O papel interventivo da Igreja Católica
Em entrevista à agência noticiosa FIDES, o padre Agustinus Purnama, sacerdote indonésio de setenta anos de idade e Superior Geral dos Missionários da Sagrada Família (MSF) na província de Java, considera legítimas as expectativas dos jovens indonésios, que protagonizam a presente onda de rebelião que se estende a diferentes regiões do arquipélago. Exigem transparência, trabalho, desenvolvimento, boa política e um futuro. «O problema é que estão a ser explorados para outros fins», aponta o padre Purnama, que se aproxima do fim do seu mandato de seis anos como Superior.
Veremos agora se o Governo dará atenção e ouvirá estas exigências, tendo em conta a onda de protestos populares que varreu o País no início de Setembro. O padre indonésio reconhece «um impulso ditado por uma ética de responsabilidade que se dirige a toda a nação e se refere aos princípios fundamentais da Indonésia, a Pancasila» – carta de cinco princípios na qual toda a nação se baseia.
Entre os problemas abordados está o desemprego. A Indonésia regista uma das mais elevadas taxas de desemprego jovem da Ásia. Segundo dados governamentais, quase vinte por cento dos mais de 44 milhões de indonésios, entre os quinze e os 24 anos de idade, estão desempregados, o que representa mais do dobro da taxa de desemprego jovem nos países vizinhos, como a Tailândia, o Vietname ou a Malásia.
Os jovens nutrem grande desconfiança em relação ao Governo; desconfiança essa materializada num movimento de protesto fundado por estudantes chamado Indonesia Gelap (“Indonésia Negra”), que contesta os planos do Governo de cortar nas despesas com os serviços públicos. Segundo os economistas, os factores que explicam a elevada taxa de desemprego na maior economia do Sudeste Asiático incluem problemas estruturais, como a rigidez do mercado de trabalho (que dificulta a contratação), os baixos salários e os fracos investimentos. Um dos riscos generalizados é a “escravatura moderna”, em que os trabalhadores são vítimas de vários tipos de exploração. Foi, aliás, a situação de desigualdade económica que, agravada pela corrupção, levou às manifestações das últimas semanas. O padre Purnama acredita que «toda a política, a sociedade, e até a Igreja Católica, são chamadas a fazer a sua parte para corresponder às expectativas dos jovens».
A crise que a Indonésia atravessa actualmente tem diversas faces. Pode dizer-se que é uma combinação de diferentes crises: uma crise moral, uma crise de respeito pela lei e pelo Estado de Direito. «Existe uma crise de liderança política muito distante dos interesses e aspirações do povo». Esta é a opinião de D. Maximilianus Rex, bispo da recém-fundada diocese de Labuan Bajo, na parte ocidental da ilha das Flores, desde Junho de 2024, face à actual situação do País. Este bispo, filósofo e sociólogo, que leccionou durante muitos anos na Universidade Católica de Ruteng, recorda que «os problemas não são novos, mas nos últimos 25 anos, após a queda do regime de Suharto, o povo indonésio ansiava por melhorias a vários níveis: económico, político e social». Em vez disso, o povo apenas se apercebe do crescimento da injustiça e da desigualdade, enquanto o Governo aumenta os impostos, o número de pessoas na pobreza aumenta e a classe média também empobrece. Estes problemas estavam latentes «sob as cinzas» e agora explodiram.
«Na presente onda de protestos», observa o prelado, «os jovens e os movimentos estudantis desempenham um papel fundamental». Os jovens têm uma «profunda consciência» dos desafios que enfrentarão no futuro e são eles que organizam e lideram a sociedade civil. «Por outro lado», afirma D. Maximilianus Rex, «os jovens vêem os seus pais a lutar para sobreviver ou reduzidos à pobreza».
Os jovens têm plena consciência de que os principais problemas são a corrupção e a injustiça. E numa situação destas «é do interesse de todos que se inicie um diálogo sério entre o Governo e os movimentos sociais». Apesar da violência e da repressão policial, o bispo não vê «nenhum perigo de militarização ou de uma reviravolta autoritária», pois «a democracia está profundamente enraizada, temos uma Comunicação Social de massas atenta e uma sociedade consciente». Espera, por isso, que «as reivindicações dos manifestantes sejam tidas em conta pelos políticos para o bem do País».
O bispo, juntamente com outros bispos e importantes representantes da Igreja Católica na Indonésia, congratula-se com o surgimento do fórum de líderes religiosos, intelectuais, figuras culturais e representantes da sociedade civil, denominado Gerakan Nurani Bangsa (“Movimento da Consciência Nacional”), que inclui também representantes católicos. Numa carta aberta, o fórum apela ao Governo para que ouça as ideias e sugestões de académicos e especialistas que não procuram interesses pessoais, mas que se preocupam com o bem-estar da Indonésia. O fórum sensibiliza ao respeito pelo valor fundamental da Humanidade e à escuta das pessoas, para além uma «liderança ética e empática». Enumera como prioridades a reforma policial, medidas para a estabilidade económica, a expansão dos serviços sociais e a redução dos privilégios da classe política.
Joaquim Magalhães de Castro