CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CL

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CL

Os Amish – V

Esta é a 150.ª edição de Cismas, Reformas e Divisões na Igreja, heresias e rupturas na história da Igreja, que O CLARIMhá mais de dois anos vem a publicar. Um número grande, através do qual podemos aferir da riqueza do tema e também da mundividência cristã, da pluralidade e da universalidade da intuição e da instituição que é a Igreja, o que nos faz aqui prometer que o número seguramente crescerá. Mas deixámos uma pergunta na última edição: há tecnologia entre os Amish?

Há, sim, mas não muita. A vida amish é governada pelo “ordnung”, uma palavra alemã para ordem. Como vimos, as regras têm algumas variações de comunidade para comunidade. Na maior parte das comunidades amish, está proibida a posse e uso de automóveis, a electricidade a partir das linhas de utilidade pública, o uso de máquinas agrícolas com autopropulsão, a televisão, o rádio e o computador, além do Ensino Secundário ou até a frequência da Universidade. O serviço militar ou inclusão em unidades militares está também proibido, como encetar um divórcio. Como as fotografias, tirá-las ou ser-se fotografado, pois é uma forma de estímulo da vaidade, como os espelhos são também mal vistos em muitos grupos amish. A “ordnung” amish proíbe, de forma peremptória, tudo o que é “hochmut”, uma palavra que significa orgulho, arrogância, altivez.

Os amish não consideram a tecnologia má em si. O problema para eles é o facto de que acreditam que a tecnologia tem o poder de provocar a assimilação na sociedade fora das comunidades amish, ou seja, contaminá-las com as formas de vida dos “ingleses”. A tecnologia dos Meios de Comunicação Social, de massas, é temida pelos amish, pois pode introduzir valores estranhos na sua cultura, desvirtuando-a e fazendo o ideal de vida amish perder-se. Por exemplo, consideram que os automóveis, se por um lado conferem maior mobilidade, por outro seriam factores de desagregação ou separação no seio de uma comunidade, corrompendo os laços e as relações na mesma. Poder ir mais longe pode representar maior mobilidade, mas para os amish é ir procurar mais influências negativas e mais diferenças, mais estímulos à desvirtuação da sua “ordnung”. Por isso, o transporte a cavalo e a carroça, ou charrete, mantêm a comunidade ancorada numa base geográfica local. Ou seja, não vão longe… Algumas das regras são, todavia, aparentemente contraditórias: por exemplo, baterias de carro de doze volts (não para fins automobilísticos) são permitidas em muitas comunidades, mas já a electricidade de 120 volts não é. Além disso, noutra espécie de contradição, a maioria não tem permissão ou preparação para conduzir veículos a motor, mas pode, no entanto, em várias comunidades, contratar “ingleses” para os conduzir.

OS AMISH USAM COMPUTADORES E INTERNET?

Alguns amish usam computadores, sim, estão até “online” em alguns casos. Para muita gente, poderá parecer uma relação impensável, muito estranha mesmo, amish-informática-Internet… No entanto, à medida que aumenta o envolvimento dos amish com a sociedade não-amish, e quanto mais portátil e pessoal é a tecnologia maior é a “tentação” pela tecnologia. Quase como se fosse um fruto proibido, mas cada vez mais apetecido, pelo menos em algumas comunidades com uma “ordnung” mais flexível, ou entre alguns dos mais novos. Mas um amish geralmente não possui computadores, é ainda um fenómeno raro, no todo do universo deste movimento anabaptista.

Um elemento chave para se entender o relacionamento dos amish com a tecnologia é a linha que estes traçaram, desde sempre, entre propriedade e uso. Ou seja, entre ter e usar; se se tem, usa-se, mas se não se tem, não se usa. Ainda não se chegou a conceito franciscano medieval do “usus pauper”, o uso restrito de bens, que não são propriedade: isto é, usa-se, sem se possuir. Os amish não têm. Por isso, não usam, nem pedem emprestado. Todos? Alguns já nem tanto. Em muitas comunidades, mais rigorosas, contudo, os amish consideram que a propriedade de uma determinada tecnologia representa uma ameaça maior à integridade de suas famílias e comunidades do que o seu uso isolado. Ao mesmo tempo, existem algumas tecnologias e algumas maneiras de as usar que seriam proibidas mesmo nesse caso (ou seja, guiar, em vez de andar de carro).

Mas atenção, algumas tecnologias são vistas como inofensivas e até benéficas, como as lanternas, as calculadoras e as máquinas de lavar, por exemplo.

Desta forma, por isso, os amish normalmente não possuem computadores, mas podem ter permissão para os usar. Mas essa linha começa a ficar com menor definição actualmente, dadas as crescentes evidências de alguma abertura à propriedade. Já se conhecem alguns casos em que os amish podem usar computadores em locais de trabalho que não sejam amish e ter contas de e-mail para manterem contacto com os clientes. E há já algumas empresas amish a usar computadores. Começa aí a contaminação, para os sectores mais “puristas”, no uso de computadores e na exposição que a Internet cria.

Não podíamos, já agora, deixar de falar de amish e telemóveis. Outra relação que não lembra a ninguém. Aos amish que levam a “ordnung” mais a preceito. Mas já existem também alguns amish a usar telemóvel e, com todos os “upgrades” tecnológicos e maior versatilidade que essas pequenas unidades de comunicação permitem, eis que uma novidade chega a alguns membros: a Internet! O número de telemóveis tem vindo a aumentar entre os amish, de facto, em jovens e adultos, numa percentagem já significativa.

Os empresários amish estão entre os que costumam possuir telemóveis, aceder à Internet e usar o e-mail. Sim, já vimos que há empresários amish, os quais concebem os telemóveis como equipamento útil e até indispensável em alguns casos, como no caso dos construtores, que podem precisar de se manterem em contacto com funcionários e clientes enquanto viajam entre locais de trabalho. Sim, já existem empresários “assim”, entre os amish. E todos os amish concordam com tal inovação? Não. É impensável para muitos. E não é necessário, também. Eis pois um dos maiores debates entre os amish na actualidade: a tecnologia.

Para os amish, um dos maiores perigos do uso de telemóveis é a facilidade de acesso à Internet. Com ela, temem o acesso à pornografia “online”, além de outras influências prejudiciais para uma vida cristã simples, conforme estabelecido há quase três séculos de história amish. Alguns pais vêem com enorme preocupação o facto de encontrarem telemóveis nos bolsos dos seus filhos, em algumas comunidades. Mas cada vez mais se vislumbra um futuro nos amish com telemóvel, dada a crescente adesão juvenil a este equipamento. Muitos temem porém que seja um obstáculo à entrada na Igreja dos amish.

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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