As Igrejas Reformadas no Novo Mundo
A Reforma Protestante não se cingiu à Europa. Tal como a Igreja Católica, na Missão, ganhara o mundo, também os Protestantes se estenderam além-mar, principalmente, ou numa primeira fase, no Novo Mundo, a partir essencialmente do século XVII. Ou seja, nas Américas. Se na América Central e do Sul, na sua esmagadora maioria geográfica fazendo parte dos impérios dos catolicíssimos reinos de Espanha (do México à Terra do Fogo) e Portugal (Brasil), predominou solidamente a Igreja Católica, naquilo que são os actuais territórios dos Estados Unidos e Canadá, então divididos pela Inglaterra e Canadá, foram as igrejas reformadas (protestantes) que mais se impuseram, embora a Igreja Católica não tenha deixado de se implantar da Califórnia ao Novo México e Luisiana (colonização espanhola e francesa, respectivamente) e no Québec (França).
No reinado de Isabel I de Inglaterra (1558-1603), os Puritanos (de matriz calvinista) aumentaram em número e preponderância não apenas religiosa como também económica e política. A sua fé tinha poucos ritos, era austera e moralmente exigente, com uma estrutura presbiteriana, imitando a simplicidade e pureza do Cristianismo primitivo. Um dos seus grupos mais radicais, os “Pilgrim Fathers”, embarcariam no Mayflower e zarparam para a América do Norte, corria o ano de 1620. Fundaram a primeira colónia puritana da América, na Nova Inglaterra, não longe de Boston. Como vários eram formados na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, fundaram uma população homónima, onde fundariam a primeira instituição de ensino puritana na América, que foi ao mesmo tempo a primeira instituição a ministrar o Ensino Superior no continente: Harvard. É do puritanismo calvinista que provirá o moralismo e legalismo da piedade americana dos primórdios da sua sociedade, com uma regulamentação da vida através de preceitos mais vetero-testamentários que propriamente cristãos.
Depois seriam os fiéis anglicanos ingleses a fugir para a América, na ditadura puritana de Cromwell (1653-58), estabelecendo-se na Virgínia, Maryland, e nas Carolinas, embora mantendo-se ligadas a Inglaterra, pois não tinham bispos próprios e os seus sacerdotes tinham que ser ordenados em Inglaterra. Depois da independência dos Estados Unidos, em 1776, os grupos de Anglicanos transformar-se-iam na Igreja Episcopaliana, independente de Inglaterra também. São o segundo maior grupo anglicano do mundo e constituem, socialmente, uma das comunidades mais abastadas dos Estados Unidos.
As numerosas igrejas cristãs
Tentemos aqui elencar este conjunto de igrejas, antes de explicarmos no essencial, excluindo a Igreja Católica Apostólica Romana, que aliás é a maior igreja cristã em número de fiéis dos Estados Unidos. Não referiremos também os Ortodoxos. Assim, temos os Irmãos Moravos; depois os Luteranos, dos quais surgiram a Comunidade de Irmãos, os Seguidores de Swedenborg, a Aliança das Missões, os Evangélicos e Reformados, dos quais saiu a Igreja de Cristo Unida. Os Evangélicos e Reformados derivam também dos Reformados, que provêm de outro grupo estabelecido, os Calvinistas, ligados aos Zwinglianos. Os Anabaptistas também se estabeleceram, com as suas derivações Menonitas e Amish. Dos Calvinistas brotaram ainda os Presbiterianos, dos quais descende uma outra cisão, os Discípulos de Cristo, dos quais saíram outras duas divisões: a Igreja de Cristo e a Igreja de Jesus Cristo e dos Santos dos Últimos Dias (Mórmones), da qual sairia ainda a Igreja Reformada dos Mórmones. Dos Protestantes Ingleses saíram dois grupos: os Anglicanos e os Dissidentes. Destes últimos brotam os seguintes grupos: Congregacionalistas, Quakers (ou Quacres) e os Baptistas. Destes últimos derivam os Adventistas, dos quais se fez a reforma depois das Testemunhas de Jeová. Dos Congregacionalistas saíram as reformas dos Unitarianos, que deram origem à Ciência Cristã e esta à Igreja da Unidade. Do lado dos Anglicanos, temos os Metodistas, dos quais brota uma árvore maior: Irmãos Unidos Evangélicos, Exército de Salvação (que dão origem aos Voluntários da América), as Igrejas Pentecostais (de cura), a Igreja de Deus e os Nazarenos. Os Velhos Católicos, outra igreja cristã, deram também origem a outra cisão, os Católicos Liberais. Por último, temos ainda a Igreja Católica Nacional Polaca.
George Fox (1624-91) foi um dos teólogos anglicanos britânicos que deram origem a um sentimento religioso que impulsionou outras igrejas. Deus ilumina directamente cada alma e para nos salvarmos não são necessários nem sacerdotes, nem livros nem instituições. Assim pregava Fox, fundador da Sociedade Religiosa dos Amigos, ou Quakers. Estes colocavam-se sob o sopro do Espírito, insistindo na necessidade de despertar as almas da sua rotina e dos seu formalismo, pretendendo formar uma comunidade de santos. Muitos foram os seus seguidores, como William Penn, fundador da Pensilvânia e da sua capital Filadélfia, a “cidade do amor eterno”. Dos Quakers nasceu a reforma dos Shakers, ou Sociedade Unida dos Crentes na Segunda Aparição de Cristo.
Muitos reformados vieram da Europa, como são os casos da Escócia (Presbiterianos), da Alemanha (reformados não luteranos) e da Holanda (Calvinistas, ou Reformados), provindo de minorias em regiões dos seus países de origem e que procuravam maior liberdade e paz religiosa na América. O Novo Mundo torna-se uma terra de asilo para os movimentos religiosos, no caso as igrejas cristãs reformadas. Muitos grupos seriam também perseguidos na América, como os Morávios, os Menonitas, a Igreja dos Irmãos, tendo sido convidados por outras a instalarem-se sob sua protecção, como foi a que ofereceram os Quakers de William Penn. O Novo Mundo era, no seu todo, uma terra sem hierarquias religiosas rígidas, sem bispos nem autoridades, o debate livre era possível, o que deu origem a um individualismo religioso ímpar no mundo. E ajudou a formar a identidade americana, por outro lado. As migrações luteranas da Escandinávia e das regiões alemãs criaram grandes comunidades religiosas, primeiro muito separadas pelas enormes distâncias, depois cada vez mais próximas com o desenvolvimento, criando-se organizações importantes. Por exemplo, o segundo maior país luterano do mundo, depois da Alemanha, são os Estados Unidos. Algumas das igrejas que surgiram foram também, por outro lado, espontâneas, sem relações com as igrejas tradicionais.
A cultura de tolerância da América deu origem a uma liberdade de crenças, formando-se grupos religiosos peculiares, como Mórmons, por exemplo. Mas há uma matriz calvinista, sem dúvida, na identidade americana. O princípio calvinista de que o êxito material pode ser considerado uma prova de aceitação divina marcou sem dúvida a sociedade e o nível de vida dos Estados Unidos, logo na sua fundação e definição.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa