Ciência

Uma esperança para a humanidade

A ciência traz esperança à humanidade. Confiança nos homens e nas mulheres. Ao serviço da paz e do desenvolvimento vislumbram-se novas formas de cooperação internacional. Mas em tempos de crise, o que Portugal pode fazer para melhorar a qualidade de vida das pessoas? As que estão no rectângulo e fora dele?

«A ciência em período de crise deve ser uma prioridade. Não tenho dúvidas de que através da ciência conseguimos resolver alguns dos nossos problemas – mas sem investimento não se consegue avançar». As palavras são de Sandra Garcês, uma médica cientista que lembra que «a evolução das sociedades também se vê pela forma como olham e investem na ciência».

A História mostra-nos que a ciência tem contribuído para o desenvolvimento das sociedades. A revolução industrial na Europa, em especial no séc. XIX, a fase das duas guerras mundiais, na primeira metade do séc. XX, e o período que se seguiu impulsionaram a ciência. «A pesquisa científica é sempre um motor da inovação, e a inovação é sempre positiva pelo estimulo intelectual e económico», comenta Jonathan Howard, director do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC). O responsável do IGC constata que «há um estado de espírito de empreendedorismo crescente em Portugal».

Vivemos tempos difíceis no País. Mas perante a adversidade revela-se o engenho. A ciência ao serviço da paz é uma das esperanças onde nos podemos agarrar neste momento de crise e é também isso que lembra o Dia Mundial da Ciência ao Serviço da Paz e do Desenvolvimento, proclamado pela UNESCO, celebrado a 10 de Novembro. «A ciência enquanto campo de convergência de saberes e de tolerância, porque nos ensina a compreender e a respeitar tudo para lá de nós próprios, será sempre uma esperança para a humanidade por maior que seja a crise dos tempos», realça Leonor Parreira, secretária de Estado da Ciência.

A ciência traz esperança – basta pensar nos avanços que mudaram o destino da humanidade: anestésicos, antibióticos, imunização, energia eléctrica e nos pássaros com asas que nos levam para qualquer lugar do mundo. Tudo isto melhorou a qualidade de vida das pessoas «capacitou os Governos a confiar que a ciência continuará a mover-nos a todos para a frente. Mas a ciência não funciona no mesmo ciclo da economia. Leva anos e anos para converter as descobertas científicas num produto económico», frisa Jonathan Howard.

Fazer ciência de excelência é quase sempre caro. E Portugal tem recursos limitados – já se sabe. Como é que o nosso país pode utilizar melhor os recursos de que dispõe para aumentar o reconhecimento internacional da sua excelência? O director do IGC tem uma resposta: «Investir nas melhores instituições Científicas e apoiar os jovens de excelência tanto quanto possível. E com excelência vem o reconhecimento».

Investir em ciência é contribuir para novas formas de cooperação internacional, para a paz e para o desenvolvimento.

Em declarações à FAMÍLIA CRISTÃ, por correio electrónico, a secretária de Estado da Ciência frisa que o sistema científico português, sendo aberto, onde trabalham investigadores de muitas nacionalidades, também promove aqueles valores: «Recebemos jovens investigadores de todo o mundo, de diferentes culturas, credos, origens. É nesta diversidade de pessoas unidas para um fim comum – explicar o mundo através da ciência, isto é, lutar contra a superstição e preconceito – que melhor se pode contribuir para a paz. Por outro lado, a contribuição dos nossos investigadores, das nossas equipas, para a ciência de topo mundial e o maior contributo que podemos oferecer para a explicação do que nos rodeia. E são cada vez mais os exemplos de excelência que vemos na nossa comunidade científica, que devemos apoiar para que se tome cada vez mais competitiva a nível internacional».

O orçamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), agência pública nacional para o financiamento da investigação em ciência, tecnologia e inovação, tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência, tem contribuições maioritárias do Orçamento do Estado e dos fundos estruturais da União Europeia. Em 2014, a FCT dispõe um orçamento de cerca de 436 milhões de euros para investimento directo na ciência (este valor não inclui ainda fundos provenientes do actual Programa Quadro europeu que se iniciou em 2014, estando em negociação com a Comissão Europeia).

«A redução de investimento em Investigação e Desenvolvimento (IRD) que se sentiu em Portugal e na Europa em geral a partir de 2009 foi contrariada nestes últimos três anos com um reforço de dotações orçamentais para a FCT», diz a governante. «O financiamento efectivo do sistema em 2012 e 2013 cresceu face a 2011. E vai continuar a crescer. Por outro lado, o desafio com que nos confrontamos, imposto pela conjuntura e pelos princípios que norteiam o próximo Programa Comunitário, o Horizonte 2020, é o desafio da qualidade», acrescenta, garantindo ainda: «Reforçámos a exigência pedida à comunidade no que toca ao financiamento público (em bolsas, em projectos, criando laços mais fortes com as empresas) em contratos para investigadores muito competitivos, através do novo concurso Investigador FCT, já com 368 investigadores seleccionados para contratos a cinco anos. Estamos a preparar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional para o futuro que se apresenta».

O futuro começa a ser trabalhado. Sabe-se que a competitividade científica e a capacidade tecnológica nacional são instrumentos decisivos ao serviço do desenvolvimento de uma nação. O desenvolvimento industrial, das nossas empresas, fortalece o tecido económico. É precisamente na ligação do tecido científico as empresas que mais precisamos de investir. E como é que isso esta a ser feito? «Uma das medidas foi a criação, pela FCT, de um programa para apoio de Programas de Doutoramento em consórcio Universidades-Empresa (co-financiados pelas empresas), cuja qualidade foi garantida por avaliação internacional competitiva. Foram já seleccionados sete Programas de Doutoramento em ambiente empresarial com um compromisso de 184 bolsas para os próximos quatro anos, ou seja, uma média de 46 bolsas por ano. A estes Programas de Doutoramento-FCT juntam-se as bolsas individuais de doutoramento FCT em contexto empresarial, que já existiam, com 18 bolsas atribuídas no concurso 2013».

Por sua vez, Sandra Garcês, a médica cientista, reconhece o que tem sido feito de positivo: mas não deixa de apontar o dedo às condições difíceis vividas pelos investigadores: «Vive-se de bolsas – as bolsas são pequenas e não chegam para todos. Não falo apenas dos que estão a fazer doutoramento, mas dos que estão a fazer pós-doutoramentos. É difícil, continuar a fazer investigação, em Portugal com as condições actuais. A abertura das bolsas é sempre uma incógnita. É importante que as bolsas sejam continuadas e precisam de ser maiores, com uma regularidade certa».

A investigadora dá um exemplo para se perceber melhor o que está em causa com a precariedade deste trabalho: «As bolsas são curtas. Corre-se muitas vezes o risco de ao fim de dois anos não haver os resultados desejados e isso faz com que haja outro problema que se vem alertando cada vez menos as pessoas arriscam em coisas inovadoras, porque tem medo de não obter os resultados necessários para depois concorrerem as bolsas seguintes. Porque quando não há resultados também não se pode concorrer à bolsa seguinte. Isso limita a criatividade, a inovação e a utilidade dos projectos arriscados». A secretária de Estado da Ciência responde: «Temos feito várias diligências para mitigar o problema da precariedade. Não há registo de nenhum país em programa de assistência financeira como Portugal que tenha criado um programa de fixação de investigadores, com contratos a cinco anos, como é o programa Investigador FCT, nascido em 2012. Já temos 368 investigadores neste programa, recrutados nas primeiras três chamadas. Serão 1000 até 2016. Trata-se de investigadores de topo, 48 deles vieram do estrangeiro para se fixarem em Portugal».

A boa ciência também se faz no nosso país – embora nem sempre haja condições ideais. Não raras vezes vemos, lemos e ouvimos falar de cientistas portugueses que conseguiram descobrir por cá algo importante para o mundo. Mas há um problema nacional que tem de ser olhado com mais atenção para as coisas avançarem mais depressa e que é referido por Sandra Garcês, que ganhou há praticamente um ano o prestigiado Premio Pfizer na sequência de um trabalho relacionado com estratégias terapêuticas personalizadas para cada doente do foro reumático, reduzindo os custos do Sistema Nacional de Saúde, e até agora nada foi feito para se avançar nesse sentido: «Já passou um ano e continuamos sem conseguir implementar isto na prática clínica. Não é por questões financeiras – temos uma proposta que até vai reduzir custos. Há uma inércia muito grande. As coisas não mexem, há uma máquina complicada. É necessário que haja articulação entre ministérios por forma a conseguir incorporar aquilo que a ciência produz e pode vir a produzir».

Quando existe articulação entre as pessoas e as instituições, criam-se relações de paz e de desenvolvimento para o futuro. O mundo pula e avança quando todos estão focados para servir o ser humano.

SÍLVIA JÚLIO

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