O Movimento de Oxford
Retorno à Igreja Católica, ou movimento de reforma da Igreja Anglicana e de renovação na Igreja Católica em Inglaterra? Muitas questões se levantam em redor a este movimento, que aproximou os anglicanos da Igreja Católica, em alguns casos mais do que seria de esperar. Mas acima de tudo, é talvez o primeiro marco de aproximação das duas Igrejas, chamemos assim, importante para cada uma delas, mas sem dúvida um influxo de vitalidade e de capacidade de atracção da Igreja Católica em tempos de dificuldades, laicização e de questão social fracturante. O designado “Movimento de Oxford” é uma corrente de pensadores anglicanos que se dispuseram a estudar as origens do Cristianismo e, em grande parte, se converteram à Igreja Católica no período de 1833 a 1845. Entre todos sobressai a figura de John Henry Newman (1801-1890), que, convertido em 1845, tornar-se-ia cardeal da Igreja Católica em 1879.
Como já aqui vimos, o Cristianismo em Inglaterra separou-se de Roma em 1534, graças ao rei Henrique VIII, a quem o Papa recusou o divórcio. No século XIX, todavia, um grupo de anglicanos de Oxford promoveriam uma tentativa de retorno às fontes do Cristianismo, do que resultaria a conversão de muitas dessas figuras à Igreja Católica. Conversão ou regresso às origens? É o que procuraremos ajudar a discernir aqui, mas acima de tudo podemos enfatizar o facto deste movimento ser sinal da vitalidade e capacidade de atracção da Igreja Católica e do seu renascimento espiritual contínuo, mesmo numa época difícil como o século XIX. Ao mesmo tempo, é uma demonstração de que nem só de ideologias e ideias políticas viviam os intelectuais na pátria da Revolução Industrial, a Inglaterra, portanto, ou que esta só consumia energias no progresso, na industrialização, na economia, na materialidade enfim, ou se projectava apenas em ideais de secularização e laicismo. Pelo contrário, nos areópagos do conhecimento, como a insuspeita e reputada universidade de Oxford, mas não só, muitos intelectuais não abandonaram a reflexão, o pensamento crítico e o conhecimento para lá das ciências exactas, físicas ou naturais. Até poderíamos aqui deixar um mote para esta reflexão na pessoa do maior cientista ou o mais revolucionário do seu tempo, da época deste movimento: Charles Darwin (1809-1882), que era, de formação, teólogo…
RENASCIMENTO ESPIRITUAL
O Movimento de Oxford corresponde a um renascimento espiritual ocorrido entre 1833 e 1845 dentro da Comunhão Anglicana. Teve por sede a Universidade de Oxford, à qual pertenciam muitos dos integrantes do Movimento. É importante sublinhar aqui que naquela época, a Universidade, a Igreja e a Nação eram interdependentes entre si, em Inglaterra, de modo que o Movimento de Oxford acabou por desenvolver um importante papel na vida inglesa do século XIX. As principais figuras do Movimento foram John Keble (1792-1846), Richard Proude (1803-1836), John Henry Newman (1801-1890) e Edward Bouveric Pusey (1800-1883), todos reconhecidos intelectuais de grandes qualidades e mestria.
Estava-se em pleno Liberalismo e reinava o materialismo, no século XIX. O Movimento pretendia regressar às fontes do Cristianismo, estudar a Tradição testemunhada pelos escritos dos antigos Padres da Igreja e pelos primeiros evangelizadores, examinar a origem divina da Igreja e a hierarquia como sucessora do colégio dos Apóstolos, além de aprofundar a noção de Sacramento, em particular o da Santa/Última Ceia, como raiz da Eucaristia. Todos estes objectos de estudo e reflexão concorriam para afirmação e justificação da independência da Igreja frente ao Estado.
O Estado exercia uma pressão e controlo sobre a Igreja (que dele dependia) em Inglaterra, o que exasperava os mestres de Oxford, com certas deliberações do parlamento britânico a ameaçar a estrutura do Anglicanismo. O Estado em Inglaterra favorecia grupos hostis à religião, além do que o Governo inglês, em 1833, se tinha mostrado disposto a suprimir dez dioceses anglicanas da Irlanda, o que se afigurou uma intolerável ingerência na vida interna da Igreja Anglicana. Keble acusou mesmo o rei, ministros, o parlamento e a nação de serem responsáveis por atitudes que equivaliam a uma “apostasia nacional”. Nascia assim o Movimento, a 14 de Julho de 1833, dos púlpitos para toda a Universidade e daí para a nação.
A divulgação de panfletos anónimos intitulados “Tracts for the Times”, a partir de 1833, foi a primeira forma de acção. Reproduziam os sermões dominicais de John Henry Newman na igreja de Santa Maria, a mesma onde Keble proferiu o sermão fundador do Movimento. Um público atento e ávido, em crescendo, acorria àquela igreja universitária, com muitos estudantes de teologia. A influência de Newman como pregador carismático arrebatava audiências e tornou-se famosa. O objectivo dos “Tracts” era, no fundo, evidenciar a continuidade entre a Comunhão Anglicana e os inícios da Igreja Católica; durante nove anos, foram publicados sem interrupção, cada vez mais longos e densos.
Nessa época, os líderes do Movimento eram antipapistas, embora admitissem que o Catolicismo possuía em si alguns bons princípios. Consideravam que o perigo que ameaçava o Anglicanismo seria a tolerância das proposições protestantes e o esquecimento da sua herança católica; a Comunhão Anglicana era nem romana nem protestante, mas apenas católica. Surge então aqui John Henry Newman. Mercê dos seus estudos sobre heresias paleocristãs (monofisismo e donatismo, por exemplo), a partir de 1839, Newman reflectiu sobre a posição de Roma em relação a essas seitas heréticas e começou a pôr em causa o seu antipapismo. Achava que havia muitos preconceitos em relação à Igreja Católica, em particular quanto aos padres e teólogos, que passou a considerar como os pródromos do autêntico Cristianismo. A 27 de Fevereiro de 1841 foi publicado o último “Tract”, onde Newman tentava mostrar que os 39 artigos do credo anglicano (aprovados pelas respectivas autoridades em 1562 e inspirados na confissão luterana de Augsburgo) não eram incompatíveis com a fé católica, nem a contradiziam. Os reformadores é que quiseram contradizê-la…
A reacção em Oxford foi imediata: o “Tract” foi condenado por quase todos. As autoridades universitárias e a maioria dos bispos opuseram-se ao Movimento, suspeitando de aproximação à Igreja Católica. Newman aceitou a controvérsia, retirou-se para a paróquia de Littlemore, perto de Oxford e aí se converteu em 9 de Outubro de 1845. Alguns já o tinham feito, outros o fariam depois. A conversão de Newman foi o fim do Movimento de Oxford. Houve um reavivamento da vida cristã na Inglaterra, além de um enriquecimento cultural devido às publicações de textos da antiga literatura cristã e de teologia, além da consciência de proximidade à Igreja Católica.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa