O Sionismo Cristão – III
Nem sempre se fala muito do Sionismo Cristão, quase desconhecido do grande público. Mas algumas estatísticas têm sido “adaptadas” e fornecido leituras aos seguidores do movimento. Por exemplo, estima-se que algures entre trinta e setenta milhões de cristãos nos Estados Unidos defendem a existência do Estado de Israel, não apenas por uma questão de visão política, mas antes devido à forma como interpretam a Bíblia. Através de outra estatística, sabe-se que mais de cinquenta por cento dos cristãos evangélicos em todo o mundo, apesar da sua diversidade em matéria política, baseiam o seu apoio a Israel na interpretação da Bíblia. Todos esses cristãos, para alguns teóricos do movimento, podem ser descritos como “cristãos sionistas”, uma vez que o seu apoio ao Sionismo está baseado em convicções cristãs de matriz bíblica.
Poder-se-ia dizer que as estatísticas valem o que valem, ou que são lidas de acordo com a óptica com que se lê e adequadas aos objectivos que se quiserem. O movimento usa-as e consolida-se através das mesmas, por mais ambíguas que sejam. Mas também existem muitos cristãos que são críticos do movimento sionista e do modo como Israel se implantou e se tem desenvolvido. As suas reações baseiam-se não apenas no seu entendimento do processo histórico e da sua visão política, mas antes numa maneira diferente de ler a Bíblia e, consequentemente, de a interpretar. As diferenças continuam significativas na maneira como os cristãos interpretam a Bíblia. Mas porquê?
PONTOS DE PARTIDA DIFERENTES
Já aqui aludimos ao termo “Restauracionismo”, o qual designa uma tendência entre alguns cristãos puritanos no Século XVIII que enfatizava a convicção de que, ainda que as profecias do Antigo Testamento sobre um retorno ou uma restauração dos judeus à Terra Prometida se tenham cumprido no Século VI a.C., as mesmas viriam a cumprir-se novamente, um dia, num retorno à Palestina de judeus provenientes de todas as partes do planeta. Em muitas igrejas e denominações cristãs ainda prevalecem abordagens desse género nos dias de hoje, embora não tão assertivamente.
Outro conceito a que já reportámos foi também o “Dispensacionalismo”, o nome dado a um sistema de interpretação que se baseia nos fundamentos do Restauracionismo e foi desenvolvido por John Nelson Darby na Grã-Bretanha, na década de 1840. O regresso dos judeus à Palestina, tida como a sua Terra Prometida, desde 1880, é visto por esse movimento sionista cristão como uma aproximação à segunda vinda do Messias, Jesus Cristo, que abrirá mil anos de governo do mundo a partir da cidade santa de Jerusalém. Apesar de discordarem entre si, estas duas tendências têm o mesmo ponto de partida, que mais não é que a concordância em que as promessas e profecias sobre o local (terra) e sobre o Israel bíblico se mantêm coincidentes e que permanecerão intactas depois da sua segunda vinda, devendo, por isso, ser interpretadas de forma literal. O direito de posse perpétua de Israel (Estado) da Terra Prometida (a Abrão, por Deus), que é coincidentemente Israel, é pois um direito divino e uma reverência especial outorgada por Deus. Mesmo depois do cumprimento das profecias no retorno dos judeus à sua terra em 539 a.C., provenientes da Babilónia e do cativeiro aí imposto, esse cumprimento é limitado, pois cumpriram-se de novo em 1948, com a criação do Estado de Israel e na sua ocupação de Jerusalém Oriental em 1967. E cumprir-se-ão, segundo esses sinais, novamente no futuro, na segunda vinda messiânica de Jesus. O Sionismo Cristão alimenta-se pois destes pressupostos.
DE QUEM É A TERRA SANTA?
O contínuo conflito entre Israel e a Palestina não resolve esta questão de forma unânime e universal. Mas os sionistas de todas as tendências persistem na sua luta e na afirmação das suas convicções, através da força do “lobby”. As convicções dos sionistas cristãos, mais antigas até do que as evocadas pelos sionistas pós Theodor Herzl, em finais do Século XIX, mas sempre populares, fomentariam uma consciência do sofrimento do povo judeu durante o Holocausto e inevitavelmente incentivaram também muitos cristãos a apoiarem a criação do Estado de Israel em 1948.
Há no Sionismo Cristão uma “teologia da aliança”, segundo alguns autores, para os quais a criação de Israel deve ser vista como um cumprimento de profecias e promessas bíblicas, num entendimento muito próprio da História. Designa-se desta forma esta teologia devido ao enfoque dado à aliança entre Deus e os homens, do Antigo ao Novo Testamento. Mas para interpretar os textos bíblicos tenta fazê-lo através de uma visão de Jesus, ou seja, as promessas feitas a Abraão, tal como todas as profecias no Antigo Testamento, todas têm de ser interpretadas à luz da vinda do Reino de Deus através Jesus. Deste modo, o Antigo Testamento deve ser lido pelos cristãos através das “lentes” do Novo Testamento, que nos foram dadas pelo próprio Jesus. Já que as promessas e profecias do Antigo Testamento (incluindo aquelas sobre a terra prometida e sobre o Israel bíblico) se cumpriram com a vinda do Reino em Jesus, o retorno dos judeus à terra e o estabelecimento do Estado de Israel ocorreram sob a soberania de Deus, mas sem significado teológico especial, antes político e humano. Esses acontecimentos, segundo os críticos da teoria sionista cristã, não devem ser assim vistos como sinais apontando na direcção da tal segunda vinda.
Alguns que partem dessa posição assumida pelo Sionismo Cristão mantêm convicções que têm sido descritas como uma “teologia da substituição”, ou “super-sessionismo”. Para estes, o Cristianismo e as suas Igrejas e denominações, substituíram, tomaram o lugar ou até suplantaram o povo judeu nos desígnios de Deus, no cumprimento das Suas vontades. Por isso, para os defensores dessas concepções, dado que a maior parte dos judeus não reconhece Jesus como o Messias, o povo judeu não deveria ser mais considerado como o povo eleito, ou escolhido, mas sim os cristãos, que advogam e esperam a segunda vinda do Messias e a redenção total do homem. São assim os seguidores de Jesus, o verdadeiro Messias, gentes de todo os povos e raças, que se tornaram parte do povo de Deus, ou substituíram os judeus. Desde os alvores do Cristianismo, todavia, que estas posições substitucionistas existem amiúde entre cristãos embora tenham sido firmemente recusadas por muitos dos que defendem a teologia da aliança.
O Sionismo Cristão não se esgota neste pleitos teológicos, nestas observâncias e interpretações, quer da Bíblia quer das teorias dos homens em torno do projecto divino em relação à terra prometida e ao povo eleito, ou em qualquer nuance relacionada com este movimento. E não se esgota no plano teológico, nem espiritual, pois o plano político parece que é o seu verdadeiro campo de actuação e de influência.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa