Como seres humanos, como cidadãos de uma nação e do mundo, como cristãos, a nossa humanidade e a nossa fé comprometem-nos a construir a paz: a ter paz na nossa vida pessoal e a promover a paz social no nosso mundo conturbado. Todos nós desejamos a paz, diz Santo Agostinho, e acrescenta São Tomás: “desejamos obter o que desejamos”: a paz através da promoção contínua da paz por meios pacíficos.
Na perspectiva humana, todos os homens e mulheres de boa vontade trabalham pela paz. Os crentes de todas as religiões são chamados a ser artesãos da paz, “a trabalhar juntos pelo bem comum e pela promoção dos pobres” (Papa Francisco).
Na perspectiva cristã, a paz é um dom de Deus e uma tarefa para os seus filhos. É uma graça de Deus por meio de Jesus Cristo e uma responsabilidade para todos os discípulos de Jesus. A paz é uma das Bem-aventuranças e um fruto do Espírito Santo. “Os crentes de todas as religiões são chamados a trabalhar juntos pelo bem comum e pela promoção dos pobres” (cf. Papa Francisco, Fratelli tutti).
A seguir, apresento a minha RECEITA SIMPLES PARA A CONSTRUÇÃO DA PAZ:
(1) Esteja em paz consigo mesmo e com Deus
Para estar em paz com os outros, tenho de estar em paz comigo mesmo: a paz começa dentro dos nossos corações (São Paulo VI). Sem paz interior, não posso dar paz aos outros, como se pede a um cristão (cf. Lc., 10, 5-6). Para alcançar a paz interior, os apetites desordenados, as más tendências e os vícios devem ser pacificados. Como diz a letra da conhecida canção, que haja paz na terra, e que ela comece por mim.
Para estar em paz comigo mesmo, eu, um pecador, preciso estar em paz com Deus, pois o pecado é divisão, ruptura, escuridão: preciso arrepender-me e ser perdoado pelo bom Deus. Tenho de estar em paz com Cristo: “Uma vez que consideramos Cristo a nossa paz, só podemos chamar-nos verdadeiros cristãos se as nossas vidas manifestarem Cristo através da nossa própria paz” (Gregório de Nissa).
Lembro-me das palavras de São Serafim: Adquira paz interior e milhares à sua volta encontrarão a libertação.
(2) Esteja em paz com a sua família mais próxima e com a comunidade
Assim como o amor ao próximo é praticado em primeiro lugar com os vizinhos mais próximos, também a paz social deve ser vivida, em primeiro lugar, estando em paz com os membros da minha família, da minha comunidade, da minha associação profissional.
Para ser um pacificador como membro da comunidade, tenho de ser respeitoso, honesto, indulgente, paciente, não violento nos pensamentos, palavras e acções. Tenho de ser dialógico, não dogmático; democrático, não autoritário; aberto, não fechado em mim mesmo.
(3) Nas vossas comunidades, sejam construtores da paz
São Paulo aconselha-nos: «Fazei tudo o que estiver ao vosso alcance para viver em paz com todos» (Rm., 12, 18).
Método dos pacificadores: de dentro para fora; da pequena comunidade para a grande comunidade; da nação para a região, para o mundo; da paróquia para a diocese, para a Igreja universal. Para os discípulos de Jesus, o mundo é a sua paróquia.
Com todos os homens e mulheres de boa vontade, tenho de promover a paz pacificamente. Tenho de promover com os outros a vida, a justiça, a igualdade dos Direitos Humanos, o desenvolvimento integral e a integridade da criação. Tenho de percorrer os caminhos da justiça e da solidariedade, os caminhos das virtudes. Acima de tudo, o amor pacífico.
Não à guerra; e sim à paz, acima de tudo, “a paz de Cristo Ressuscitado” (Leão XIV). Não à destruição da vida: de crianças por nascer, idosos doentes e criminosos; e sim à vida, desde o momento da concepção até à morte natural. Não à “justiça” do “olho por olho”; e sim à justiça/amor compassivo. Não à dissuasão “como caminho para a paz mundial” (cf. Papa Francisco, Ft); não às nações e ao mundo armados; e sim ao alívio da pobreza e da miséria num mundo rico onde milhões morrem de fome e de falta de amor. Enquanto alguns – ou nem tão poucos – vivem egoisticamente e de forma irresponsável, desperdiçando recursos, consumindo em excesso e deitando fora o que outros precisam para sobreviver.
(4) Estar em paz com a Criação
A pessoa humana é um microcosmo, ou seja, um indivíduo único, um ser racional e livre. É também membro do macrocosmo, ou seja, uma criatura do Universo. Uma criatura de Deus, co-criadora com Deus e sob Deus.
Como criaturas do Universo, todos os seres humanos devem respeitar e melhorar a natureza e não explorá-la de forma irresponsável e ditatorial. Lembro-me das palavras significativas do Venerável Fulton Sheen: “O lixo moral é a causa do lixo ecológico”.
Mulheres e homens preocupados, e os crentes de maneira particular, devem difundir a consciência ecológica (desligada de ideologias estreitas), a responsabilidade ecológica e trabalhar juntos para que todas as pessoas e povos compartilhem a herança comum que é a terra, o lar de todos.
Para estar em paz com a criação, também precisamos estar em paz com Deus: se o homem não está em paz com Deus, nem a terra está em paz (São João Paulo II). Exilar Deus, o Criador, da sua criação é exilar-nos a nós mesmos.
(5) Partilhar algo com os pobres
Não posso amar a Deus sem amar o próximo (cf. 1 Jo., 4, 7-21). Não posso amar todos os próximos sem amar de maneira especial o próximo pobre (cf. Mt., 25, 31-36).
Há uma voz forte no nosso mundo que chama a nossa atenção para cuidar especialmente das espécies vivas ameaçadas de extinção. Como nos lembra Leonardo Boff, a espécie mais ameaçada: os pobres. A nossa humanidade e a nossa fé chamam-nos a cuidar de maneira principal dos necessitados e marginalizados do mundo. Temos de ouvir o clamor dos pobres, não apenas o clamor da criação.
Nunca nos esqueçamos de que Cristo está de maneira especial nas pessoas pobres: «Pois tive fome, e me destes de comer (…) Com toda a certeza vos asseguro que, sempre que o fizestes para algum destes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o fizestes» (Mt., 25, 35-40). Lembro-me das palavras significativas dos bispos canadianos: Vivamos com simplicidade para que outros possam simplesmente viver.
(6) Rezar pela paz
A paz interior e a paz exterior são dons de Deus que nos exortam a cooperar com estas graças. Por isso, e conhecendo as nossas fraquezas, rezamos pela paz: a oração dá alegria ao espírito, paz ao coração (São João Crisóstomo).
A oração, a meditação e a contemplação – acompanhadas pelo arrependimento e pela compaixão – são instrumentos eficazes para aprofundar e fortalecer a paz interior. Através da oração genuína, a comunhão com Deus e com o próximo é aperfeiçoada, assim como a paz como efeito do amor e da caridade, ou do amor de Deus nos nossos corações.
Os cristãos rezam pela paz na Celebração Eucarística e oferecem uns aos outros um sinal de paz. Seguindo o exemplo de Jesus, que se torna o Pão da Vida para nós, somos exortados a sermos “partidos e partilhados” com os outros. Na Oração, pedimos ao Senhor que nos dê o «pão nosso de cada dia», ou seja, pão para nós e para todos, especialmente para aqueles entre os nossos irmãos e irmãs que não têm pão. Pedimos a Maria, Mãe de Cristo e nossa Mãe, e a todos os anjos e santos, que nos ajudem a comprometer-nos com a paz, com a construção da paz por meios pacíficos: “Não há caminho para a paz; a paz é o caminho” (Gandhi).
A tarefa da paz é a pacificação! O dom da paz de Deus é como uma semente que deve produzir progressivamente frutos de verdade, justiça, liberdade, amor e compaixão, e o respeito e a promoção da vida.
É fácil falar ou escrever sobre o Evangelho da Paz. É muito fácil denunciar a injustiça, a violência e o egoísmo. Não é difícil dizer aos outros – dizer-vos – para optarem pela justiça, pela paz e pelos pobres.
O meu excelente professor de Ética Social Cristã, Ricardo Alberdi, costumava dizer-nos, depois de denunciar veementemente a injustiça e proclamar de forma convincente a justiça: «– Somos todos membros da Igreja de Cristo. De alguma forma, ela ainda está parcialmente presa na teia do capitalismo; e o mesmo acontece com muitos dos seus membros. E o mesmo acontece connosco. E o mesmo acontece comigo! Portanto, aconselho-vos a começar o vosso ensino e pregação sobre a justiça – ou sobre a paz – assim: “Eu sou um pecador; ainda assim, digo-vos, não em meu nome, mas em nome de Jesus: Sede justos; sede pacificadores”».
E para terminar! Lembro-me das palavras do profeta Isaías: «Como são maravilhosos, sobre as colinas, os pés do mensageiro que anuncia as Boas Novas, que comunica a todos a Paz, que traz boas notícias, que proclama a Salvação, que declara a Sião: “O teu Deus reina!”» (Is., 52, 7).
Pe. Fausto Gomez, OP

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