Os Quakers – III
Voltaremos a esse tema, a luta contra a escravatura, mas é importante recordar, nesta resenha biográfica de George Fox, que começou na colónia inglesa da ilha de Barbados, em 1671, a luta por um dos ideais mais conhecidos e polémicos dos Quakers: a luta contra a escravatura, que seria uma das bandeiras da Sociedade dos Amigos. Fox, juntamente com os seus doze companheiros, protestaram naquela ilha – onde se desenvolvia uma economia de plantação (cana-de-açúcar ), esclavagista – contra o mau tratamento que os escravos recebiam, defendendo mesmo que deveriam ser libertados após trinta anos de serviço.
Em Janeiro de 1672, depois de cinco meses em Barbados, Fox e os seus companheiros navegaram para a América do Norte, via Jamaica. Após sete semanas, desembarcaram em Patuxent, na baía de Chesapeake, a sul da actual cidade de Baltimore, nos Estados Unidos. Ali decorrera então uma grande reunião dos Amigos, precursora da Reunião Anual dos Quakers, em Baltimore. George Fox e alguns Amigos participaram depois numa reunião em Long Island, perto (então) da actual cidade de Nova Iorque, antes de partir para Rhode Island, cujo governador era quaker. Em Junho, alguns Amigos rumaram para Norte, até Boston, Massachusetts, enquanto Fox e outros foram para o Sul, primeiro para Nova Jersey e depois para Chesapeake Bay, antes de seguir para a Virgínia e Carolina. De reunião em reunião, por várias das então treze colónias britânicas na América do Norte, a causa dos quakers ia crescendo e ganhando adeptos. Em Janeiro de 1673 Fox achava-se novamente em Patuxent, onde permaneceria nos próximos quatro meses travando conhecimento com as tribos “índias” da região, uma experiência que registou como deveras interessante e profícua. No mês de Maio, Fox e alguns Amigos retornaram a Inglaterra, aportando em Bristol.
Em 1675, depois da Reunião Anual, Fox, indisposto e cansado, dirigiu-se para Norte, para Swarthmoor Hal, onde permaneceu dois anos, provavelmente o maior período de tempo que passou em casa desde que começara a sua actividade “proselitista”. O descanso ocupou parte do seu tempo, pois não deixou de escrever e de registar as suas memórias num diário, que constitui uma preciosa fonte documental autógrafa para o conhecimento dos primórdios da Sociedade dos Amigos, bem como dos seus pensamentos e posições doutrinais. Não mais volveria ao Norte, ao fim desses dois anos, em 1677, fixando os seus percursos no Sul de Inglaterra, onde Margaret o visitou por vezes.
QUAKERS EM MISSÃO
Em 1677 Fox viajou, na companhia de Robert Barclay, William Penn e outros Amigos, para a Holanda e Alemanha, onde constataram “in loco” os efeitos das guerras religiosas que assolaram partes da Europa durante a maior parte do século XVII. Na década de 1680 George Fox pressionou continuamente o Parlamento em Londres contra as perseguições religiosas no Reino, que vergastavam a liberdade e os direitos fundamentais a uma opção de fé livre, perseguições essas que visaram, principalmente, os católicos, recorde-se. Em 1684 encontramos Fox na Holanda, novamente. A sua persistência premiou-o ainda em tempo de vida, pois em 1687 foi promulgada a Declaração de Indulgência, confirmada pelo Acto de Tolerância de 1689, o qual, finalmente, permitia que os dissidentes da Igreja Anglicana, ou todos os que a ela não aderiram ou se recusavam fazê-lo, pudessem livremente escolher e professar a sua fé. O século XVII, como para a maior parte dos Estados europeus, constituiu-se como uma época turbulenta na Grã-Bretanha e na Irlanda, com guerra civil e grandes mudanças políticas, religiosas e sociais, que alimentaram ainda mais a violência e as secessões ou intolerâncias. Mas foi também a centúria de arranque da colonização britânica na América do Norte e nas Caraíbas. Com ela, assistiu-se também ao incremento do comércio transatlântico de escravos. Neste contexto de guerras e turbulências religiosas, cisões políticas, colonização e esclavagismo, nasceria o Quakerismo. E serão essas as pegadas que marcarão o movimento, a doutrina e a fé dos quakers até hoje.
Entretanto, várias casas de reunião dos Amigos foram construídas antes da sua morte, que ocorreu em Londres, em Janeiro de 1691. Fox foi enterrado em Bunhill Fields, um cemitério não-conformista (para quem não pertencia à Igreja Anglicana) nos limites da cidade de Londres. O aumento de número de casas de reunião demonstra o crescimento da fé quaker em Inglaterra, mas não apenas, pois noutras partes das Ilhas Britânicas e no seu império a irradiação do movimento era efectiva.
Mas o nascimento não foi fácil. Se se inserem no contexto e acompanharam os movimentos humanos e comerciais, com eles sofreram também e provaram o fel da desventura. Mas ser quaker significa ser optimista e resiliente. Senão, vejamos:
Na América do Norte, apesar de terem enxameado ainda em vida de Fox, não demoraram a ocorrer perseguições aos quakers. Em Julho de 1656, quando as missionárias quakers inglesas Mary Fisher (1623-1698) e Ann Austin (?-1665), as primeiras mulheres quakers na América do Norte, começaram a pregar em Boston, o cenário toldou-se para os Amigos. Cumpre referir que os quakers são também, na sua génese, um pouco “diferentes” das demais religiões ou credos cristãos: à imagem de Fox, não há um papel preponderante de género, ou seja, os homens valem tanto como as mulheres, havia pois uma igualdade. O que chocava na época, como “a posteriori”. Mas também causava brado e escândalo a sua insistência na obediência individual à luz interior, o que para muitos equivalia a heresia e a bruxaria ou videntismo. E o puritanismo religioso mais radical campeava nas colónias britânicas na América do Norte naquela época, como se sabe… pode-se dizer que tiveram sorte, pois as duas senhoras e outros Amigos foram “apenas” presos por cinco semanas, mas depois banidos de Boston e da Colónia da Baía de Massachusetts. Queimaram-se os seus livros e a maior parte das suas propriedades foram confiscadas. Há autores que referem que a sua prisão foi efectuada de forma violenta e foram encarcerados em condições terríveis, tendo sido depois deportados.
Outra missionária quaker, Mary Dyer (1611-1660), não teve tanta sorte. Foi enforcada perto do parque de Boston Common (Boston), no dia 1 de Junho de 1660, acusada e sentenciada à morte por ter repetidamente desafiado uma lei puritana que bania os quakers da colónia. Com Mary Dyer foram executados mais três quakers que ficariam conhecidos como os “Mártires de Boston”. Em 1661 o Rei Carlos II proibia a colónia de Massachusetts de executar qualquer pessoa por professar a fé quaker. Em 1689, viria a Lei da Tolerância e alguma tranquilidade….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa