O Tradicionalismo Católico – I
O Tradicionalismo Católico apresenta-se como uma maneira de viver os ensinamentos da Igreja Católica Apostólica Romana pelos católicos que defendem e acreditam que o Concílio Vaticano II foi prejudicial à fé íntegra e ao povo de Deus. Trata-se de uma corrente no seio da Igreja Católica que apoia a restauração dos costumes, tradições, formas litúrgicas, devoções e apresentações da doutrina católica tal como existiam antes da reforma do Vaticano II (1962-1965). Na sua face mais visível, a litúrgica, o Catolicismo Tradicionalista defende a reposição da Missa Tridentina e dá em geral uma preferência a celebrações em Latim.
Mas o que é a Tradição, afinal? Na sua etimologia, deriva do Latim e significa “entrega”, ou “acto de confiar”. No que concerne à Teologia, a Tradição representa uma das duas formas da Revelação de Deus, da transmissão desta ao longo dos tempos, no seio da Igreja. Falamos da tradição oral, com base nos testemunhos dos Apóstolos encarregados por Jesus de difundir a Boa Nova (ou Evangelho). A outra forma é a Sagrada Escritura, a tradição escrita, através dos autores sagrados inspirados pelo Espírito Santo, depois do Pentecostes. Aqui surge o Magistério, missão própria da Igreja, que tem a sua base na hierarquia católica, bispos e prelados, associados ao Papa.
Foi o Magistério que definiu o cânone das Escrituras, além de interpretar as verdades da Tradição e da Escritura Sagrada. Pelo Magistério, chega-se aos fiéis, definem-se as verdades dogmáticas, assegura-se a transmissão da Revelação. Na Tradição dos Apóstolos, temos as tradições eclesiásticas, teológicas, disciplinares, litúrgicas e devocionais que surgiram ao longo dos séculos nas Igrejas locais. São “formas particulares da Tradição apostólica, adaptadas às circunstâncias de tempo, lugar e cultura, que podem ser conservadas, modificadas ou abandonadas consoante as directivas do Magistério”, como reza o Catecismo. Temos ainda as tradições vistas como ritos litúrgicos.
DA TRADIÇÃO AO TRADICIONALISMO
Em suma, assim se define a Tradição na Igreja Católica. Todavia, o termo assumiu uma distinção na Igreja por altura do Concílio Vaticano II, quando se pôs em causa precisamente a continuidade da Tradição, ou se discutiu a forma como esta foi tratada por aquela reunião magna. Diferentes e distintos grupos de católicos reivindicaram então uma linha de pensamento tradicionalista, que pretendia preservar o essencial que existia antes da reunião conciliar. As principais críticas que foram feitas aos documentos do Concílio, pelos tradicionalistas, diziam respeito à Liberdade Religiosa, ao Ecumenismo, à Colegialidade Episcopal e, após o Vaticano II, à questão da chamada Missa Nova, Missa de Paulo VI ou “Novus Ordo Missae”, que substituiu na prática o anterior rito milenar da missa, confirmado em Trento e em uso até 1965. Muitos documentos conciliares foram considerados heterodoxos por parte dos tradicionalistas, o que resultava no pôr em causa as reformas resultantes da aplicação desses documentos.
Alguns tradicionalistas aceitam em termos gerais a legitimidade das reformas produzidas pelo Concílio Vaticano II, mas optam por praticar os costumes católicos anteriores às reformas conciliares por variados motivos, o que faz distinguir as várias tendências. Outros grupos tradicionalistas mais moderados consideram por seu lado que o Concílio em si não produziu documentos heterodoxos, só que sofreram uma má interpretação por parte da hierarquia, causando o surgimento de abusos de diversos graus contra a Liturgia e a doutrina católica, ou contra a Tradição, segundo esses críticos. Muitos fiéis e sacerdotes aceitam de forma geral as reformas conciliares, mas preferem praticar os costumes católicos na forma pré-Vaticano II; há os que criticam o Concílio, mas frequentam paróquias com missas tradicionais autorizadas pelo Vaticano, sendo chamados de “católicos tradicionais”, em distinção dos designados “tradicionalistas”. Por aqui se vê a divisão e as diferenças, sem consenso e com muitas imprecisões, entre os grupos que advogam o Catolicismo tradicional.
Os católicos tradicionalistas, na essência, criticam as transformações litúrgicas do Concílio Vaticano II, considerando que as reformas do mesmo eliminaram boa parte do elemento sagrado da Liturgia, argumentando até que esta ficou mais “protestante” e erodida na fé na presença real de Cristo na Eucaristia. Mitos tradicionalistas opõem-se também a posições da Igreja em relação ao mundo moderno. Criticam, por exemplo, o ecumenismo, que consideram falso e acusam de que não é mais do que um sincretismo religioso, que procura criar uma nova religião através da mistura de doutrinas de diferentes confissões cristãs. O verdadeiro ecumenismo, para os tradicionalistas, é o que procura que todos os cristãos regressem à Igreja Católica, pois fora desta não há salvação, apregoam aqueles.
Os tradicionalistas, frequentemente críticos face à autoridade papal, permitem-se ser classificados segundo o maior ou menor grau de comunhão com a Santa Sé. Os grupos mais tradicionalistas, por exemplo, ou mais radicais, defendem mesmo o sedevacantismo (doutrina da sede vacante, ou Sede Vacante, a papal claro), negando a autoridade do Papa sobre a Igreja Católica, com a premissa de que este, pós-conciliarmente, não é um Papa legítimo. Mas há grupos em comunhão plena com a Santa Sé, além dos que estão numa posição intermédia ou irregular. A sociedade tradicionalista mais numerosa e activa é a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada por Marcel LeFebvre em 1970. Actualmente, depois de desligada, aproxima-se da Santa Sé e o diálogo e cooperação são já mais estreitos e profícuos.
Há também um tradicionalismo teológico contemporâneo na Igreja, baseado na oposição às disposições teológicas e doutrinais imanadas pelo Concílio Vaticano II. De forma específica, o Catolicismo Tradicionalista é uma corrente de pensamento católico que expressou o seu desacordo com todas ou algumas das reformas do Vaticano II e da Reforma Litúrgica de Paulo VI. Se bem que esta posição teológica costume ser denominada de “tradicionalismo”, na realidade não tem qualquer relação com as posturas heréticas que têm sido condenadas pela Igreja Católica no século XIX – muitos católicos tradicionais estão em comunhão com o magistério da Igreja e refutam a chamada heresia “tradicionalista”.
O objectivo destes católicos tradicionais é tão somente o intento de restaurar a liturgia romana no seu modo clássico ou anterior ao Concílio Vaticano II, as devoções públicas e privadas e a preservação da Tradição como fonte inalterável da fé e a doutrina católica. É a profissão da Religião Católica segundo o esquema da Tradição. Resta o grande problema: que Tradição? Que interpretação da Tradição…? Uso das formas e usos próprios da Tradição como são, a ordem da missa, as vestes litúrgicas, comportamentos no templo, a forma de oração e, de forma mais notória, o uso da língua latina como língua sagrada para as devoções.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa