Páscoa, um convite à introspecção e transformação pessoal
É para os católicos de todo o mundo a semana mais importante do ano, e Macau não é excepção! Centenas de fiéis encheram, no passado Domingo, a igreja da Sé Catedral, para assinalar a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém. As celebrações deste dia marcaram o início da Semana Santa, período em que são contemplados os últimos dias da vida terrena de Jesus e que sintetiza os princípios fundamentais da fé católica: a vitória da vida sobre a morte, pela Ressurreição.
A incursão pelo Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, que a Semana Santa proporciona aos católicos – argumenta Francisco Vizeu Pinheiro – tem, antes de mais, o mérito de confrontar católicos e não católicos com a imanência e a inevitabilidade do nosso desaparecimento físico, numa sociedade que se furta à reflexão sobre a vida, o sofrimento e a morte. «Há, um tanto ou quanto, essa mensagem de não se falar na morte, de não se falar em sofrimento, de não se falar na Cruz, o que é algo um pouco estranho, até porque a morte é inevitável. É algo que há de acontecer e a Paixão de Cristo ajuda-nos, a nós próprios, a enfrentar o sofrimento e a morte, a nossa ou a de outras pessoas. As celebrações da Semana Santa têm essa importância e eu alegro-me que, aqui em Macau, esta tradição secular permaneça forte», defendeu o arquitecto, em declarações a’O CLARIM.
A consciência de que a morte é inevitável, mas que graças a Jesus Cristo não é o fim, reveste as celebrações do Mistério Pascal de um véu de esperança, mas também de apelo à introspecção e ao recolhimento. Para Francisco Vizeu Pinheiro, a Páscoa e os Passos da Paixão confrontam os católicos com a necessidade de olharem para o Mistério da Morte e da Ressurreição como marca da sua salvação em Cristo. «É um período de meditação e de oração, sobretudo através da Bíblia e da Paixão. Cada vez que se lê a Bíblia, há sempre aspectos novos que se descobrem. Há uma palavra que tem um significado que estava escondido e que não foi totalmente revelado na primeira leitura. A Bíblica tem muitos destes aspectos e a pessoa, à medida que estuda a História da Igreja, a história do povo judeu, vai descobrindo novas revelações, novos pormenores», acrescentou o também professor da Universidade de São José.
AO ENCONTRO DE DEUS E DOS OUTROS
Introspecção, reflexão e recolhimento. Para Irina Rosado de Carvalho, a Páscoa, mais do que qualquer outro período do Calendário Litúrgico, confronta os católicos com um apelo ao sacrifício, à regeneração e ao exame de consciência. Catequista na paróquia da Sé, Irina encara o sacrifício a que Jesus Cristo se submeteu, em prol da salvação da Humanidade, como um incentivo para fortalecer o relacionamento com Deus e estreitar o relacionamento com os outros. «Todos os anos, procuro viver a Páscoa como um período de introspecção das minhas acções e um momento de reflexão pessoal face ao sacrifício extremo que Jesus fez na Cruz até à sua morte e que conduzem, depois, ao momento da sua Ressurreição. Nesta fase, dedico-me a fortalecer a minha relação com Deus e o meu percurso na fé, intensificando as minhas acções espirituais e questionando-me como posso contribuir mais e dar o melhor de mim aos outros», disse. «Neste período procuro ainda aprofundar a minha fé ao longo dos quarenta dias, desde a Quarta-Feira de Cinzas até à Quinta-feira Santa, culminando na Vigília Pascal e nas celebrações de Domingo de Páscoa. Para mim, a Páscoa aproxima-me de Deus mais ainda e ajuda-me a reflectir sobre os momentos e os sacrifícios vividos por Jesus. Nesta altura também opto por fazer alguns sacrifícios pessoais, empenho-me para honrar alguns compromissos e procuro valorizar a importância de cada momento da minha vida como ser humano e como católica. Diariamente faço orações, especialmente dedicadas ao período em que Jesus viveu, e pratico a habitual Sexta-feira sem carne e alguns períodos de jejum», complementou.
A exemplo do que faz Francisco Vizeu Pinheiro, Irina Carvalho procura envolver-se o mais que lhe é possível nos momentos fundamentais da Semana Semana, que culminam no anúncio da Ressurreição do Senhor durante a Vigília Pascal. Uma tal vivência, argumenta a catequista, abre portas a uma experiência mais fundamentada da fé. «Procuro não só ir à Missa, como também tento participar nas celebrações como forma de agradecer e retribuir a Deus através das actividades da comunidade católica de Macau. Entre os momentos mais importantes, para mim está a profunda reflexão que faço ao longo dos quarentas dias da Quaresma e, sem dúvida, que a Procissão de Jesus na Cruz, e depois Morto, representa em Macau um momento muito especial que culmina com a Vigília Pascal e o Domingo de Páscoa», sublinhou. «São momentos únicos vividos de forma muito forte pela comunidade católica em Macau. Acho que principalmente, com tudo o que a população superou nos últimos anos, sinto-me mais presente e consciente da importância da fé em Deus; acima de tudo pela lição que aprendi com a superação e a resiliência das dificuldades vividas nos últimos tempos», concluiu.
Para José Basto da Silva, o impulso para olhar para dentro e escrutinar a alma é um dos aspectos fundamentais da celebração da Páscoa em toda a sua plenitude. Voz incontornável das celebrações litúrgicas em língua portuguesa na Sé Catedral, o coralista diz que os acontecimentos da Semana Santa confrontam o Homem com a magnitude do sacrifício feito por Jesus Cristo. «É importante que as pessoas se preparem, façam um exame de consciência. Acho que aquilo que se passou na altura e que as leituras relatam, se alguém se conseguir posicionar no tempo e no espaço, não tem como não se sensibilizar e, de alguma forma, sentir a dor e estremecer por dentro. Acho que esta altura, de facto, nos faz pensar que somos afortunados, sobretudo com o que se passa no resto do mundo. Temos que enquadrar as coisas e dar graças a Deus», salientou José Basto da Silva. «Confesso, no entanto, que a época que mais me toca é o Natal. Não que esta altura não seja importante, porque o é. Mas esta época é importante porque nos entristece e nos faz recolher e assumir a nossa insignificância e a nossa humildade. Mas, o momento do Natal é de júbilo, é de alegria, é de uma explosão de felicidade. O nascimento, no fundo é, um brotar da nossa fé», rematou.
Marco Carvalho