O gosto pelos objectos
Começou muito novo nas lides de coleccionismo. Daniel Loviat, com «sessenta e muitos anos», de Londres rumou à Ásia, percorrendo a chamada “hippie road”. Istambul, Cabul, Índia – «três anos na Índia» – Nepal, Indonésia, Timor e, finalmente, Austrália. Ali ficou durante o tempo suficiente para conseguir a nacionalidade que lhe permitiria, doravante, maior facilidade de movimentação do que a sua nacionalidade original, a francesa. Ao longo dessa viagem começou a recolher objectos pensando que um dia poderia talvez abrir uma loja de antiguidades. A estrada foi levando-o por aí, com alguns bons momentos e outro menos bons. Mas não tem razões de queixa. «Estou satisfeito com a vida», conclui o nosso entrevistado.
Estava em Israel, há um ano num kibutz, quando estalou a guerra dos Seis Dias. Apesar de interessante, a experiência kibutz não lhe deu dinheiro. Passou, por isso, pelo Líbano onde encontrou «pessoas simpáticas» que lhe emprestaram algum com o qual pode comprar um bilhete de barco até ao Chipre, e daí, de novo de barco, até Istambul. Eis que se vê «na cidade encantadora do Bósforo», mas, como sobreviver? Na altura havia poucos estrangeiros nessa cidade, mas entre eles recolheu alguma informação de como encontrar meios de subsistência. Deu consigo no souk (mercado) onde conheceu um joalheiro que lhe fez regressar às origens.
«O meu pai, natural de Lausana, era joalheiro, e o meu avô, relojoeiro, fabricava para a Longines e a Omega», refere Daniel Loviat. Graças a eles adquiriu a paixão pelos pequenos objectos, «sobretudo a joalharia em prata». Com o pouco dinheiro que tinha comprou quinhentos anéis turcos ao tal artesão de Istambul. Esses anéis, constituídos por quatro secções, são objectos peculiares. «Se os abrirmos e não conhecermos o seu sistema de funcionamento, corremos o risco de estarmos um mês para conseguirmos voltar a pôr tudo no seu lugar», informa Loviat.
De Istambul rumou ao Nepal, vendendo anéis aos viajantes estrangeiros que encontrava pelo caminho. Em Cabul trocou anéis por relógios e relógios por anéis e chegou até – «já em Nova Deli» – a vender sangue para poder continuar a jornada, «para poder comer e alojar-me condignamente». Com o que restava ia adquirindo objectos. Nos mercados, nas lojas. E guardava-os. Numa mala. Sabia que um dia abriria essa mala e dela sairia um tesouro. E ia perguntando a si próprio: «O que é que vou fazer com tudo isto? Porque não encontrar um local simpático, acolhedor, calmo e abrir uma galeria». Foi o que fez. E o local encontrado foi Macau, onde abriria estabelecimento comercial com cerca de sete mil objectos.
Mas, afinal, qual o segredo do coleccionador de antiguidades?
Damos a palavra a Loviat: «Coleccionar é encontrar uma peça, depois uma outra, e ainda uma outra, e a partir daí procurar documentação sobre essa peça, enfim, aprofundar o conhecimento sobre ela». Para bem coleccionar, «em primeiro lugar há que ter gosto, tacto, olho e porta moedas algo recheado, porque encontram-se todo o tipo de coisas a todo tipo de preços».
Não é obrigatório falar a língua do local onde se vai em busca dos objectos. «É muito mais importante desenvolver, digamos assim, o faro», esclarece o gaulês. Por vezes para ir a determinado local, Daniel limita-se a abrir um mapa. «Fecho os olhos, coloco o dedo num ponto qualquer. Depois, abro os olhos e o ponto onde estiver o meu dedo é para onde vou».
Comprar uma peça de valor é também um investimento. Mas há muita gente que compra não propriamente pelo valor mas sim porque se trata de um objecto de arte. «O que conta é o prazer de ter. E pode ser por um simples detalhe, pela perfeição ou até imperfeição de uma determinada peça. No caso da estatuária, por exemplo, há pessoas que se especializam em objectos defeituosos. E só esses lhes interessa».
Daniel esteve pela primeira vez na China em 1979, «numa época em que eram poucos os locais abertos à visita de estrangeiros». Ao longo dos anos o panorama mudou e foi visitando as remotas montanhas de Sichuan, Yunnan, Guangxi. E fê-lo porque sente um grande fascínio pelas minorias étnicas. «Nesses locais começo sempre por visitar os mercados, pois é aí que travo conhecimento com as pessoas que depois, após alguns dias, semanas até, acabam por me convidar a visitar os seus lares. Nos mercados nem sempre encontramos aquilo que nos interessa. É preciso conhecer os habitantes locais, apreender algo das respectivas culturas. É um processo que pode ser longo e que obriga à realização de diversas viagens à mesma região», explica.
A arte estatuária e a bijutaria de prata – colares, braceletes, brincos – é o tipo de objectos que Daniel prefere. No fundo, a pessoa que colecciona tem sempre a intenção, um dia, se encontrar um determinado número de objectos da linha que procura, de escrever um livro ou fazer uma exposição.
Mas, afinal, o que se sente o antiquário ao separar-se de um dos seus objectos?
«Não choro, mas fico com uma certa dor no peito. São peças de que gosto muito e que consegui obter através de muito sacrifícios. Porém, se sei que o objecto vai para um bom local e que o comprador é um pessoa com sensibilidade, custa bem menos a separação», confessa Daniel Loviat.
Joaquim Magalhães de Castro