Caminhando juntos como testemunhos da Paz
Desde a sua nomeação como arcebispo de Teerão, o franciscano conventual D. Dominique Joseph Mathieu – será elevado a cardeal pelo Papa Francisco a 7 de Dezembro próximo – teve já a oportunidade de conhecer bem o povo iraniano. É por isso que, neste momento de extremo conflito no Médio Oriente, apela a que se abandone definitivamente “a aspiração de afirmar a nossa supremacia” e que se deixe de “investir tempo, energia e recursos em técnicas e estratégias que nos distanciam da luz”. Só assim – defende o prelado – se pode almejar ao restabelecimento de uma paz duradoura no Médio Oriente e no Mundo.
Em recentes declarações à agência noticiosa FIDES, D. Mathieu lembra-nos os constantes apelos do Papa Francisco e a urgência de pôr fim às guerras, que só trazem “morte e escuridão”. É hora de enfrentar os conflitos com coragem e transparência, pois somente através do “encontro autêntico com o outro” pode emergir “a centelha da fraternidade na nossa casa comum, que Deus, feito amor, nos confiou”, afirma o bispo de nacionalidade belga.
Para ele, o povo iraniano é um dos mais acolhedores do mundo, mas infelizmente luta ainda por um enquadramento justo a nível global. Na verdade, o próprio clérigo, aquando uma recente Assembleia Sinodal, questionado sobre qual a zona continental onde se insere a Diocese que tem a cargo, não soube muito bem o que responder. O Irão não é de todo (ao contrário do que muita gente pensa) um país de cultura árabe, e nem é tampouco um país de tipologia asiática; no entanto, todos o olham com crescente curiosidade, pois cada vez mais ele se insere no âmbito da renovada “Rota da Seda”. O Irão é rico em recursos; não apenas em recursos naturais, como o petróleo e gás, mas também em inegáveis valias intelectuais.
Neste âmbito, o arcebispo reforça que só caminhando juntos, “apesar das nossas diferenças”, poderemos ser verdadeiros testemunhos da paz. E não basta que nos limitemos a sonhar com semelhante desejo: “construamo-lo com acções concretas de reconciliação e unidade”.
A arquidiocese de Teerão-Isfahan é responsável pelo cuidado pastoral de todos os católicos do Rito Latino no Irão – dois milhares aproximadamente – que estão divididos em quatro paróquias e são na sua maioria estrangeiros residentes no País. Existe ainda um número bastante significativo de fiéis ligados à Igreja Católica Caldeia e à Igreja Católica Arménia.
O problema em toda esta questão, que é hoje, de resto, notícia diária nos Media a nível global, é que no mundo ocidental predomina ainda uma visão preconcebida que reduz o Irão – uma nação cheia de contrastes e diversidade – a um aglomerado de “pessoas com longas barbas e mulheres com xadores”. D. Mathieu chama a atenção para toda uma população que sofre “por causa do embargo económico e das sanções ocidentais em vigor, que continuam a causar sérios problemas”. E isso acontece, apesar do Irão já ter assinado substanciais acordos a 25 anos com a China e ser agora membro pleno dos BRICS, organização com cada vez mais relevância a nível global. O arcebispo acredita que com o novo Presidente Masoud Pezeshkian haverá também crescentes tentativas “de maior diálogo e reaproximação ao Ocidente”.
A questão da liberdade religiosa vem sempre à baila quando se fala do Irão. Por norma, os não muçulmanos xiitas são enquadrados num só grupo étnico e, consequentemente, associados a uma determinada religião. Mas a verdade é que – como recorda D. Mathieu – “a própria Igreja Latina, composta em grande parte por migrantes asiáticos, não pode ser enquadrada num só grupo étnico e é normalmente associada a funcionários de embaixada ou trabalhadores migrantes estrangeiros”.
Já em termos de diálogo inter-religioso, especialmente com o Islão xiita, há uma tradição que remonta há pelo menos cinco séculos, e que hoje continua viva. E muito graças aos clérigos e religiosos ligados à Universidade (e Seminários) da cidade de Qom, que continuam a promover contactos regulares com diversas instituições religiosas ou faculdades teológicas católicas. “No entanto”, nota o entrevistado, “subsistem dificuldades”. Por exemplo, no que concerne à definição da autoridade religiosa: no seio do xiismo iraniano, diferentemente da Igreja Católica, ela não está ligada a uma “chamada divina” (i.e, à vocação), mas sim a um progresso, “a uma jornada em relação aos estudos e actividades concluídas, de acordo com um crescimento totalmente diferente do nosso”.
Tendo vivido na Bélgica num bairro muçulmano, e também, durante um considerável período de tempo, no Líbano, D. Joseph Mathieu entende que embora para muitos o “diálogo teológico” possa ser encarado como uma “fraqueza”, há imensos pontos de encontro com aqueles abordados pelo Santo Padre na encíclica Fratelli tutti (“Todos Irmãos”), nesta nossa “casa comum”, no grito dos pobres, nas questões ambientais. Em todos estes domínios podemos encontrar um terreno fértil, porque estas são também uma preocupação no seio do mundo muçulmano.
Joaquim Magalhães de Castro