Os Menonitas – II
Umas palavras sobre o sacerdote católico que esteve na origem dos Menonitas, de seu nome Menno Simonsz (1496-1561). É o seu fundador, com efeito, este reformador religioso holandês. Muitos designam-no como o fundador da “seita protestante dos menonitas”, mas como vimos anteriormente, talvez só etimologicamente essa expressão tenha alguma propriedade. Simonsz nasceu em 1496, em Witmarsum, na Frísia, Nordeste dos Países Baixos e Noroeste da Alemanha, na actual geografia política da Europa. Foi ordenado sacerdote católico em 1524. Como muitos seus conterrâneos e coevos, dedicou-se ao mister da pregação, primeiro na localidade de Pingjum e depois na cidade natal, em Witmarsum, por onde andaria até 1536. Nessa data, abandonou, porém, a sua filiação à Igreja fiel a Roma. Eram imensas as suas dúvidas sobre a transubstanciação, por exemplo, isto é, sobre o que significa que o pão se torna o Corpo de Cristo, debatendo-se também, sem respostas, sobre o baptismo infantil e outros dogmas.
Estas dúvidas e angústias levaram-no a estudar mais o Novo Testamento, confluindo a sua atenção cada vez mais também nas obras de Martinho Lutero e na sua exegese bíblica. Convenceu-se, como o antigo frade agostinho alemão, de que a Bíblia deveria ser a mais alta autoridade cristã, a mais importante fonte de fé de todos os crentes. Também estribado nessa convicção, encontrou razões para abandonar a Igreja. Embora se opusesse aos revolucionários anabaptistas (mas não à teologia anabaptista, apenas ao seu cunho guerreiro), que em 1535 lideraram uma insurreição, sem sucesso, em Münster (Alemanha) Menno ajudá-los-ia a fugirem à prisão e morte, permanecendo até com eles escondido durante cerca de um ano.
Um ano depois de abandonar a Igreja, em 1537, casar-se-ia em Groningen, no Norte dos Países Baixos, tornando-se um pregador anabaptista, exercendo o seu esforço na Frísia natal. Exalou o último suspiro em 31 de Janeiro de 1561, perto de Ordesloe, na região de Holstein, também na actual Alemanha. No geral, Menno abraçou uma postura ortodoxa e tradicionalista, podemos dizer, no plano protestante, mas negou tudo o que não estava mencionado no Novo Testamento.
Acreditava na divindade de Cristo e apenas baptizou aqueles que afirmavam maduramente a sua fé n’Ele. Para Menno, o serviço militar e a morte são contrários à Lei de Deus, mesmo contra a lei dos homens, sendo por isso contra a guerra. Era contra também o cargo de magistrado ou os juramentos, bem como adverso ao casamento com pessoas fora da Igreja, da fé anabaptista no caso. Menno durante toda a sua vida de pregador anabaptista defendeu sempre que a oração deve ser feita em silêncio.
ÊXODOS…
Conhecido um pouco o “fundador” do que hoje se consideram os menonitas, retomemos a sua história a partir de Simonsz.
As perseguições inquisitoriais no século XVI foram a primeira causa do nomadismo dos menonitas que, em 1600, foram estimulados a migrar para a Prússia, estabelecendo-se perto de Danzig (actual Gdansk, Polónia), na foz do rio Vístula, onde se dedicaram ao que seria sua ocupação habitual e principal forma de subsistência: a agricultura. Na Prússia, existiam ainda grandes áreas de terras virgens, aptas para a agricultura, Foram por isso abertas ao cultivo, pelos menonitas que secaram pântanos, construíram diques e abriram canais de drenagem, actividades para as quais eram exímios e que secularmente conheciam nas suas origens frísias. Outros emigraram para a Renânia (vale do Reno, na hoje Alemanha) e para outras regiões dos Países Baixos (vulgo, Holanda), outros para a Pensilvânia, nos futuros Estados Unidos da América, rumando alguns para a Europa Oriental. Entre os que emigraram para os Estados Unidos em 1683, destacou-se um grupo minoritário que se distingue dos outros pelos seus costumes e roupas mais conservadores. Eram, na sua origem, os seguidores do bispo suíço Jakob Amman, sendo conhecidos como… “amish” (alguns denominam-no “menonitas amish”).
A Rússia foi outro destino dos menonitas. Com efeito, a Prússia concedeu-lhes asilo sob protecção régia até ao século XVIII. Mas em 1786, pressionados a pegar em armas para defender as fronteiras orientais prussianas, que coincidiam com os lugares estratégicos onde estavam estabelecidos, decidiram emigrar para a Rússia, aceitando o convite que lhes fizera Catarina, a Grande, Czarina da Rússia, de origem alemã (Anhalt). Esta soberana concedeu, de facto, privilégios aos menonitas prussianos para colonizar as regiões despovoadas, do seu imenso império russo, recentemente retiradas aos turcos nas margens do Mar Negro. Instalaram-se os menonitas na Ucrânia, nas margens do rio Dniepre, onde a rainha concedeu 180 acres de terra a cada família, além de lhes permitir autogovernarem-se a si mesmos, construir os seus templos e estabelecer as suas escolas. A hospitalidade inicialmente dispensada aos recém-chegados colonos menonitas, logo foi sendo alterada. Os vizinhos russos começaram, assim, a roubá-los, espolia-los de bens, para além de os fragilizar do ponto de vista da defesas das suas propriedades. Com efeito, grupos de nómadas e tribos de ciganos criariam um contínuo estado de ansiedade e perigo, de vulnerabilidade.
O seu modo de vida baseado na exploração de quintas isoladas, como tinham na Prússia, não poderia sobreviver de igual modo na imensa estepe russa e na Ucrânia, por exemplo, dado o perigo dessa forma de vida menonita e a situação tão anárquica no mundo rural Por essas razões, os agricultores disseminados por essas regiões tenderam a agrupar-se em aldeias elaboradas sob o plano que passou desde então a ser uma característica menonita e que lhes oferece maior segurança. Ou seja, estradas muito largas, com propriedades individuais de ambos os lados, cada construção com uma cerca à volta e árvores plantadas nos caminhos para protecção contra intempéries, tal como centro das aldeias, onde estavam edificados o templo e a escola. A partir de então, devido a estas circunstâncias e contexto, por defesa e salvaguarda da sua identidade e preservação da sua integridade, os menonitas assumem as sua típica atitude de intransigência e de isolamento cultural.
Entretanto, o cenário obrigava a novos desenvolvimentos. Em 1870, o Governo russo começou a estender o serviço militar obrigatório a toda a população, sem excepções, e a tomar medidas reformadoras em questões educacionais, sem excepções também. O que incluía, claro, também os menonitas, que viram os termos originais acordados serem modificados por essas obrigações impostas pelo Estado. A resposta dos menonitas voltou a ser a mesma, em respeito à manutenção do seu ideal e forma de vida isolada e contida, reservada e discreta: o êxodo. Mais uma vez, eram obrigados a migrar, para sobreviver….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa