A Igreja de Jesus Shincheonji
Hoje fazemos uma pausa entre os grupos de cristãos anabaptistas, em particular o Menonita, de que retomaremos na próxima semana. Vamos abordar nesta edição um novo movimento religioso cristão, de acordo com a sua classificação: A Igreja de Jesus Shincheonji, ou simplesmente Igreja de Jesus, para outros Templo do Tabernáculo do Testemunho, que em Coreano tem o sentido literal de “Novo Céu e Nova Terra”. Foi fundado e estabelecido a 14 de Março de 1984 na Coreia do Sul por Lee Man-hee, considerado o seu fundador.
A Igreja de Jesus Shincheonji nasceu do desmembramento voluntário de alguns fiéis da “Jesus Christ Congregation Revival Association of Korea”, ou “Associação de Renovação da Congregação Jesus Cristo da Coreia” (한국예수교전도관부흥협회), mais conhecida como “Olive Tree” (Oliveira) ou mesmo como “Igreja do Pai Celestial” (Cheonbugyo), uma fundação de origem presbiteriana, levada a cabo por um antigo pastor de seu nome Park Tae Son, expulso da Igreja Presbiteriana, acusado de heresia.
A Igreja de Jesus Shincheonji é assim um renovo da “Olive Tree” (em declínio desde 1980, devido a alterações doutrinais), considerada como uma seita, herética, segundo muitos. Todavia, de acordo com dados estatísticos, em 2014 tinha cerca de 150 mil membros e emitiu cem mil diplomas de pertença em 2019. Em 2020 o movimento declarou a filiação de 245 mil 605 crentes, mas o Ministério da Saúde da Coreia do Sul avançou com uma lista rigorosa de 317 mil 320, com os nomes e dados de cada um dos seus membros. Porquê esta atenção geral, em particular das autoridades de saúde da Coreia do Sul? Por causa da epidemia do Covid-19 no País, o segundo mais afectado do mundo, com sete mil 513 casos confirmados de infecção e 54 óbitos, até à data da redacção deste texto.
A SEITA E O COVID-19…
Mas expliquemos. Esta organização, a Igreja de Jesus Shincheonji, está a gerar uma grande controvérsia na Coreia do Sul, primeiro por ser, de há muito, acusada de ser uma seita, mais uma das que pulula no País e irradia até para fora do mesmo. Mas a pior das acusações adveio com o Coronavírus. Em Fevereiro de 2020 as autoridades sanitárias do País das Belas Manhãs acusaram a Shincheonji de estar no centro da disseminação da epidemia de Coronavírus na Coreia do Sul, nação que passou, por exemplo e como registo de evidência, de 31 casos confirmados e sem mortes em 18 de Fevereiro para cinco mil 328 casos e 32 mortes em 4 de Março, não se elencando aqui os números ulteriores a essa data, que adensam a acusação e os focos sobre a seita. Esta é acusada de ser a principal responsável pela contaminação no País.
Depois dessa acusação, surgiu uma petição pública a exigir a sua dissolução, conseguindo-se angariar rapidamente mais de quinhentas mil assinaturas em suporte da mesma acusação. Esta fundamenta-se em primeiro lugar no facto de que a doença provocada pelo Coronavírus se espalhou a partir de Daegu, grande cidade do Sudeste do País, com cerca de dois milhões e quinhentos mil habitantes, localidade de onde é originária, recorde-se, a Shincheonji.
A doença espalhou-se rapidamente entre os membros da Shincheonji, a partir da recusa do fundador do grupo e dos anciãos da seita em fazer o teste, que se apoiaram para tal nas suas crenças religiosas e no direito à sua privacidade, além de que afirmavam que a sua fé os livraria de tal praga. Disseminada pelo País, logo se desencadearam protestos nacionais contra o grupo, chegando o presidente da Câmara da capital, Seul, a interpor uma acção judicial formal contra a Shincheonji. O Governo da Coreia do Sul apresentou também uma denúncia contra o líder religioso por obstrução às investigações de novos casos do Covid-19.
Reconhecendo o erro, o líder e fundador, natural de Daegu, Lee Man-Hee, pediu desculpas ao povo sul-coreano por se ter recusado a divulgar os nomes de membros da instituição religiosa. Depois, chegou mesmo a ajoelhar-se perante uma conferência de Imprensa, em sinal de arrependimento. Mas os efeitos já eram muitos, pois a sua recusa de revelar nomes impediu um melhor rastreio da doença, já que cerca de metade das contaminações na Coreia do Sul ocorreram entre membros dessa seita.
O “paciente zero” sul-coreano, uma mulher de 61 anos, é membro da Shincheonji, tendo sido acusada de contaminar mais de cem pessoas e obrigado muitas mais a ficarem de quarentena. Mas os números não pararam de aumentar, embora nos últimos dias se assista a um controlo da crise, efeito do encerramento de locais públicos, como igrejas, ou proibição de reuniões.
A denominação de Shincheonji deriva do termo “nova terra” do primeiro versículo do capítulo 21 do Apocalipse («Vi então um novo céu e uma nova terra…»), além da menção de Jesus como o líder, Ele próprio, do movimento; o templo «tabernáculo do testemunho» provém do quinto versículo do capítulo 15 também do Apocalipse, embora em Português se deva traduzir, no texto bíblico, como “Tenda do Encontro” («…vi então abrir-se no céu o santuário que abrigava a Tenda do Encontro»).
A seita tem também pretensas associações à política. Por exemplo, a 13 de Dezembro de 2012, durante as eleições presidenciais da Coreia do Sul, um crítico evangélico, de seu nome Kim Yong-min, acusou o candidato do partido Saenuri, Park Geun-hye, de pertencer ou ter apoio da Shincheonji, embora não tenham havido confirmações.
A seita é conhecida pela sua natureza secreta, o que adensa o mistério, sendo uma mega-igreja acusada de praticar cultos secretos. Os discípulos do movimento acreditam que o fundador do grupo, Lee, é ele próprio uma reencarnação de Jesus Cristo e que a Bíblia Sagrada está escrita em metáforas secretas que somente Lee pode interpretar correctamente, pois autoproclama-se (e é pelos seus discípulos considerado como tal) como um messias… Antes da Shincheonji, Lee, como já referimos, era membro do grupo conhecido como “Olive Tree”, não menos polémico ou com menos desconfiança da opinião pública.
Por último, considera-se esta seita como sendo de carácter apocalíptico e messiânico, como um culto focado no dia do Juízo Final. Os membros da seita acreditam que no Dia do Julgamento, no Juízo Final, Lee levará consigo 144 mil fiéis para o Céu, para gozo da eternidade plena e da salvação junto de Jesus.
Se a imagem pública já era má, ainda mais piorou com o Covid-19. Os seus métodos proselitistas agressivos, o seu carácter evangélico radical nunca abonaram a favor da Shincheonji, considerada herética pelas principais denominações cristãs. Mais de metade dos infectados e mortos do vírus são de facto da Shincheonji, fazendo de Daegu (mais de oitenta por cento dos casos na Coreia) a origem do surto no País, como Wuhan na China. Por isso, a acusação de homicídio que pende sobre a seita. Outro dos perigos das seitas!
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa