Construtores da Europa

A Ordem de São Bento

Dia 11 de Julho é dia de São Bento de Núrsia (c. 480 – c. 547), autor da Regra que leva o seu nome, a qual está na origem da mais antiga ordem monástica do Ocidente, aliás, a maior ainda hoje. Por isso, os Beneditinos são os monges da Ordem de São Bento, que seguem a sua Regra, redigida em c. 530. A expressão Ordem de São Bento [OSB] não é todavia tão antiga, pois só aparece a partir do séc. XIII. Já a instituição vai a caminho dos mil e 500 anos, florescente e presente em todos os continentes, com uma acção civilizadora, cultural, mas acima de tudo religiosa e espiritual que a tornam decisiva na construção do mundo como hoje conhecemos.

As primeiras fundações de São Bento situavam-se em Subiaco (na região de Lázio, entre Roma e Nápoles), constituindo um conjunto de casas submetidas à autoridade de um abade (do Siríaco apa, “pai”), o que as tornava abadias. Cada uma delas tinha uma igreja. O conjunto destas comunidades era regido por São Bento. Depois surgiram Montecassino e Terracina, cada uma delas já com uma estrutura diferente: um mosteiro unificado, não um conjunto de casas. Cada um destes novos mosteiros era auto-suficiente e autónomo, definindo aqui a futura matriz beneditina. A organização interna era de tipo familiar, com uma concentração de poderes domésticos nas mãos do abade, o “pai” da comunidade.

Na sua Regra, Bento de Núrsia renunciava à criação de laços obrigatórios entre mosteiros, embora tal tenha sido alterado ulteriormente. Tal como renunciou à interferência abusiva de prelados, apenas em caso excepcionais, como “más eleições” de abades, falseadas dir-se-ia. A Regra enxameou, materializada em fundações monásticas, embora no séc. VI resultasse difícil determinar a medida em que aquele texto normativo lavrado por São Bento estivesse difundido ou rigorosamente observado. Em tantos mosteiros eram tantas as diferentes Regras monásticas em uso ou circulação, mais de duas até em muitos cenóbios, por exemplo.

 

Reforma de Cluny

Por volta de 580 os Lombardos destruíram Montecassino, com o seus monges a fugirem para Roma, o que permitiu porém que a Regra se tenha tornado mais conhecida, já que esta cidade era o grande foco de cultura e irradiação de conhecimento da época. O modo de vida “sub Regula Benedicti [RB]”, isto é, “segundo a Regra de São Bento”, é um conceito concreto no séc. VIII, mas havia ainda muitas “regras” e, portanto, confusão. Luís, o Pio, rei da Germânia, por isso, tentou impor a RB em 817 em todos os mosteiros do seu território, pois era já a mais importante de todas.

Em 910 funda-se Cluny, na Borgonha, um marco fundamental na história do monaquismo ocidental. Os abades de Cluny, imbuídos de uma organização feudal, vão agrupar vários mosteiros sob a sua autoridade, impondo a RB em todos. Cluny dependia apenas da Santa Sé, por seu turno. A ideia de Ordo, “ordem”, com base no modelo de Cluny, impôs-se no Ocidente. Cluny tornou-se o coração da Ordem Beneditina, a que muitos chamavam, por isso, de Cluniacense. Mas o sucesso de Cluny foi a origem de movimentos de reacção e reforma do ideal beneditino, reclamando uma nova observância. Aparecem as reformas de Camaldoli, em 1012, Vallombrosa, em 1037, Cister, em 1098, e Fontevrault, em 1100. Cister por exemplo era a força do ideal de regresso radical ao ascetismo inicial do movimento beneditino.

 

O tempo das congregações

Nesta senda de reformas (de Cluny), a partir do séc. XI a Ordem de São Bento divide-se cada vez mais em congregações, cada uma das quais agrupando vários mosteiros. Cada congregação na época chega quase a ter uma existência como se fosse uma ordem autónoma. A expressão “Ordem Beneditina” na época não era entendida tanto no sentido de estrutura mas antes como o conjunto dos mosteiros que se inspiravam na RB. Mosteiros masculinos e femininos, entenda-se. A autonomia e isolamento de cada mosteiro, se por um lado acrisolava a espiritualidade monástica, por outro lado fragilizava cada comunidade perante as interferências do exterior, como foi o caso das comendas, pelas quais figuras laicas ou do clero não beneditino se apossavam das rendas e títulos dos mosteiros, acentuando assim a decadência da vida monástica.

Apareceram assim as reformas ou observâncias no séc. XIV – Kastl (Baviera), Melk (Áustria), mas principalmente Santa Justina de Pádua, em Itália, que foi a primeira congregação beneditina de tipo moderno. Depois da dissolução de muitos mosteiros no Norte da Europa com a Reforma Protestante, a Reforma Católica saída do Concílio de Trento (1545-63) imporá o modelo da organização em congregações, além da blindagem de cada mosteiro face à predação e influência exteriores. Até ao séc. XVIII muitas congregações surgirão, em tempos em que os Beneditinos já tinham “passado o mar”, tal como se expressa no voto missionário dos monges de Portugal, por exemplo.

 

Da Revolução Francesa à actualidade

Esta revolução desmantelou a OSB e o monaquismo em geral, depois do apogeu que foi até meados do séc. XVIII. Os monges que sobreviveram lançaram-se no entanto na luta pelo renascimento da Ordem no séc. XIX. Assim foi em Solesmes, cabeça de um congregação beneditina francesa fundada por D. Guéranger em 1833-37. A França voltava a ouvir o tanger dos sinos das abadias francesas da OSB, como depois sucedeu na Alemanha, a partir da obra dos irmãos Wolter em Beuron, por exemplo, ou na Áustria, Bélgica, etc. A renovação litúrgica e o renascimento do canto gregoriano monástico advêm deste renascimento beneditino, o qual conhecia também nas Américas um grande enxamear (Estados Unidos, Brasil…).

Em 1893 o Papa Leão XIII, no seguimento desta grande restauração monástica, instituiu uma confederação de todas as congregações beneditinas renascentes, regidas por um abade primaz, a residir no Pontifício Colégio de Santo Anselmo, em Roma. Uma lei própria, constituições e centralidade foram assim as bases de arranque da reestruturação reorganizativa mas também religiosa da OSB, a que se juntariam nos anos 60 do séc. XX congregações ainda separadas, como os Olivetanos, Vallombrosa, Camaldoli ou os Silvestrinos. Todos Beneditinos. A Ordem renascia, revigorou-se e expandiu-se novamente, tal como a sua obra civilizadora, na cultura, na economia, nas artes, na liturgia e na música, no ensino, na missão, na erudição, enfim, em tantos valores da influente cultura beneditina no mundo.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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