CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCVIII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCVIII

Adventistas do Sétimo Dia – V

Para os que não desistiram da esperança messiânica do novo advento de Cristo em 1844, Deus teria começado um exame de todos os nomes no Livro da Vida, e só depois de acabar essa tarefa, Cristo apareceria e iniciaria o seu reino milenar. De forma mais prudente e avisada, o grupo de resistentes absteve-se de definir uma nova data para esse advento, mas insistiram sempre que estaria iminente. Ao mesmo tempo, também passaram a acreditar que a adoração no sétimo dia, o Sábado, era determinante para os cristãos. A prática desse culto dos sábados daria à denominação (estabelecida oficialmente em 1863) uma nova designação, ou seja, “Igreja Adventista do Sétimo Dia”. Como temos visto, Ellen White teve um importante papel, alicerçado no seu dom da profecia, depois nas suas palestras e, no que é mais famosa em termos globais, na literatura, com os seus escritos a moldarem as crenças e depois as práticas da nova denominação.

O papel de Ellen G. White na Igreja Adventista do Sétimo Dia é de facto imprescindível. Metodista de origem, viu nascer em si a dúvida quanto à sua fé quando começou a ouvir as pregações de William Miller, o que fez com ela e a sua família fossem expulsos da Igreja Metodista. Depois, começam as suas visões, como uma que teve em Dezembro de 1844, sobre o futuro da Igreja Adventista. Todavia, a sua aceitação não foi unânime, pois não faltaram os que a contestaram, ou melhor, as suas visões. Mas não foram poucos os que seguiram os seus relatos sobre as suas visões. Ellen nunca se considerou como profetisa, mas sim como mensageira ou instrumento de Deus. Foram mais de duas mil as suas visões, em toda a sua vida, a maior parte das quais se esforçou por deixar registo, em artigos, mas também em livros. Como norma de vida, mas também como garantia de rigor e de fé, Ellen foi uma fervorosa seguidora da Bíblia como princípio de fé e de moral, bem como de harmonia social. Era uma acérrima opositora de fanatismos e de zelos em excesso, contra os radicalismos. A sua vida, principalmente a partir do seu casamento com James White, em 1845 (ou 1846, segundo várias fontes), foi consagrada à luta pelo Adventismo, principalmente na forma da Igreja que se institucionalizaria.

SABEDORIA E VISÃO

Ellen dedicou-se a escrever, prolificamente, sobre vários temas, dentro do seu magistério de divulgação e promoção do sabatismo. Aquando da sua morte, em 1915, tinha escrito cerca de 45 mil páginas dactilografadas, algo como sessenta volumes, quatro mil e 500 artigos para revistas e mais de um milhar de cartas. A sua influência na Igreja Adventista manifestou-se sobretudo no encorajamento da organização institucional, nos aconselhamentos sobre saúde, em especial na abstinência do tabaco e do álcool, que considerava funestos para a sociedade, além da ênfase nas recomendações para uma vida equilibrada. Salientava sobremaneira, de facto, o aspecto preventivo da saúde e o cuidado com a alimentação como factores para se levar uma vida boa. Seria com base nesses conselhos que uma clínica veio a ser aberta em Battle Creek, no Michigan, em 1866. Foi ainda uma acérrima lutadora pela promoção da educação e fomento da literacia, vindo a sua influência a revelar-se na criação de várias escolas primárias por parte dos seus seguidores.

Ellen White era defensora de uma educação integral do indivíduo, capaz de desenvolver o ser humano em todas as áreas da vida, não apenas do ponto de vista intelectual, mas também moral, laboral e físico. Do ponto de vista doutrinário, os seus escritos enfatizaram sempre o estudo e exegese da Bíblia, que definia como uma norma de vida e de matriz de qualquer julgamento. Uma das suas obras mais importantes, “O Desejado de Todas as Nações”, retrata e comenta a vida de Jesus, de acordo com os Evangelhos, numa perspectiva formadora e de cunho modelar. Ellen viajou muito, principalmente depois da morte do marido (1881), principalmente na Europa (1885-1887) e Austrália (1891-1900), onde promoveu o estabelecimento da recém-criada Igreja Adventista do Sétimo Dia. Santa Helena, na Califórnia, seria o seu local de refúgio a partir de 1900, ali se fixando. Sempre que a saúde permitia, viajava nos Estados Unidos e procurava levar a sua missão, e a sua Igreja, onde pudesse semeá-la. Sobreveio-lhe a morte em 1915, a 16 de Julho, contando 87 anos de uma vida plena, quase toda ela dedicada ao ideal adventista. Muitos discutem hoje se na realidade teve visões, ou se as teve como as narrou; enfim, toda uma discussão se tem gerado ao longo dos anos em torno dos dons visionários de Ellen Gould White. Na verdade, se as teve ou não, não vamos aqui discutir, mas apenas realçar o facto de nunca ter evidenciado qualquer orgulho ou sobranceria espiritual em relação a essas visões, bem como nunca procurou retirar dividendos ou capital político ou eclesiástico das mesmas. Foi sempre digna, simples e lutadora, em boa verdade.

Em jeito de síntese, podemos recordar que alguns outros organismos de inspiração adventista surgiriam no Século XIX, muito a partir da acção de Ellen White. Alguns, como a “Igreja Cristã do Advento” e a “União da Vida e do Advento” (que se fundiria com a “Igreja Cristã do Advento” em 1964), rejeitaram tanto o estatuto profético de Ellen White como o culto do sétimo dia. Outro grupo, a “Associação Internacional de Estudantes da Bíblia”, inspirado pelos ensinamentos de Miller e de alguns adventistas, foi fundado pelo pregador Charles Taze Russell (1852-1918) em 1872. Mudariam a sua denominação mais tarde para “Testemunhas de Jeová”, na década de 1930, tornando-se o segundo grupo em termos de implantação a emergir do movimento millerita original.

Já agora, gosta de cereais ao pequeno almoço? Pois trata-se uma inovação adventista, sabia? Senão, vejamos. A Bíblia também é importante para os adventistas, certo? A sua crença na observância do sábado trouxe consigo uma nova apreciação da dita “Bíblia Hebraica”, que na essência é o Antigo Testamento. Ora, os Adventistas do Sétimo Dia, com base na sua forte exegese bíblica, definiram e aceitaram os regulamentos dietéticos do Antigo Testamento, principalmente do Pentateuco, a partir dos quais se desenvolveu a tradicional ênfase na saúde, lançada por Ellen G. Whitte. Neste sentido, em 1900, dois activos membros da Igreja, John Harvey Kellogg (1852-1943), médico, e o seu irmão W.K. Kellogg (1860-1951), industrial, fundaram a “Sanitas Food Company”, que mais tarde se viria a designar como “Kellogg Company”. Já adivinhou, é a empresa dos célebres cereais matinais saudáveis, usados primeiramente num sanatório adventista administrado por John Harvey Kellogg. Um dos muitos pacientes proeminentes do sanatório foi C.W. Post (1854-1914), mais tarde fundador da Postum Cereal Company, rival da Kellogg’s… A ênfase da Igreja na vida saudável e na medicina preventiva seria aumentada pela fundação, em 1908, de uma cadeia de instituições médicas adventistas, como hospitais, centros médicos, clínicas e sanatórios, nos Estados Unidos e em todo o mundo. Alma sã em corpo são, certo?

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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