A Igreja Vetero-Católica – II

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CVI

A Igreja Vetero-Católica – II

Estava-se numa época de transformações na Alemanha, ou no conjunto das nações de língua e cultura germânica. A nível político, social e económico, mas acima de tudo cultural, filosófico e religioso, o mundo germânico estava em mudança. O movimento vetero-católico é uma das emergências destas mutações, nascido nos meios intelectuais alemães e rapidamente entroncando nas tradições de episcopalismo ou nacionalismo que agitavam a Igreja na Alemanha. Se bem nasceu com pujança e apoios, não deixou, porém, de se minar nas próprias tentativas de fundamentação doutrinária e de organização, na ânsia de mudar.

De forma especialmente transcendental foi logo a abolição do celibato, exigido pela carência de sacerdotes na seita. Ao mesmo tempo, serviria para atrair fiéis e presbíteros católicos, não apenas por questões quantitativas, mas acima de tudo qualitativas, ou seja, um fermento de experiência e conhecimento adquirido. Com a derrogação da lei do celibato, um certo número de sacerdotes, cansados do celibato na Igreja, procuraram asilo entre o clero vetero-católico. A memória dessa mudança não assinala, contudo, uma migração de clero de craveira intelectual, o que desalentou os que pretendiam um reforço de qualidade na seita. E as consequências destas medidas e destas mudanças naturalmente que se fizeram sentir. Os estatutos de 1878, no que concerne à disciplina entre o clero vetero-católico, revelam logo debilidade na sua aplicação, pois não tiveram outro valor senão teórico.

Tentaram-se várias medidas para colmatar estas carências, mas não prometiam perenidade nem soluções de longa duração. Por exemplo, criaram-se fundos para bispos, a partir dos subsídios governamentais e depois dos apoios privados, tal como se faria com os fundos suplementares para os párocos. Depois, em 1877, o bispo Reinkens fundaria um seminário para estudantes de Teologia, residencial, com vista à formação de futuros presbíteros. O Governo concedeu-lhe estatuto regular e jurídico, com dotação anual para o seu sustento. Residências para bispos, colégios, imprensa oficial e estímulo aos estudos e publicações são outras medidas encetadas, mas que se revelariam de pouco impacto no futuro da seita.

CRISES E CONTRACÇÕES

A agitação lançada pelo movimento vetero-católico na Igreja estendeu-se para lá da Alemanha, como já vimos, atingindo a Áustria e a Suíça. Entre os helvéticos, no entanto, somente três sacerdotes católicos se bandearam para a seita. Mas nos cantões protestantes, como Basileia, Genebra e Berna, a adesão de luteranos e calvinistas ao movimento velho-católico foi relevante.

Na Universidade de Berna fundou-se, por exemplo, uma faculdade teológica vetero-católica, onde alguns teólogos protestantes radicais leccionavam. Depois, as comunidades vetero-católicas da Suíça viriam a organizar-se, em 1875, na “Igreja Nacional Católica Cristã”. Em 1876, o bispo Reinkens ordenaria bispo o Eduard Herzog, que escolheria Berna como lugar de residência. Os vetero-católicos suíços, além do celibato, aboliram também a confissão e prescreveu-se o uso da língua vernácula para a liturgia.

Apesar de todas as tentativas, o movimento não conseguiu estender-se para lá do mundo germânico, conhecendo resistências e desinteresse. Ainda se tentou na Inglaterra, em finais do século XIX, quando um sacerdote de seu nome Arnold Matthew, que antes fora unitário, casado, se congregara a outro sacerdote londrino, chamado O’Halloran, e fora consagrado pelo arcebispo jansenista de Utrecht. Matthew denominar-se-ia a si próprio como “bispo velho-católico”, embora não tenha tido praticamente nenhum seguidor. Os poucos que assistiam aos serviços pastorais na sua igreja em Londres faziam-no por curiosidade, por um lado, ou principalmente por ignorância, por outro, acreditando que se tratava de uma igreja católica…

Os Governos germânicos, por seu turno, começaram a desconfiar do movimento. Fosse devido às ordenações litúrgicas radicais, fosse devido às disposições disciplinares, radicais igualmente, ou até as constituições, declaradamente concebidas para corte com as homónimas da Igreja Católica, com as quais pretendia romper. A desconfiança residia, pois, principalmente, na já insustentável auto-afirmação dos vetero-católicos como católicos. Era já evidente a ficção e o erro, com os Governos a reconhecerem cada vez mais o erro de terem apoiado o movimento, inicialmente tido como católico. Não se podia emendar a mão, continuando a conceder-se os fundos prometidos.

Na Alemanha não houve mudanças práticas, embora a desconfiança aumentasse. Por outro lado, o interesse dos governantes esmoreceu também devido à secularização do Kulturkampf, que não conseguia articular-se com os vetero-católicos. Estes perderam importância gradualmente, porque não conseguiram, essencialmente, cumprir as suas promessas de nacionalização da Igreja na Alemanha. Muitas famílias regressaram à Igreja Católica, perante o fracasso velho-católico, bem como a imagem forte de solidariedade que os católicos alemães assumiram neste contexto adverso da segunda metade do século XIX e perante as perseguições que sofreram. Por ironia, descobria-se gradualmente um maior respeito do Kulturkampf em relação ao sentimento católico genuíno, pela sua resistência e resiliência, resistência e identidade forte.

A excitação inicial em torno das promessas dos velho-católicos decaiu e o fracasso desenhava-se no horizonte do movimento. O seu número começou a diminuir rápida e continuamente. Mesmo assim, usaram-se ardis para contrariar essa tendência, principalmente para a aparência: até então os fiéis da seita chamavam-se a si próprios de vetero-católicos; a partir da crise atrás descrita, os líderes do movimento recomendaram que, para os mesmos efeitos (censos e registos policiais), se começassem a designarem-se como “católicos”. Tudo também para efeitos de captação de apoios, mas principalmente para os líderes ocultarem a decadência rápida. Por isso, numa épica de civilização censitária, é hoje difícil quantificar quantos verdadeiramente seriam os velho-católicos na Alemanha, tal como os católicos. Os velho-católicos, que mais não eram do que uma forma liberal de protestantismo, em modo de seita, estranha-se também por isso que se chamassem de católicos. O resultado foi o regresso à Igreja sem problemas dos velho-católicos que se tinham desligado daquela de forma secreta ou oculta. Assim, era como se não tivessem saído. Sobrariam uns quarenta mil vetero-católicos na Europa e uma pequena diáspora. O vigor intelectual dos alvores esfumou-se, bem como os apoios estatais; tudo ruíra devido à má gestão e à sobreposição dos leigos face ao clero. A instabilidade e carência de fundamentos morais minariam ainda mais o movimento. Assim se acentuou a decadência e o movimento perdeu expressão.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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