O Comunismo ao Poder.
A 25 de Outubro de 1917, milhares de comunistas tomaram de assalto o Palácio de Inverno do czar, em Sampetersburgo, na Rússia. O acontecimento não marcou o fim da milenar monarquia russa, que já tinha acontecido oito meses antes, mas inaugurou uma experiência política radical que mudou o mundo.
Hoje, são poucos aqueles que se consideram comunistas – pelo menos quando se compara com o que acontecia até 1991, quando a União Soviética se desmoronou.
Das dezenas de países que chegaram a ter o marxismo-leninismo como ideologia oficial, apenas restam quatro: China, Cuba, Laos e Vietname. Um quinto, a Coreia do Norte, adoptou uma versão muito própria do ideário comunista, chamada Juche.
Mesmo no actual clima de contestação face aos bloqueios das democracias liberais capitalistas não é visível um ressurgimento do apoio popular às ideias de Marx, Engels e Lenine, e muito menos às do “Grande Timoneiro” chinês, Mao Tsé-Tung.
A China pode ser qualificada como um país comunista porque só esse partido pode lá governar, mas há muito que deixou de lado as ideias económicas e sociais próprias de um regime desse tipo. Economicamente, a China é um país capitalista – tem, aliás, um dos capitalismos mais selvagens de que há registo, porque se apoia no poder de um estado ditatorial que submete os cidadãos às conveniências dos negócios sempre que quer.
O mesmo se pode dizer do Vietname e, no futuro, é bem provável que se diga o mesmo de Cuba.
A razão para esta falta de adesão ao comunismo, mesmo por quem o diz praticar, é simples: ele falhou.
Falhou porque todos os seus principais preceitos económicos – planeamento centralizado da economia, colocação de todos os meios de produção nas mãos do Estado, abolição da iniciativa privada – se mostraram incapazes de criar o paraíso na Terra que era propagandeado pelos seus defensores.
Falhou porque, apesar de prometer a liberdade, o fim da opressão e da exploração do homem pelo homem, trouxe exactamente o oposto. Todos os Governos comunistas impuseram o seu domínio através da repressão sobre as suas próprias populações. Calcula-se que terão sido mortas nessas perseguições organizadas – e friso organizadas – pelo menos 85 milhões de pessoas, ou seja, mais do que as que pereceram na II Guerra Mundial.
O comunismo, tal como o conhecemos, tem as suas origens nas ideias de dois filósofos alemães do século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels, mas só passou à prática graças à determinação impiedosa dos líderes bolcheviques russos Vladimir Ilich Ulianov, mais conhecido por Lenine, e Leon Trotsky, entre outros.
Foram eles que , depois da Revolução de Fevereiro de 1917, que levou à abdicação do czar Nicolau II, conseguiram criar um partido e uma força armada (o futuro Exército Vermelho) capaz de bater toda a concorrência – e era muita.
Entre Fevereiro e Outubro desse ano, Lenine e os seus apoiantes conseguiram debilitar mortalmente os Governos moderados do príncipe Lvov e de Alexander Kerensky e tomar o controlo dos sovietes – os conselhos de trabalhadores e militares que tinham assumido grande parte do controlo do País.
A 25 de Outubro de 1917 (data do calendário juliano, que vigorava na Rússia na altura; no nosso calendário, gregoriano, era 7 de Novembro), os comunistas tomaram o poder em Sampetesburgo e Moscovo, mas não em todo o País. Os mencheviques, os socialistas revolucionários, os monárquicos e vários outros partidos políticos opuseram-se pela força. Daí irrompeu uma guerra civil sangrenta que só terminaria em 1922, com a vitória dos comunistas. E dessa vitória nasceu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que lideraria o mundo comunista até ao seu fim, em 1991.
Um das lições que há a retirar da Revolução de Outubro é que, muitas vezes, uma minoria determinada e convicta vence um confronto, por muito desiguais que sejam as forças. Os bolcheviques estavam muito longe de ter o apoio de toda a Rússia, mas mesmo assim triunfaram em Outubro de 1917 e cinco anos depois. Nem a intervenção militar do Reino Unido, dos Estados Unidos, da França e de outros países ao lado do Exército Branco, que combatia o Exército Vermelho, foi suficiente para impedir essa vitória.
Mas atenção: as minorias mobilizadas só têm hipóteses de vencer se os poderes vigentes recusarem a modernização e o estabelecimento de compromissos que resolvam os problemas das camadas mais descontentes da sociedade.
Desde os finais do século XIX que a monarquia russa era abalada por revoltas, assassinatos políticos, derrotas militares e tentativas falhadas de reforma política. Apesar de ser notório que o País precisava de se democratizar, pois só assim seria possível resolver os problemas económicos e sociais que afligiam um operariado cada vez maior e mais reivindicativo, o czar Nicolau II teimou na sua crença de que governava por direito divino e que, por isso, as suas ordens não podiam ser questionadas por um parlamento qualquer.
Essa incapacidade do regime para mudar e modernizar-se condenou-o. As desigualdades abissais da sociedade russa podiam ser mantidas, sem grandes abalos, num mundo de camponeses analfabetos; o mesmo já não acontecia nas grandes cidades industriais que cresciam a um ritmo frenético nos finais do século XIX e no início do Século XX.
Finalmente, há a guerra. Sem a I Guerra Mundial e a desastrosa participação que a Rússia teve nela, muito provavelmente os bolcheviques nunca teriam tomado o poder.
Foi a guerra que desmoronou o exército russo; foi a guerra (e a sua má condução) que destruiu irremediavelmente o prestígio do czar; foi a guerra que causou uma crise económica que deixou o País à beira do colapso; foi a guerra que possibilitou que Lenine voltasse à Rússia, pela mão da Alemanha, a inimiga do seu próprio país.
Cem anos depois, as lições da Revolução Russa continuam válidas para todos os regimes: reformar e pactuar é preciso; as minorias radicais mobilizadas podem tomar o poder se as maiorias moderadas se deixarem fraccionar; as guerras derrubam regimes, por muito antigos e consolidados que eles pareçam.
ROLANDO SANTOS