Filosofia, uma dentada de cada vez (68)

E quanto às acções com consequências múltiplas?

Já vimos que a bondade ou a maldade de um facto é baseada na própria acção (finis operis), na intenção do executante (finis operantis) e nas circunstâncias envolventes do acto.

No entanto, a vida é complexa. Os nossos actos dão origem a outros efeitos, bons ou maus, alguns deles não intencionais. Muitas das nossas acções têm consequências múltiplas. Que critérios devemos seguir para julgar tais casos?

Alguns autores variam na forma de explicar os critérios a usar, mas poderemos usar os seguintes princípios quando tivermos de julgar essas acções:

(1) Em primeiro lugar temos que lembrar que uma acção apenas poderá ser boa se o objecto (directo) do acto, a intenção da pessoa que age e as circunstâncias forem boas. Se o acto em si não for bom, então nenhum efeito bom o poderá tornar num acto bom.

(2) Em segundo lugar, o efeito mau tanto pode ser previsível como não; poderá ser evitável ou não.

(2a) Se não for previsível, a pessoa poderá ser absolvida em parte ou no todo da sua responsabilidade.

(2b) Se o acto for previsível, mas puder ser evitado, é óbvio que alguém deverá fazer todo o possível para o evitar, se não será culpado pelo efeito mau do acto. Por exemplo, uma pessoa vai viajar no fim-de-semana, mas não prevê quando e onde ir à Missa de Domingo. Viajar em si é um facto bom, mas devido à pessoa ter a obrigação de rezar a Deus aos Domingos (o que é, basicamente, consagrar a Deus apenas uma hora das 168 que Ele nos dedica a cada fim de semana) deverá assegurar-se que não irá faltar a essa obrigação (a menos que adoeça durante a viagem). Se a pessoa for viajar, sem se preparar para a sua Missa Dominical, a sua acção é pecadora: é uma acção indirectamente desejada; uma acção em causa voluntária (de livre vontade).

(2c) Se o mau resultado possa ser previsto, mas não possa ser evitado, a pessoa não deverá desejar directamente os seus maus efeitos (isto surge logicamente a partir do primeiro princípio: a acção em si é boa), mas apenas tolerá-los ou permiti-los.

(3) Em terceiro lugar, se alguém prevê que um acto terá um mau efeito e não pode evitá-lo, ou seja obrigado a efectuá-lo (o caso 2c, acima descrito), deverá ter uma razão ou causa proporcionalmente séria para levar por diante a referida acção. A pessoa deverá considerar o seguinte:

(3a) A gravidade do mal causado indirectamente – não fazer nada, se o mal causado for maior que o bem obtido pela acção.

(3b) A proximidade da influência da acção no mau efeito.

(3c) A probabilidade que o mau acto aconteça.

(3d) A obrigação da pessoa em prevenir o mau resultado (devido à sua posição ou responsabilidade).

Deixem-nos apresentar mais alguns exemplos:

Deverá ser dado a um paciente terminal um analgésico forte para lhe aliviar as dores (bom finis operis), mesmo que esse facto lhe reduza o tempo de vida (efeito indirecto mau). Mas não podemos ministrar uma dose mais forte do mesmo medicamento de forma a causar-lhe a morte (mau finis operis) e acabar com a sua agonia (efeito indirecto bom).

Uma mulher poderá necessitar de uma cirurgia (bom finis operis) que a torne estéril (efeito indirecto). Mas a mulher não pode ser esterilizada (mau finis operis) para evitar complicações sérias ou mesmo a morte, em resultado de uma possível gravidez futura (efeito indirecto bom).

Uma pessoa pode fazer um investimento de risco para tentar salvar um negócio vacilante (bom finis operis), mesmo com o risco de o prejudicar ainda mais (efeito indirecto mau). Mas uma pessoa não pode declarar falsa falência (mau finis operis), mesmo que isso seja a acção certa para salvar a empresa.

Pe. José Mario Mandía

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