Os Menonitas – VII
Os Menonitas são um dos mais importantes grupos de cristãos anabaptistas, um dos mais fechados mas nem por isso esquecidos. Alguns modernizam-se, actualizam-se, outros mantêm-se no mais completo isolamento possível, no cumprimento integral das tradições, numa marcha de vida já com cerca de quatro séculos. Mudaram de país, de continente, irradiaram pelo mundo e teimam em subsistir.
A disciplina é fundamental na subsistência do modo de vida menonita, na preservação da identidade e na defesa intransigente das tradições, usos e costumes. Entre eles, é controlada de maneira tradicional, ou seja, com o castigo no quarto ou mesmo com o cinto, uma punição mais severa mas que raramente é necessária, ou mesmo usada nos dias de hoje. Mas não deixa de ser um modo de disciplina previsto. O recurso à Bíblia, fonte segura e indesmentível, um farol espiritual e de usos e costumes para os menonitas, é tido como um modo de prevenção, de aviso, uma forma de ameaça da punição divina, para quem cometer uma falta ou falhar no esquema moral e ético dos menonitas. Uma vez que o principal objectivo da sua educação tradicionalista é o de formar seres humanos com altos valores religiosos, padrões éticos inatacáveis, tendo as Escrituras como luminária, não é pois de estranhar que os menonitas se sintam, espontaneamente, dispostos a cumprir os mandamentos das leis divinas conforme rezam os textos sagrados. A vida agrícola e o trabalho domésticos imbricam-se nos textos sagrados, justificam-se por eles e honram-nos, como forma de sublimação de Deus. O valor do trabalho é crucial, não apenas na perspectiva da sustentabilidade, mas também da disciplina e da moral.
A SITUAÇÃO ACTUAL
A Páscoa é o zénite do ano menonita, como para todos os cristãos. Quase tudo pára, há um resguardo, recolhimento no que nós designamos por Tríduo Pascal. Mas a Páscoa menonita começa no Domingo e acaba na terça-feira seguinte, embora se observe com rigor a chamada “Sexta-Feira Silenciosa”, uma tradição que existia na Alemanha há mais de quatrocentos anos e que a maior parte destes cristãos anabaptistas mantêm. Tradição, rigor, disciplina e comunidade, são os valores essenciais deste grupo cristão.
Os menonitas não têm, normalmente, qualquer interesse em aceder ao sistema de educação oficial dos países onde as suas comunidades se instalam. Não perturbam, não interferem, não se imiscuem e são praticamente “desligados”. Mesmo que sejam perturbados, tudo farão para dar a outra face e não darem azo a criar quaisquer problemas. Mas apesar de serem muito tradicionalistas, alguns membros há, numa ou noutra comunidade, que se revelam interessados em se incorporarem na vida do país onde vivem, como alguns casos no México e nos Estados Unidos.
O tempo acaba sempre por mudar algo, passa mas deixa marcas. Por maior resistência a essas influências externas que exista entre os menonitas, e para tristeza de muitos, algumas marcas do mundo moderno vão alterando, mais ou menos pontualmente, a sua tradicional marcha de vida. Assim, com o tempo, foram-se desenvolvendo duas correntes no universo menonita: uma mais tradicionalista, que se pretende intocada, que se designa, em algumas regiões “menonitas”, como dos “antigos colonizadores”; e uma outra, a dos “liberais”, dos que se deixaram influenciar pelo mundo fora das comunidades. Os que seguem esta segunda “via”, aos olhos dos mais tradicionalistas, permitiram a violação de algumas prescrições, restrições, normas antigas, enfim, como o uso da energia eléctrica e de alguns adereços domésticos por ela activados. Alguns usam também pneus de borracha nas suas viaturas tradicionais, outra influência do mundo exterior, em vez do rodado em metal, que danificava o pavimento das vias de circulação. Esta corrente liberal e as suas marcas apareceram principalmente a partir dos anos 60 e 70 do século XX. Muitos, contudo, recusaram estas “modernidades” ou a coabitação com esses “liberais” e desligaram-se, partindo, ou para fundar novas comunidades nos países de acolhimento, ou para emigrar, novamente, como aconteceu com alguns grupos menonitas nos Estados Unidos e no México. Estes, para preservar as suas tradições, emigraram para a Bolívia e Paraguai, tendo alguns mesmo regressado ao primeiro destino de acolhimento menonita nas Américas, o Canadá.
Os liberais, esses, prosperam e até aumentam, dedicando-se a negócios inseridos na economia moderna dos países onde vivem, já não trabalhando apenas na agricultura, mas também no comércio (produtos agrícolas, farmácias, bazares, etc.) ou até na restauração, como pizzarias… Usam relógios, estão até ao balcão, conversam com os clientes e exibem a bandeira do país onde vivem. Mesmo continuando a vestir-se tradicionalmente, mas já com novos adereços e modernidades. Chegou-se ao cúmulo de, aproveitando o facto dos menonitas terem certos privilégios para atravessar a fronteira do México para os Estados Unidos, devido à sua afamada honestidade, idoneidade e integridade, alguns cartéis de drogas mexicanos foram já acusados de os usar (os “liberais”) para o seu tráfico. Por isso, os seus veículos a motor, como as normais “pick-ups” e também as suas viaturas “ilegais” – as que nunca foram regularizadas pois apenas circulavam dentro das comunidades menonitas, onde a polícia não ia, por acordo e por inexistência de criminalidade –, têm sido cada vez mais submetidos à regularização e fiscalização por parte das autoridades mexicanas. Alguns, nestes dois países vizinhos, já se vestem mesmo ao estilo dos “cowboys” americanos. E nas suas empresas, como as queijarias (o célebre “queijo menonita” mexicano, por exemplo), já usam balanças digitais, frigoríficos modernos e até computadores. Mas, como muitos pretensamente não sabem (ou não sabiam) usar computadores, foram obrigados a contratar “estrangeiros” (não menonitas) para os operarem.
Por fim, na liberalidade, importaram-se problemas impensáveis há sessenta anos entre os menonitas, em vários países: nas novas gerações são já inúmeros os casos de dependência de drogas e alcoolismo. Por outro lado, em várias comunidades, por não existirem matrimónios com indivíduos de outras populações (não menonitas), é crescente a incidência de problemas genéticos e das suas consequências, além de doenças cardíacas, deficiência visual, alergias e hemofilia, mesmo em comunidades numerosas, como a mexicana, com mais de sessenta mil indivíduos. Por outro lado, já não têm privilégios como outrora, como a isenção de impostos, ou a não ingerência das autoridades nas suas questões e foro. E chegou-se até ao ponto de, no México, em 1988, a vencedora do concurso de beleza de Miss Estado de Chihuahua, ter sido uma mexicana loira e de pele clara. Era menonita….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa