CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXXVI

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXXXVI

O Puritanismo – IV

Hoje em dia vivemos num tempo de activismo puritano. Muitos falam de uma “direita religiosa”, ou “direita cristã”, outros referem-se ao “bloco evangélico”, resumindo todas estas denominações no conceito de “puritanos”. Dos movimentos antigos, das secessões calvinistas ou anglicanas, protestantes enfim, hoje o termo é colado a organizações, movimentos políticos e sociais, e a cristãos conservadores alinhados politicamente com a “direita”. Estes puritanos modernos caracterizam-se pelo seu firme apoio a valores sociais e políticos tradicionalistas, transpondo para a vida política e social os ensinamentos religiosos ou uma inspiração de matriz bíblica, particularmente vetero-testamentária.

Este puritanismo conservador, tradicionalista, de direita, é menos religioso talvez e mais político. Mas ganha uma força crescente e é difícil já separar as duas dimensões. Como há quatro séculos, estão em movimento e acção, empreendem mudanças nas suas comunidades, que tentam guiar para os seus ideais. Muito analistas afirmam que os puritanos de hoje estão cada vez mais poderosos. Alude-se mesmo a “direita religiosa”, como uma facção com poder de “lobby” e de influência. Muitos, como nos séculos XVI e XVII consideram-se desenquadrados no desvario moral e ético da sociedade. Sentem-se até prejudicados, na medida em que consideram que eles, como o “seu” Deus, têm sido sistematicamente menosprezados e afastados da vida política, das esferas de poder e maltratados nas suas nações. Se não emigram ou atravessam o Atlântico como no “Mayflower”, ou demandam outras paragens na Europa, mais receptivas e acolhedoras, enveredam pela transformação da sociedade, através do “lobby” e da influência política.

Contra a crise moral

Os puritanos de hoje acusam a sociedade de uma degeneração moral, de uma crise severa, que só tende a piorar. A irritação perante essa decadência é notória em certos sectores, na sua crítica acerba e feroz daquilo que designam como uma deriva da sociedade, que acusam de estar em risco ou até, numa expressão mais forte, em perdição! Por isso, as coisas têm que mudar, na opinião de muitos.

Se essas pessoas da “direita religiosa” são a expressão moderna do Puritanismo, então os propósitos, e até características, dos puritanos de há 400 ou 300 anos, não mudaram. Está tudo igual, apenas os meios e o cenário sejam diferentes, mas os objectivos e as sensibilidades mantêm-se intactos. E a América do Norte, ontem como hoje, é o seu cenário principal.

Os puritanos de hoje pretendem que a nação onde vivem e trabalham continue a receber as bênçãos de Deus, a viver os frutos do seu trabalho de forma moralmente proba e sem atropelos éticos. Os puritanos de hoje, descendentes ou não dos puritanos históricos, defendem com energia e zelo o retorno da sua pátria (os Estados Unidos, entenda-se) à virtude e aos verdadeiros “valores cristãos” que consideram serem os pilares e a base da sua história. Muitos pensam que tal desiderato é possível através de legislação, outros mais da força política, através de ocupação de cargos-chave na cena política ou na direcção da Nação. Outros investem na Comunicação Social, na irradiação da sua mensagem através de “tempo de antena” e influência das bases eleitorais. Mas muitos acham estas opções políticas ou de “marketing” pouco sagradas, pouco próprias da sua forma de acção à luz de preceitos bíblicos. Afinal, influenciar a sociedade através da política pode não ser a maneira mais “santa” de tentar mudar o destino de uma nação. Mas muitos puritanos de hoje não descuram essas estratégias e entregam-se à sua prossecução de forma activa e com forte energia espiritual. São por isso, cada vez mais, uma voz política muito poderosa na América de hoje. Muitos analistas políticos defendem que estes movimentos puritanos, ricos e influentes, apoiaram decisivamente candidatos à Presidência dos Estados Unidos, ganhadores. E que eram, claro, republicanos.

Muitos puritanos defendem a sua acção política no âmbito da “direita religiosa” porque consideram existir uma esquerda laica, ecuménica, quando muito maçónica ou anti-religiosa, quando não anti-clerical ou anti-cristã, etc. Existências essas que legitimam, afirmam os puritanos, a tal “direita religiosa” e o regresso ao Puritanismo. Ou seja, o eterno retorno da aliança entre o trono e o altar. Ainda que pouco se fale nessas alianças, à esquerda como à direita, quase como a história das bruxas que não existem, “pero…”.

Os puritanos estão cada vez mais activos, se os entendermos como membros dessa proclamada “direita religiosa”. O zelo cristão propalado pelas emissoras de rádio e de televisão, ou em outras redes, é crescentemente veiculado pelos sectores puritanos que detêm esses meios de Comunicação Social. Alguns recolhem-se a um silêncio e discrição quase anacoréticos, outros diluem-se na sociedade, mas outros recordam que os puritanos se afirmaram no Parlamento Inglês há mais de trezentos anos e pugnaram pelos seus direitos e opções políticas, que lutaram pela sua identidade e assumiram posições. Mas hoje em dia posições políticas e acção implicam dinheiro. E a aliança entre o trono e o altar precisa de um terceiro elemento: o cofre. Este é o caldeirão trípode do Puritanismo de hoje, mais político que religioso. Ou melhor, político na acção e religioso na inspiração.

Depois de em 2004 perderam força, apesar da vitória republicana de George W. Bush, filho, seguida a assunção ao poder de Barack Obama e dos Democratas, que governaram os Estados Unidos entre 2009 e 2017, os puritanos mais religiosos perderam força. No entanto, os mais políticos, esses, não chegaram sequer a hibernar, dir-se-ia, mantendo a sua acção política. Passou-se, por outro lado, a designar os puritanos, no seu todo, cada vez mais como “cristãos fundamentalistas”. E veja-se que em 2017 se deu um reaparecimento do fenómeno, mais a nível político. Mas no plano religioso, saliente-se que os puritanos continuam alarmados com o declínio dos “valores cristãos”.

Os puritanos de hoje estão em movimento. Estão na linha da frente na política, mas o caldeirão trípode continua a ferver e não arrefece. Hoje, mais do que há mais de 300 anos, são contudo mais respeitados e ouvidos, mais participativos e decisivos. Não apenas na América do Norte, mas também na velha Europa e na América do Sul, sendo cada vez mais associados ao conceito de fundamentalismo cristão do que colados à memória dos Pilgrim Fathers, por exemplo. Mas afinal, o que é o fundamentalismo cristão?

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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