Papa quer mudar o mundo, mudando a economia

COLOCAR AS PESSOAS COMO FIM, E NÃO COMO RECURSOS

Papa quer mudar o mundo, mudando a economia

O encontro “Economia de Francisco” reuniu virtualmente milhares de jovens de todo o mundo ligados à economia. Em discussão, um novo modelo económico, mais humano e humanizante. Mas, afinal, o que é isto da Economia de Francisco?

Quando se fala em economia, pensamos em dinheiro. E se a Igreja fala destes assuntos, quase sempre os ligamos a campanhas de angariações de fundos, peditórios ou escândalos. Mas não foi de nada disso que se tratou no final do mês de Outubro de 2020, quando milhares de jovens responderam à chamada do Papa Francisco para discutir a necessidade de um novo modelo económico, mais centrado no Ser Humano. Mas comecemos já por aqui, para tentar facilitar a leitura ao nosso leitor: o que é exactamente este modelo?

A palavra a Pedro Mendonça, economista e professor assistente na Nova SBE, e que fazia parte do grupo de cerca de cinquenta jovens portugueses que estavam na lista para ir a Assis. «No fundo, este movimento da Economia de Francisco parte do reconhecimento de que o sistema económico que temos não está a servir a Humanidade, não está a servir as pessoas, e o Papa é o primeiro a reconhecer isso», defende. Por isso, é preciso algo novo.

Joana Castro e Costa, gestora que trabalha também na Nova SBE e que também estava seleccionada para participar no evento presencial, explica que «uma empresa é um grupo de pessoas que se uniram em torno de um objectivo comum, criar um produto, ou um serviço, e aquelas pessoas todas agregadas em torno de uma empresa são quase como se fossem uma família, é suposto cuidarem umas das outras», o que não acontece com o sistema económico que temos «enraizado» na nossa sociedade, uma vez que o seu foco é o lucro.

«As pessoas vivem numa economia de capital, de produção, em que o que está no centro e fim desse sistema económico é a produção de capital, e as pessoas acabam por ser um recurso, e o que falamos aqui é de virar o jogo, e as pessoas deixarem de ser meios, para passarem a ser o fim da actividade económica», explica Pedro Mendonça. Uma mudança que, bem vistas as coisas, está no seguimento do pontificado do Papa Francisco. Não só o seu nome veio do conhecido apelo do cardeal Hummes: “não te esqueças dos pobres”, como toda a sua actuação e escritos têm sido nesse sentido. Se na Laudato sio apelo para cuidar da Casa Comum implicava melhorar a relação com o Ambiente, a encíclica Fratelli tuttiaponta para as relações humanas e para o cuidado na dignidade de todos os povos. Além disso, a Amoris laetitiaajuda a recuperar a família como centro da vida no mundo, enquanto a Gaudete et exsultatemostra como, nas relações do dia-a-dia, a santidade pode reconstruir com afecto e amor todo este mundo.

Só faltava, verdadeiramente, a área da economia, essencial para a forma como estamos e sobrevivemos em conjunto. E, para isso, o Papa apostou não nos gestores de hoje, mas nos influenciadores jovens de hoje, que serão os líderes de amanhã.

«Acho que a intenção do Papa não é criar um modelo económico, ou soluções para resolver os problemas que temos. A prioridade é meter pessoas, e aqui jovens, a fazer perguntas. Vamos questionar as coisas, porque a certa altura o modelo está tão enraizado que já não se questionam as coisas, as pessoas seguem quase como carneiros atrás do pastor. O nosso desafio é fazer perguntas: porque é que aquela empresa tem de ter lucros sem fim e depois tem de fazer pagamentos pelo salário mínimo? Vamos pensar nestes temas diferentes e vamos fazer perguntas. E neste momento já somos alguns milhares a fazer perguntas, e isto, quer queiramos quer não, vai ter impacto», avisa Fernando Costa Duarte, um dos responsáveis pelo grupo “Economia de Francisco Portugal”.

Joana Castro e Costa acha, por outro lado, que o impacto vai ser mais imediato. «Há uma grande conquista com tudo isto, que foi passar de um evento para um movimento muito mais rápido do que seria de esperar. Nós tínhamos uma alegria imensa de estar num encontro com tantos jovens como nós, e com o Papa, e de repente não, começámos um caminho de preparação para o evento e para o que ele representa, e houve muitos grupos que avançaram para propostas concretas», como por exemplo o fim dos paraísos fiscais, que levantou logo algum mediatismo pela forma como foi colocada no evento (ver caixa).

PÔR A IGREJA A FALAR

Mas teve também outro ganho, na opinião desta gestora, que foi o de pôr a Igreja a falar de um assunto que «é um bocado tabu». «Uma das coisas que mais admiro neste movimento é que pusemos a Igreja a falar sobre estes temas, e eu acho isso importantíssimo. A Igreja abriu-se para o mundo com este movimento de jovens, que não são só jovens, nós temos várias pessoas, em Portugal e em todo o mundo, jovens na cabeça e não no corpo, que se juntaram a nós para as discussões e para participar em algumas propostas, alguns já em posição de liderança», sustenta.

Como afirma Joana Castro e Costa, o evento tornou-se um movimento, que teve o seu primeiro momento naquele encontro virtual. A organização espera poder reunir presencialmente em 2022, «sem certezas», mas este movimento não vai ficar parado à espera desse encontro.

O nome “Economia de Francisco Portugal” não ficou restringido à preparação para este encontro. «Houve algo que ficou muito claro desde o início, que era arranjar uma forma de ter uma rede nacional das pessoas que estão sensíveis a este tema e que querem falar disto. Foi assim que surgiu este grupo, que pretendemos que seja uma rede, porque todos juntos temos mais possibilidade de sucesso do que separados», defende Fernando Costa Duarte, que acrescenta que querem que a rede possa «influenciar, seja em decisões, seja a formar jovens que daqui a uns anos vão estar em sítios de decisão, e poder influenciar a sociedade, as empresas, outros grupos».

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AS PROPOSTAS DOS PARTICIPANTES

No final do encontro, os jovens participantes emitiram um comunicado final com doze propostas que eles pedem que sejam seguidas, a saber:

1– As “grandes potências mundiais e as grandes instituições económico-financeiras desacelerem a sua corrida para deixar a Terra respirar”.

2– Proceder à “activação de uma comunhão mundial das tecnologias mais avançadas para que, também nos países de baixos rendimentos, as produções sejam sustentáveis”.

3– A questão da “custódia dos bens comuns”, como as florestas, os oceanos, a terra, entre outros, “seja colocada no centro das agendas dos Governos e do ensino nas escolas, universidades e ‘business schools’ do mundo inteiro”.

4– Nunca mais sejam usadas as “ideologias económicas para ofender e descartar os pobres, os doentes, as minorias e os desfavorecidos de todos os tipos”.

5– Elaborar uma carta comum que desencoraje “escolhas empresariais voltadas apenas ao lucro” e dê direito ao trabalho digno para todos, “que respeite os direitos da família e todos os direitos humanos na vida de cada empresa, para cada trabalhadora e cada trabalhador”.

6– Sejam “imediatamente abolidos os paraísos fiscais no mundo inteiro”.

7– Sejam “fundadas novas instituições financeiras mundiais e sejam reformadas as existentes (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional) num sentido democrático e inclusivo, para que ajudem o mundo a reerguer-se das pobrezas, dos desequilíbrios produzidos pela pandemia”.

8– As empresas e os bancos, especialmente os grandes, “introduzam um comité ético independente na sua administração com direito de veto em matéria de meio ambiente, justiça e impacto sobre os mais pobres”.

9– As instituições nacionais e internacionais “prevejam prémios de apoio aos empresários inovadores no âmbito da sustentabilidade ambiental, social, espiritual e, não menos importante, de gestão, porque só revendo a gestão das pessoas dentro das empresas será possível uma sustentabilidade global da economia”.

10– Os Estados, as grandes empresas e as instituições internacionais “cuidem de uma educação de qualidade para cada menina e menino do mundo, pois o capital humano é o primeiro capital de todo o humanismo”.

11– As organizações económicas e as instituições civis “não descansem enquanto as trabalhadoras não tiverem as mesmas oportunidades dos trabalhadores”.

12– Pedir que os Governos deixem de investir em armamento, pois “nós, jovens, não toleramos mais que sejam subtraídos recursos da escola, da saúde, do nosso presente e futuro para construir armas e alimentar as guerras necessárias para as vender”.

RICARDO PERNA

 Família Cristã

N.d.R.:Macau também participou e contribuiu para o desenvolvimento dos trabalhos da “Economia de Francisco”, tendo para o efeito sido elaborado um documento intitulado “The Macau Manifesto for The Economy of Francesco”. Trata-se de uma compilação de ideias apresentadas pelos participantes da edição de 2020 do simpósio anual do Instituto Ricci de Macau, que teve lugar na Universidade de São José, nos dias 15 e 16 do mês de Outubro.

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