CONTINUA A SAGA DO USO DO TERMO “ALÁ” NO IDIOMA MALAIO

CONTINUA A SAGA DO USO DO TERMO “ALÁ” NO IDIOMA MALAIO

Em luta pela liberdade de expressão religiosa

Segundo a agência noticiosa oficial da Malásia, Bernama, o sultão Abdullah Ri’ayatuddin Al-Mustafa Billah Shah de Pahang, actual chefe de Estado daquele país federalista, mostrou preocupação quanto à velha questão do controverso uso do nome de Alá (Deus, na língua malaia) por não-muçulmanos; na perspectiva do dirigente, “não apenas um pormenor linguístico, mas também uma questão de fé para a comunidade muçulmana”. Daí que quaisquer persistentes mal-entendidos apresentem, segundo este estadista, “sérios riscos para a sociedade”.

Recorde-se que na Malásia o chefe de Estado é escolhido para um mandato de cinco anos pela Conferência de Governantes dentre os nove Estados malaios (de treze existentes); e, ali, os sultões são simultaneamente chefes religiosos.

O eterno debate gira em torno da palavra árabe “Alá”, há muito incorporada no idioma malaio, mas cujo uso por minorias étnicas e religiosas há décadas é contestado por certas franjas da sociedade muçulmana, sobretudo os grupos islâmicos radicais. A mais recente polémica ocorreu no rescaldo do anúncio feito pelo Governo Federal, a 15 de Maio passado, de que desistiria do seu recurso contra uma decisão que permite aos cristãos o uso da palavra “Alá”, “inclusivamente nas suas publicações”. Uma semana depois, na mesma senda, o Primeiro-Ministro Anwar Ibrahim garantia que o Governo iria simplificar os “regulamentos relativos ao uso da palavra ‘Alá’ por não-muçulmanos”. Provavelmente, doravante irá o Governo proibir o seu uso por não muçulmanos nos Estados peninsulares da Malásia (onde o Islamismo é a religião maioritária) e permiti-lo nos Estados de Sarawak e Sabah, localizados na ilha de Bornéu, onde está o grosso da comunidade cristã.

Já em 2009 um tribunal proibiu o Herald Malaysia, o semanário católico do País, de usar o termo “Alá” como referência “ao Deus cristão”. A decisão seria anulada por um tribunal superior, do qual o Governo recorreu. Desde então, a questão tornou-se altamente politizada, exacerbando um debate que ainda hoje continua bem aceso. Ao longo destes últimos anos foram várias as ONG de cariz muçulmano a promoveram encontros, fóruns e discussões “online” no sentido de garantir “informação correcta” sobre o assunto. No entanto – admitem – trata-se de uma “luta inglória”, pois a esmagadora maioria dos malaios mantém uma visão rígida e esquemática do credo islâmico. O desafio agora, segundo os dirigentes dessas ONG, é “educar as massas” e promover a liberdade religiosa. Pretendem eles sensibilizar a população malaia local para o facto da palavra “Alá” existir antes do despontar do Islão, não sendo, por isso, um exclusivo da maioria muçulmana do país asiático.

Entidades como o “Sisters in Islam” (SIS) e a Frente para o Renascimento Islâmico (IRF) lançaram iniciativas nas redes sociais para promover informações precisas, “afastadas da ideologia e propaganda do Governo e dos movimentos extremistas”. A campanha destes grupos moderados ocorre num momento crítico na história da comunidade cristã na Malásia, há muito vítima de ataques direccionados que levaram ao incêndio indiscriminado de igrejas, à profanação de túmulos cristãos e à apreensão de centenas de bíblias. Neste último caso, a violência fôra motivada pela inclusão da palavra “Alá” num artigo do semanário católico Herald Malaysia, facto que iria criar forte controvérsia a nível nacional.

Suri Kempe, activista do SIS, lembra que o movimento de que faz parte tem utilizado as redes sociais “como plataformas de discussão”, esperando como “que o povo possa compreender o problema e formar a sua própria opinião” sobre o assunto. O mesmo argumento é repetido por Ahmad Farouk Musa, dirigente da IRF, para quem o apoio dos movimentos muçulmanos ao direito de a Igreja Católica usar a palavra “Alá” é uma luta “bastante difícil, mas necessária”. A maioria dos muçulmanos da Malásia, acrescenta, foi sujeito a um ensinamento literal e rígido do Islão desde tenra idade, sem que houvesse qualquer esforço para promover uma interpretação intelectual dos textos sagrados. Em geral, a visão religiosa entre os malaios – afirma este líder muçulmano moderado – é “ortodoxa e convencional”. Não se procura entender que o texto sagrado “tem de ser adaptado ao Século XXI”. Estes grupos moderados organizaram fóruns e mesas redondas para facilitar a discussão, mas o sucesso dessas reuniões foi sempre “escasso” e o seu impacto continua “limitado às realidades urbanas mais avançadas”.

Na Malásia, nação com mais de 28 milhões de pessoas e maioria muçulmana (sessenta por cento), os cristãos são o terceiro maior grupo religioso (depois dos budistas), com mais de 2,6 milhões de membros. Na capital, Kuala Lumpur, entre os onze milhões de habitantes, 180 mil são católicos. Um dicionário Latim-Malaio publicado em Malaca há quatrocentos anos mostra que a palavra “Alá” era já usada para descrever o Deus bíblico na língua local. Nada de novo a Oriente, portanto.

Joaquim Magalhães de Castro

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