia do destino, acabou por conhecer o seu marido, um oficial que tinha acabado de chegar ao território e se encontrava no Quartel da Ilha Verde. Foi numa ida, com alguns soldados doentes, ao serviço de radiologia do CHCSJ que Diana o viu pela primeira vez. Nas semanas seguintes, com amigos em comum, onde se incluía uma figura incontornável da música na comunidade macaense, Ruby de Senna Fernandes, foram-se conhecendo melhor, até que ao final de quase seis meses decidiu pedi-la em namoro. Diana aceitou, entre cantadas de fados e de músicas proibidas pela censura governamental dos anos que antecederam a revolução de Abril de 1974.
Depois do namoro seguiu-se o casamento, a 10 de Janeiro de 1974, e o primeiro filho nasceu pouco depois da Revolução dos Cravos. Apesar de nada o confirmar, corriam rumores que o marido, juntamente com um grupo onde se incluía aquele que viria a ser o último Governador de Macau, fazia parte do Movimento das Forças Armadas. Com a revolução chegou a ordem para levar um contingente de duas centenas de militares para Portugal e a difícil decisão de deixar a mulher e o filho, recém-nascido, em Macau. A viagem, via Zurique, fez-se em Setembro, ou Outubro, e no dia 17 de Janeiro do ano seguinte já Diana estava em Portugal, com um bebé nos braços. O marido, entretanto, havia deixado o regime militar e decidido enveredar por uma carreira de ensino, que manteve até se reformar.
A família do marido é de Águeda, pelo que Diana, o filho e o ex-oficial, acabaram por se fixar nesta cidade e ali permaneceram. Da acalmia nasceu mais um filho e aproveitou para terminar o Ensino Secundário com todo o apoio do marido. A par disso, completou diversos cursos ligados à Gastronomia, uma área que sempre a atraiu e que a levou a abrir o primeiro restaurante chinês de Águeda. O investimento foi bem sucedido e perdurou uma década, acabando Diana por encerrar as portas do estabelecimento por falta de tempo.
Dos primeiros anos em Portugal recorda que sentia saudades de tudo: da extensa família, onde se incluem os primos Geraldo, Manuel e Fernando Gomes, das comidas e dos amigos. Nos anos setenta, em Portugal, era complicado encontrar produtos para confeccionar comida chinesa ou macaense mas, mesmo assim, ia tentando colmatar as lacunas com o seu engenho em casa e com o apoio, via telefone e correio, da mãe.
Muitas vezes recorreu à mãe, com quem falava em Cantonense, apesar de tal ser proibido em casa, para saber como se fazia certo prato ou para receber, por correio, uma caixa de ingredientes com vista a confeccionar determinado prato. Este esforço e determinação foram importantes para que mais tarde abrisse o restaurante “Macau Exótico”.
O lado da família Gomes é metade português e metade chinês. A avó paterna era da Guarda e o avô paterno da zona de Vinhais, mas viveram várias décadas em Macau. Diana era um de três filhos, sendo que o irmão está reformado e vive actualmente em Zhuhai e a irmã passa o tempo entre Macau e os Estados Unidos, onde vive a sobrinha.
Na família corre uma lenda interessante e que terá um fundo de verdade: uma trisavó de Diana terá inventado o Cha-Cha – sobremesa líquida confeccionada com feijão encarnado, farinha de tapioca, inhâme, coco, entre outros ingredientes – com a ajuda de serventes malaias (indonésias?), porque a senhora, já com idade avançada, não tinha dentes e não conseguia comer nada que não fosse líquido. Cha-Cha significa “velha” em Cantonense e era esse o termo que as serventes usavam quando se referiam à patroa. Daí o termo ter transitado para a sobremesa. Se será completamente verdade, ou não, é irrelevante. O facto é que ainda hoje o Cha-Cha é das receitas mais importantes da Gastronomia Macaense.
A ligação da família Gomes à culinária vem de longe e não foi de espantar que Diana abrisse, em 1978, o “Macau Exótico”. Durante a semana serviam comida cantonense, elaborada por um cozinheiro da zona de Cantão; ao fim-de-semana as mesas davam lugar aos pratos macaenses confeccionados por Diana que, também assim, matava saudades da terra natal.
Regressou pela primeira vez a Macau em 1991, devido à doença da avó paterna. Quanto aos avós maternos, durante a vida no território, viu-os escassas vezes e só com muito engenho da parte da mãe. Esta inscreveu-a numa escola chinesa com o objectivo de conseguir um salvo-conduto para ir à China – de quando em vez – ver os avós. Destes guarda a recordação do avô, um homem de negócios muito orgulhoso da sua trança tradicional chinesa – cortada pelos revolucionários, precipitando-o para a morte.
Em 2013 deslocou-se a Macau, sendo entronizada na Confraria da Gastronomia Macaense.
João Santos Gomes