CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLII

Os Amish – VII

É um mundo totalmente novo, o universo amish. Da aparência ao quotidiano, às tradições, usos e costumes, educação, relação com o mundo não amish, estamos perante, de facto, uma comunidade peculiar e distinta de tudo aquilo que pensamos dentro da frondosa árvore do Cristianismo na actualidade. Se os Menonitas, eram “diferentes”, os Amish conseguem-no ser ainda mais. E são cada vez mais os Amish, mesmo isolados e “parados” no tempo, crescendo demograficamente.

Talvez porque há muitos casamentos, que geram famílias numerosas, em que a maior parte dos seus membros se mantém amish. E também não há divórcios, nem a remota possibilidade disso. Mas voltemos ao casamento entre os amish. Mais do que a cerimónia “sacramental”, vale pela festa e convívio que se segue, pelo banquete, uma farta refeição matrimonial. O “assado” não poderia faltar… mas que assado? Trata-se do nome de um prato constituído por uma mistura de recheio de pão e frango, puré de batatas, salada de repolho, molho de maçã e aipo cremoso. Alguns talos de aipo folhosos são também colocados em potes para decorar a mesa. O aipo reina na mesa dos amish, principalmente numa boda. Não se trata de um sem fim de pratos e iguarias diversas, mas tudo dentro da tradição amish. A nota é de simplicidade, mas sem se passar fome ou esquecer os preceitos. Entre as sobremesas, aparecem tortas, “donuts”, frutas e pudins. Há também vários bolos de casamento, inevitavelmente, alguns ainda feitos pelas mulheres, mas muitos já provêm de padarias. São, geralmente, consumidos mais tarde.

O cenário é outro dos aspectos mais relevantes da cena: o amesendamento. São necessários vários assentos para alimentar entre duzentos a trezentos (ou mais) convidados, a média de pessoas que toma parte nestas cerimónias. Depois do almoço, os jovens cantam e, a seguir, vem o jantar, também parte da boda. Depois deste, entoam-se hinos. Mas tratam-se de “hinos mais rápidos”. Não há excessos nem ingestão alcoólica, pelo menos de forma menos prudente, mas há muita animação. E há trabalho comunitário, na gestão de toda a logística, entre mesas, assentos, comida, cozinha…

Pois é, não há margem para descanso. Depois de passarem a sua primeira noite na casa da noiva, os noivos começam o dia seguinte a ajudar a limpar e reorganizar tudo o que se sujou, alterou ou mudou de lugar no dia anterior, na festa. Depois, vem a tradição amish dos recém-casados. Com efeito, o jovem casal passará os próximos fins-de-semana visitando parentes, chegando, por vezes, a parar em cinco ou seis casas entre uma sexta-feira e o Domingo à noite. Porque é nessas visitas, precisamente, que o casal receberá os presentes de casamento. Quando chegar a Primavera, os jovens casais mudam, geralmente, para uma casa própria, onde constituirão a sua família. Uma das marcas deste momento será visível no aspecto do marido: a famosa barba amish (sem bigode) começa a crescer. É então definitivamente um homem casado, de acordo com a tradição amish.

VIVÊNCIA RELIGIOSA

Do ponto de vista religioso, a fé dos amish é acima de tudo um acto de adoração, a preservação da tradição, a renovação da fé e a afirmação da comunidade. São quatro pilares essenciais da vida espiritual e religiosa destas comunidades, divididas geograficamente em “distritos” da sua igreja, o que permite que os serviços sejam realizados nas casas dos membros da mesma, em oposição aos edifícios designados para o efeito. Ou seja, os serviços religiosos amish são realizados todos os Domingos na casa de uma família diferente dentro do “distrito”; cada família hospeda o culto na sua casa pelo menos uma vez por ano.

Os serviços religiosos podem ter até 150 pessoas a prestar o culto na casa dominical para o efeito. Por isso, cada “distrito” possui uma espécie de carroça-vagão para transportar bancos sem encosto, de casa em casa para cada serviço, que demora cerca de três horas. Os homens e mulheres amish sentam-se geralmente em secções separadas no culto, sem misturas. Os hinos que são cantados são os que fazem parte do “Ausbund”, um livro de hinos especial usado pelos amish da Pensilvânia. Geralmente, existem três a sete pregadores e pelo menos um bispo em cada culto. Cada um desses “clérigos” tem por incumbência pregar nos cultos, normalmente por meio de mensagens com forte pendor ético, moral e emocional. Estão sempre em movimento durante o culto, já que a congregação, ou assembleia de fiéis, pode estar sentada em diferentes partes dentro da casa. Alguns ministros cantam a sua pregação, as suas mensagens, no dialecto “Alemão da Pensilvânia”, no qual também escrevem os textos de base. Os temas comuns desses escritos religiosos e espirituais dos pregadores amish não mudaram quase nada desde há quase quatrocentos anos. Incluem orientações para que cada um leve uma vida correcta aos olhos do Senhor; abordam o tema da Ressurreição, além de insistirem sempre na ideia de “não julgar para não se ser julgado”, um imperativo que define a espiritualidade e modo de vida dos amish. As Escrituras são lidas pelo ministro do culto, que a cada passo reflecte através de breves mensagens, orações e mais canções. É uma liturgia da palavra, essencialmente, com cânticos e reflexões de tipo pregacional.

Acaba o culto e regressa a máquina amish. Como assim? Máquina, sim, de operações de limpeza e acomodação de mesas e assentos. Não para repor tudo no lugar, não, mas sim para uma refeição, leve. O espaço é limitado, mas a “máquina amish” resolve: homens e mulheres comem em turnos, dos mais antigos aos mais jovens, geralmente em salas separadas. Este almoço leve, quase tipo “brunch”, pode consistir em café, pão, “church spread” (uma combinação de manteiga de amendoim, xarope de milho e “marshmallow”), geleia, manteiga de maçã, beterraba vermelha, “pickles”, queijo e às vezes tarte de maçã. Depois da refeição, sociabiliza-se.

Sobre o “Ausbund”, já agora, é importante referir que se trata de um dos livros mais famosos e importantes para os amish, principalmente, na Pensilvânia. Foi publicado pela primeira vez em Alemão em 1564, em plena época da Reforma Protestante, sendo considerado por muitos como o mais antigo hino protestante em uso continuado. Com os hinos que foram sendo adicionados ao longo dos tempos, as edições na actualidade contêm cada uma quase novecentas páginas. O “Ausbund” é importante por muitas razões, mas principalmente pela preservação de uma multi-secular tradição religiosa. O núcleo do livro consiste em cerca de cinquenta hinos escritos principalmente por pregadores anabaptistas alemães do século XVI, muitos deles quando estavam presos nas masmorras devido às suas crenças religiosas (não em castelos católicos, mas de outros credos anabaptistas ou protestantes). Por isso, o tom de muitos hinos, apesar da sua beleza literária, é de grande tristeza, solidão ou de protesto e críticas contra o mundo da maldade e da opressão.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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