Cumprir-se-á Xi Jinping?
Faltam oito dias para se conhecer as ideias-chave de Chui Sai On para os próximos cinco anos. Numa primeira abordagem ao programa de recandidatura, o Chefe do Executivo elegeu a habitação e os transportes. Sem dúvida duas matérias que assolam a população de Macau, mas esqueceu-se do mais importante aos olhos de Pequim: o combate à corrupção. Uma breve análise às promessas feitas em 2009 permite concluir que as metas sociais ficaram por cumprir. Se nada fizer, o clã Ho regressa ao poder em 2019.
Fernando Chui Sai On apresenta no próximo dia 16 o programa de recandidatura ao cargo de Chefe do Executivo. Aquando da confirmação de querer cumprir mais cinco anos no Palácio do Governo, foi peremptório a indicar as duas áreas magnas de intervenção: a habitação e os transportes. Não disse foi como tenciona tratar duas questões tão prementes, que há tanto tempo ocupam parte do rol das preocupações da população de Macau, com o primeiro item a sobrepor-se ao segundo.
Chui Sai On chega a esta altura do campeonato sem adversário nas eleições de 31 de Agosto, embora tenha deixado alguma margem de manobra para que alguém o desafiasse. O procurador Ho Chio Meng não capitalizou em apoios políticos a boa imagem que tem junto do Governo Central, Stanley Au concentra esforços em colocar o Delta Ásia no mercado dos dólares, e os delfins de Edmund Ho estão mais do que mentalizados para esperarem por Dezembro de 2019 – ano de grandes movimentações políticas por força da assinatura dos novos contratos de concessão do Jogo em 2020.
Com as saídas mais do que certas de Florinda Chan, Francis Tam e Cheong Kuoc Vá, o Chefe do Executivo poderá finalmente liderar um Governo pensado por si, à sua imagem, sem necessidade de herdar pesos do passado, a não ser que continue a ceder a determinadas forças influentes na hora de nomear os novos secretários. Está aberta a porta para a fixação em força dos homens de Chui Sai On, ganhando este toda a margem necessária para inovar em detrimento de qualquer continuidade imposta. O que no passado não foi de todo negativo. É que apesar das restrições que vinham dificultando a sua acção governativa, o actual líder da RAEM também usufruiu da situação, uma vez que se escudava em terceiros para desculpabilizar as falhas. A partir do próximo mês de Dezembro ganha outro fôlego, mas passa a estar sob o olhar atento do Governo Central.
O ano de 2015 irá exigir muito empenho aos novos secretários, principalmente a Alexis Tam, independentemente da pasta que venha a ocupar, pois está amplamente envolvido no projecto da expansão de Macau para a ilha da Montanha (Hengqin), no complexo dossiê de Taiwan e em inúmeros outros itens que farão dele o super-secretário e homem de confiança do Chefe do Executivo, dos deputados nomeados da Assembleia Legislativa e dos magistrados. Daí o facto da pasta da Economia e Finanças continuar por distribuir, enquanto a Administração e Justiça já não deverá fugir ao actual porta-voz do Governo. Os Assuntos Sociais e Cultura estão igualmente em cima da mesa.
O edifício da Administração Pública clama por uma nova liderança, pois desde 2010 vive num mar de incertezas com muitas cabeças a rolar nos diversos serviços que o compõem, não prevalecendo o princípio das sociedades limpas e impolutas terem como base a integridade dos funcionários públicos. O contra-peso tem sido exercido – por ordem de importância no terreno – pelo Comissariado contra a Corrupção, Ministério Público e Comissariado da Auditoria. Isto é, tem cabido à Magistratura contrariar as más práticas e os actos moralmente condenáveis.
Neste quadro, é compreensível que a escolha da habitação e dos transportes como principais preocupações do futuro Executivo não satisfaça a população. Primeiro, porque não foi avançada a forma de resolver o problema da impossibilidade dos jovens comprarem casa, da galopante subida dos preços de arrendamento, e do incumprimento das regras e constante atropelo da lei por parte das concessionárias de autocarros e de táxis. Segundo, porque o principal problema de quase todos os males de Macau passou ao lado das declarações do candidato: a corrupção.
Desde que tomou posse há cerca de ano e meio o Presidente Xi Jinping tem trabalhado muito no combate à corrupção, tarefa que nomeou como principal prioridade durante o discurso de tomada de posse que proferiu no Grande Palácio do Povo. O recado foi enviado para toda a China, incluindo as regiões administrativas de Macau e Hong Kong, territórios sempre conotados com actividades de branqueamento de capitais e de fortes conluios entre os sectores público e privado.
Numa tentativa de fazer prevalecer o segundo sistema ou por mera inaptidão política, o Executivo tornou corriqueiras as consultas públicas, sendo constantes as intervenções de membros da sociedade que criticam a influência da classe empresarial nas decisões do Governo, levando ao aumento do fosso entre ricos e pobres e à perda da qualidade e nível de vida dos residentes, muito por culpa da inflação, cujos cheques pecuniários revelam ser incapazes de travar. O futuro secretário para a Economia e Finanças herda pois uma situação difícil de gerir, pois na RAEM cofres cheios não é sinónimo de bem-estar. As associações exigem maior responsabilidade na gestão e distribuição das receitas do Jogo. Continua por construir o hospital das ilhas, bem como outras infra-estruturas de elevado preço, bem apetecíveis aos construtores civis da região, de Hong Kong e da China, havendo que dar primazia às empresas de Macau.
Muita continuidade, pouca inovação
No programa de candidatura de Chui Sai On em 2009, o então secretário para os Assuntos Sociais e Cultura identificou quatro desígnios: 1 – Enfrentar a crise financeira global; 2 – Elevar a qualidade de vida dos residentes; 3 – Fomentar adequadamente a economia diversificada; 4 – Reformar o regime administrativo do Governo.
Para enfrentar a crise financeira mundial, o Executivo procurou de forma rápida angariar receitas, promovendo junto de Pequim o aumento da cota de emissão dos vistos individuais e liberalizando o mercado imobiliário com vista ao investimento externo. O resultado foi o desejado no que respeita ao montante das receitas, mas o custo de vida inflacionou, com a habitação a atingir valores apenas semelhantes a Singapura, com a diferença do número de casas económicas e sociais não ser o desejável como acontece na cidade-Estado.
Quanto à qualidade de vida dos residentes, todos os indicadores independentes provam que diminuiu drasticamente em todas as áreas, por consequência do aumento da densidade populacional, não acompanhado com a construção primordial de infra-estruturas sociais e rodoviárias, mantendo-se os canais de abastecimento de bens de primeira necessidade em regime de monopólio.
Também as medidas para diversificar a economia redundaram num conjunto de insucessos, com as indústrias criativas – hoje tão bem acarinhadas em alguns locais da RPC – a registarem um crescimento residual. A marca “Made in Macau” está praticamente resumida a bolachas, carne prensada e “souvenirs” turísticos. O comércio tradicional é quase inexistente, estando as principais artérias da Península de Macau pejadas de lojas de artigos de luxo. As rendas do imobiliário assim o ditou, sem que tivessem sido tomadas medidas governamentais para travar a situação.
Por último, a reforma da Administração Pública tem ganho contornos dentro das paredes da Assembleia Legislativa – a mesma que aceitou o regime de garantias dos titulares dos principais cargos – com poucos resultados na prática. A concentração dos concursos públicos num só órgão competente tem evitado a propagação dos contratos individuais de trabalho, mas a sua existência continua a ser fonte de discórdia no seio dos serviços públicos, com graves consequências na qualidade do atendimento prestado aos utentes.
A provar que mais do que angariar receitas há muito a fazer em prol da população, as Linhas de Acção Governativa para 2014 não diferem muito das aprovadas em anos anteriores, à excepção dos montantes distribuídos aos residentes, entre os quais se encontra o “Plano de Comparticipação Pecuniária”; dinheiro que muita falta faz a alguns, mas que não resolve o problema da inflação, da habitação, dos transportes e de tantos outros.
José Miguel Encarnação
jme888@gmail.com