HERESIA FOI CONDENADA MÚLTIPLAS VEZES PELA SANTA SÉ

Como a Opção Fundamental relativizou a Moral

HERESIA FOI CONDENADA MÚLTIPLAS VEZES PELA SANTA SÉ

Na abertura do Concílio Vaticano II, a 11 de Outubro de 1962, São João XXIII propunha que a doutrina cristã, “certa”, “imutável” e “fielmente respeitada” fosse “aprofundada e apresentada” de modo a responder às exigências dos novos tempos. Uma janela aberta ao mundo de modo a que, mantido “o depósito da fé” e a “verdade contida na nossa venerável doutrina”, ela pudesse ser enunciada de forma apropriada e actualizada à segunda metade do século XX. Em nenhum momento o Sumo Pontífice pretendeu substituir ou abolir qualquer verdade de Fé, mas novos e apropriados meios para transmiti-la.

Posteriormente, o Papa Paulo VI pretendeu uma aplicação concreta destes princípios e das propostas desenvolvidas ao longo do Concílio Vaticano II ao âmbito da Teologia Moral. Uma vez que a “Dei Verbum” considerava a Sagrada Escritura como a “alma da Teologia”, vários autores, inspirados pelos novos ventos da novidade (por vezes um pouco intempestivos), quiseram repensar a Teologia Moral a partir da Bíblia. Bernhard Häring é um dos teólogos indiscutivelmente vinculados à renovação da moral cristã, tanto na sua linguagem como na exposição doutrinária. Juntar-se-ia a ele outro filho de Santo Afonso Maria de Ligório, também ele Redentorista, Marciano Vidal. Quem diria que dois filhos daquele que é considerado o pai da moral deixá-la-iam de tal modo desfigurada e relativista, e a própria Igreja numa crise moral sem precedentes. O “aggiornamento” doutrinário em matéria moral que partiu de uma hermenêutica bíblica subjectivista e já permeada pela demitização e dessacralização do método histórico-crítico, não respeitaria a proposta inicial de João XXIII, rompendo-se as novas doutrinas com o depósito da fé e a verdade conhecida enquanto tal.

Consta que o Papa Paulo VI, diante de alguns discursos dos padres conciliares e de novas propostas que rompiam com o verdadeiro espírito do Concílio e não respeitavam a doutrina cristã, certa e imutável, escreveu dois documentos que muito contrariaram os apologistas de um nova moral relativista e laxa: A “Humanae Vitae”, e a “Sacerdotalis Caelibatum” – as últimas encíclicas escritas por este Papa santo confirmavam a doutrina tradicional quanto ao celibato dos sacerdotes e negavam licitude aos métodos contraceptivos e a outros atentados contra a vida e a família que estavam a normalizar-se e normatizar-se. Não foram tempos pacíficos dentro da própria Igreja, pois muitas Conferências Episcopais, iludidas com as novas e mundanas possibilidades e o inebriante progresso, opuseram-se publicamente a estes documentos. Curiosamente, de acordo com o padre Javier Luzón Peña, doutor em Teologia e professor de Antropologia Teológica, as dioceses e países que mais fizeram oposição a estes documentos e rebelaram-se contra a Santa Sé, ensinando nas suas instituições as novas doutrinas morais aos seus seminaristas, são as que mais problemas tiveram com o flagelo da pedofilia e o abuso de sacerdotes, despendendo agora elevadas somas às vítimas, deixando essas mesmas dioceses e conferências episcopais inteiras próximas da falência…

São João Paulo II e o cardeal Ratzinger, então responsável pela Doutrina da Fé, deram-se conta dos ataques à teologia moral, fazendo vir a lume a encíclica “Evangelium Vitae”, e mais tarde a “Veritatis Splendor” que confirmavam e reforçavam a “Humanae Vitae” e todas as questões relacionadas com a dignidade humana e a vida; também o Catecismo da Igreja Católica procurou conservar, em todos os seus capítulos, os ensinamentos teológicos e morais da Igreja que lhe foram legados pela Escritura e pelo depósito da fé; condenaram-se, igualmente, obras e autores, como as de Marciano Vidal. Recentemente, Bento XVI confirmou a necessidade da Igreja ter publicado esses documentos, dada a grande dificuldade e turbulência naquele tempo em que a Moral da Igreja abandonava a Lei Natural, a fim de partir de interpretações subjectivas bíblicas, criando novas doutrinas, mais “aggiornatas”, numa verdadeira dissolução da moral diante dos ideais libertinos do Maio de 68.

O problema de Häring, Vidal, Schüller, Böckle, entre tantos outros moralistas em discordância com a Igreja, foi certa protestantização (não é por acaso que a proveniência de um bom número deles era alemã), dada a concepção luterana não só da livre interpretação bíblica, sem as amarras de uma autoridade, como do pecado e da auto-justificação. No fundo, criavam-se sofismas a partir da Escritura para relaxar a moral, e incentivava-se ao pecado, perdendo o acto moral qualquer malícia desde que não se perdesse a Fé. Essa espécie de “opção fundamental”, nome desta doutrina perniciosa, levou os seus autores a opinarem que as condições para o pecado mortal e a perdição da alma seriam muito difíceis, importando o amor a Deus e a Fé do indivíduo, que justificariam as suas atitudes e actos. Era a tese de Lutero, que incentivava para se pecar fortemente, à vontade, que o amor e a fé tudo redimiriam. Como se os nossos actos pouca ou nenhuma importância tivessem. Bastaria um vago amor, ter fé, e todos estariam justificados. Esta mentalidade penetrou nas consciências daqueles que repetem continuamente que não têm pecados, que não necessitam confessar-se, ou naqueles que defendem poder comungar, mesmo sem estar na graça de Deus, naqueles que pouco se importam com o encerramento à vida através da contracepção, ou que votam em políticas contrárias à moral, praticam quando mais lhes convém, entre tantos outros relaxamentos contemporâneos. “Eu tenho a minha fé”, “eu não tenho pecados”, “não se deve misturar política e religião”, “quem manda no meu corpo sou eu”, “Deus é misericordioso e ninguém vai para o Inferno”… tudo isto são formulações repetidas “ad nauseam”, decorrentes dessa heresia continuamente condenada pela Igreja, da opção fundamental.

Trata-se, no fundo, de uma má interpretação da fórmula agostiniana “ama et quod vis fac” – “ama e faz o que quiseres”, pois quem conhece a doutrina de Santo Agostinho sabe que ele não está a ensinar que somos livres para fazer qualquer coisa, nem essa é a doutrina do seu Livre Arbítrio. Aquele que verdadeiramente ama, vive a liberdade dos filhos de Deus, e não a escravidão do pecado. Ou seja, de acordo com o santo, o amor a Deus acima de todas as coisas leva a que não dirijamos um amor às criaturas maior do que ao Criador, o que seria cair no pecado. No fundo, aquele que vive do amor, não perde propriamente a capacidade de pecar, o que Santo Agostinho diz ser impossível nesta terra de exílio. Para aquele que ama verdadeiramente, o pecado, simplesmente, não é opção. Isto é muito diferente da doutrina da opção fundamental que acha que a casuística pouco importa, e que o homem faça o que fizer não peca quando ama e tem fé. Simplificando um pouco, para o santo, o verdadeiro amor auxilia a não cair no pecado, para os partidários da opção fundamental, podemos cair no pecado, desde que tenhamos amor, que está tudo justificado… Ora, São Domingos Sávio, ou São Luís IX, Rei da França, na sua educação recebida de Branca de Castela, ajudam-nos a perceber a verdadeira doutrina, aquela que também é a de Santo Agostinho, e de todos os santos, na célebre frase: “antes morrer do que pecar”. Antes perder a vida do que ofender a Deus. Este é o verdadeiro amor… muito diferente da doutrina da opção fundamental, que fala do amor para dizer que podemos pecar à vontade, que o mais importante é a fé. Como se a fé sem as obras não estivesse morta e não fosse necessário ser coerente e testemunhar a fé através das nossas obras. São Tiago é claro na sua carta: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo?» (Tiago 2, 14-26).

Os nossos actos livres, conscientes e voluntários, não são acessórios ou secundários. Eles são testemunho da nossa fé e do nosso amor. Somos responsáveis por eles, e teremos de responder diante de Deus pela moralidade ou não de cada um deles. A Bíblia não se pode transformar num joguete para criar uma moral a bel-prazer do pecador, distante da lei natural e da tradição cristã. Infelizmente, a educação em muitas instituições cristãs afastou-se muitas vezes do Magistério, da “Humanae Vitae” e da “Evangelium Vitae” ou da “Veritatis Splendor”, as encíclicas mais recentes de conteúdo moral, para se virar para os autores da “opção fundamental”, levando a consequências desastrosas, tanto para o Clero, que passa a viver e pregar uma moral relativista, quanto para o Povo de Deus que se distancia cada vez mais do ensinamento moral da Igreja na sua prática quotidiana, dizendo que até ama a Deus e vai rezando, e de vez em quando vai à missa, onde escuta frequentemente um sermão morninho e repetitivo sobre o amor e a misericórdia, e pouco ou nada sobre a moral, o pecado, os novíssimos do homem, a contracepção, o aborto… temas quase proibidos para os adeptos de que o amor justifica tudo. A vida dupla de alguns padres e fiéis leigos é um cancro causado por essas células isoladas da moral da Igreja contaminadas pela “opção fundamental”. Pouco importa a muitos se esta heresia foi condenada múltiplas vezes pela Santa Sé, se para eles é a forma mais fácil de viver no pecado e julgar que se salvam.

Pe. José Victorino de Andrade 

Sacerdote ao serviço do Santuário de Fátima

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