CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXVIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXVIII

Os Quakers – V

Os Quakers são um dos movimentos que brotaram do Cristianismo (Protestante) com maiores índices de igualitarismo na sua matriz mas também nos seus objectivos: sociais, étnicos (ou “raciais”, passe a expressão) e de género. Antes de abordarmos a marca distintiva que são os primeiros, cumpre destacar o papel da igualdade de género na matriz fundacional quaker e no seu desenvolvimento e bandeira de luta. Com efeito, sem qualquer subordinação ou distinção, mas por comparação com o “status quo” feminino no século XVII – e quase sempre na história – e com o papel que elas desempenhavam noutras religiões ou movimentos cristãos, podemos afirmar que as mulheres foram determinantes e tão ou mais importantes que os homens entre os Quakers.

Temos dois exemplos, nos primórdios do Quakerismo, como já vimos outros exemplos antes. Mas Mary Penington e Elizabeth Hooton são como que duas luminárias da história quaker, naquele século de chumbo que foi o XVII. Mary Penington (nascida Proude) era a única filha de Anne Fagge e Sir John Proude. Em 1627 ficou órfã, entregue à tutela de Sir Edward Partridge, que era solteiro e assumiu a sua protecção e tutoria. Aos nove anos, foi morar com a irmã viúva de Edward Partridge, Lady Katherine Springett, que tinha três filhos. Katherine Springett trabalhou em “medicina”, incluindo “cirurgia”. Mary, tudo indica que aprendeu um pouco da “arte”, que depois ensinaria à sua filha Gulielma. Aos dezoito anos, Mary casou-se com Sir William Springett, um dos filhos de Katherine. Casaram “sem anel”, algo arrojado e incomum, pouco preocupados com as convenções sociais da época. Viriam a ter um filho, John.

William entretanto foi arregimentado para os “parlamentares” na Guerra Civil Inglesa, entre o Rei e o Parlamento. Em finais de 1643, foi acometido de febre e Mary, grávida, veio em seu socorro, mas de pouco valeu. William morreu uns dias antes do nascimento da filha, Gulielma (forma latina de William) Maria Posthuma.

MULHERES EM ACÇÃO

Mary era de uma forte espiritualidade, mas desenquadrada institucionalmente na Igreja. Recusou-se a baptizar a filha, apesar das muitas súplicas de familiares e ministros da Igreja. Entretanto, Katherine Springett, a quem estava muito ligada, viria viver com ela, ajudando-a a criar os filhos. Mary tinha uma grande insatisfação espiritual, era uma espécie de “ovelha tresmalhada”. Escreveu mesmo que estava “cansada de procurar e não encontrar”.

Mary foi bem ensinada por Katherine a gerir a sua herança e propriedades. Adorava desenho, arquitectura, gostava de projectar e construir os seus edifícios. Recusou sempre aceitar os edifícios das igrejas como sagrados, primeiro como puritana e depois como quaker.

Dez anos após a morte de William Springett, conheceu Isaac Penington, um nobre inglês. Pennington era profundamente religioso e com muito em comum com Mary. Casaram-se em 1654 e estabeleceram-se em Chalfont Grange, perto de Chalfont St Peter, em Buckinghamshire, onde tiveram cinco filhos.

Em 1658 abraçaram o Quakerismo, convertidos por George Fox. Mais tarde, Mary assumiria que tinha encontrado no Quakerismo o que procurava espiritualmente. Mas o caminho era difícil. As terras de Penington foram confiscadas, valendo então o génio administrativo de Mary, que também perdera terras do mesmo modo. Comprou e renovou então uma casa em Woodside, perto de Amersham, para a família. Mantiveram assim a sua proximidade da comunidade quaker de Chalfont St Peter, frequentada por William Penn, que se casaria com Gulielma Springett, em 1672. Lord Penington morreu em 1679. Mary sofreu bastante com a perda e a sua saúde debilitou-se. Morreria em 1680. William Penn, refira-se, tinha partido para a América do Norte uns dias antes, onde fundaria mais tarde a colónia da Pensilvânia. Mary era uma mulher de fibra, equilibrada e justa, mas terna e muito espiritual, empreendedora e activa, cuidando de tudo e de todos com denodo e discrição.

Outra mulher importante dos primórdios quaker foi Elizabeth Hooton. “O amor que tenho pelas almas de todos os homens, faz-me querer passar por tudo o que me possa ser infligido”. Elizabeth, de grande espiritualidade, pode muito bem ter sido a primeira pessoa a ser “convencida da verdade” por George Fox. Foi sim a primeira das grandes missionárias quakers, integrando o grupo conhecido como Valiant Sixty. Elizabeth viajou várias vezes para o Novo Mundo, numa vida marcada por perseguições até à sua morte. Nascera em 1628, como Elizabeth Carrier, em Ollerton, Nottinghamshire, pouco se sabendo quanto aos seus primeiros anos. Viria a casar-se com Oliver Hooton, com quem se mudou para Skegby, onde tiveram vários filhos. Em 1646, quando George Fox passou por Skegby, Elizabeth pertencia à comunidade baptista local. Mas o encontro com George Fox mudaria a sua vida para sempre.

No princípio, ia contra a vontade do marido, mas rapidamente começaria a organizar reuniões em casa, para se ensinar as ideias de Fox. Foi Hooton que persuadiu Fox de que “Deus ungira as mulheres para o ministério, tal [e qual] como os homens”. Em poucos anos, Elizabeth tornou-se numa das suas pregadoras itinerantes. Em 1651 foi presa em Derby por “reprovar um presbítero” e, em 1652, seria presa dezasseis meses em York, por pregar na igreja de Rotherham. Elizabeth era alfabetizada e escrevia cartas para juízes e outros funcionários públicos, como fez na prisão de Lincoln, em 1654, quando escreveu a protestar contra as condições da prisão e pedindo a separação dos sexos e uma actividade útil para os prisioneiros.

Em 1661, aos sessenta anos, Hooton fez a sua primeira viagem à Nova Inglaterra, com a Amiga Joan Brocksop. Os quakers na Nova Inglaterra padeciam então uma severa perseguição. Embora a pena de morte já tivesse sido revogada, outras punições foram planeadas para os “blasfemadores quakers”, das quais a mais severa era a “Cart and Tail Law” – os condenados eram despidos até à cintura, amarrados atrás de uma carroça e arrastados de cidade em cidade, onde eram chicoteados com uma corda de nós.

Os navios que traziam quakers para Massachusetts eram ameaçados com coimas elevadas, pelo que Hooton e Brocksop rumariam à Virgínia. Tendo chegado perto de Boston num pequeno barco, foram presas, espancadas e degredadas para um ermo. Mas sobreviveram e foram para Rhode Island; daí para Barbados, depois para Inglaterra. Aqui, Hooton fez uma petição ao Rei para parar com a perseguição aos quakers em Massachusetts. Mas não foi o que sucedeu. Ela própria seria de novo supliciada e desterrada. Mais tarde, em Inglaterra, seria presa novamente. Depois partiu com Fox para a Jamaica, em 1672, onde viria a morrer, no grupo de Fox, uma semana depois de chegarem à ilha.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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