ILHAS DE SÃO LÁZARO – 32

ILHAS DE SÃO LÁZARO – 32

A Terra de João da Gama

Em pleno século XVIII, aquando da sua progressão territorial para leste, os russos, ao alcançar o estreito que separava a Sibéria do Alasca decidiram ir mais além e explorar a região setentrional do Pacífico. Aquela que ficaria conhecida como a Grande Expedição ao Norte – concebida no reinado de Pedro I, “o Grande”, e levada a cabo pelo dinamarquês Vitus Bering – teve como ponto de partida Okhotsk, na península de Kamchatka, e um dos seus principais propósitos era o reconhecimento de toda essa região até à “João-da-Gama-Land”, ou “Gamaland”, i.e., a Terra de João da Gama. Acreditava-se que esse lendário território se situava algures entre Kamchatka e o continente americano.

Foram muitos os mapas impressos durante os 150 anos seguintes, retratando ilhas reais ou imaginárias entre Hokkaido e Kamchatka, confundindo, por exemplo, as Ilhas Curilas com a “Terra da Companhia” e a “Ilha do Estado” (assim nomeadas, em 1643, pelo navegador holandês Maarten Gerritsz Vries), ou com a “Terra Esonis” ou a própria “Gamaland”, mas todos eles – e isso parece bem claro – com uma característica comum: serviu-lhes de exclusiva fonte de inspiração o famoso Atlas (1643) que João Teixeira Albernaz I desenhou em Sevilha com base em documentos secretos que lhe chegaram às mãos na década de 1630. Entre esse precioso material constava o esboço de uma alongada zona costeira no Pacífico Norte que João da Gama terá avistado, ou até visitado, assim como uma substancial parte da já conhecida costa oeste norte-americana – que os topónimos em toda sua extensão comprovam – se bem que deslocada para noroeste.

Também nos é mostrado o mítico – ou quiçá já reconhecido pelo próprio João da Gama – estreito de Anián, que separava a Ásia (Tartária Oriental) da América (Anián). Ao atravessar o Pacífico Norte, na década de 1580, Gama poderá ter aportado às ilhas Curilas, e possivelmente a algumas das ilhas Aleutas, e ainda um território doravante mapeado especulativamente como “Gamaland” em muita da cartografia das épocas seguintes.

O feito do neto de Vasco da Gama é claramente demonstrado no trabalho de Joseph-Nicolas Delisle, a quem, em 1731, a Academia das Ciências russa incumbiu a tarefa de cartografar o Pacífico Norte. O seu mapa das Américas, onde o enigmático território vem acompanhado da legenda “Terra vista por Dom Juan de Gama”, determinaria a escolha da rota da segunda viagem de Vitus Bering, em 1732. “Gamaland” seria também representada por Jean-Baptiste Nolin enquanto gigantesco pedaço de terra ligado ao continente e simplesmente identificado como “Partie de L’Amerique”. As áreas inexploradas do Oeste do Canadá e do Alasca, juntamente com as ilhas canadianas no Oceano Ártico e na costa norte da Groenlândia, são denominadas de Terra Esonis, uma terra mítica semelhante à Terra Australis Incognita, no Hemisfério Sul. Também no planisfério de Johann Baptista Homann, Nuremberga, 1707, “Planiglobii Terrestris Cum Utroque Hemisphaerio Caelesti Generalis Exhibitio”, nos surge a costa oeste da América do Norte, já com ambas as Califórnias como uma única ilha e a legenda: “Costa Terrae Borealis incognitae detectada por D. João da Gama navegando da China para a Nova Espanha”; legenda essa repetida num outro mapa da sua autoria, datado de 1720, já com as Califórnias ligadas ao continente.

O mais tardio trabalho cartográfico de Adam Friedrich Zurner (1679-1742) reúne informações actualizadas sobre a América, incluindo ainda, no entanto, antigos mitos geográficos. O corpo principal da América do Norte reflecte as informações recém-corrigidas, o vale do rio Mississipi e do rio Grande que flui adequadamente para o Golfo do México. O mapa também nos apresenta uma gigantesca Terra Esonis Incognita, vestígio do século anterior, quando a cartografia popular (mítica) apresentava uma ponte terrestre quase contínua desde o estreito de Anián até à Ásia.

A primazia de João da Gama em terras do setentrião em relação a navegadores pares seus – como é o caso de João Rodrigues Cabrilho, Bartolomé Ferrer, Francis Drake (este à boleia do piloto português Nuno da Silva, que o inglês capturou ao largo de Cabo Verde), Francisco Gali ou Sebastião Rodrigues Soromenho, a respeito do qual falaremos aqui mais detalhadamente – carece de evidências directas que nos permitem confirmar o que parece mais óbvio tendo em conta o trajecto da sua rota a partir do Oriente. São mais que prováveis possíveis (lógicos até) desembarques na costa do actual Estado de Washington ou até da província canadiana de British Columbia. Infelizmente, a perda de grande parte da documentação referente à rota norte-americana de João da Gama não nos permite preencher tal lacuna. Apenas temos notícia de uma bem-sucedida chegada a Acapulco, em Março de 1590. Os mapas não enganam. E vários deles, de diversas proveniências, comprovam a exploração e descoberta de João da Gama de grande parte das então desconhecidas (e também das já reconhecidas) costas oeste e noroeste da América do Norte.

Joaquim Magalhães de Castro

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