CALDAS DE SÃO JORGE

CALDAS DE SÃO JORGE

Termas, plátanos e igreja matriz

Nos últimos dias, o nosso camarada de profissão e bom amigo Joaquim Magalhães de Castro tem vindo a informar nas redes sociais sobre o que se está a “preparar” na sua terra natal, Caldas de São Jorge – conhecida estância termal do distrito de Aveiro. Terra antiga, com grandes tradições que vão muito além das termas, estas património cultural e natural. Aliás, este é precisamente o alvo de uma campanha desenfreada em tempo de eleições. E é isso mesmo que o nosso conhecido investigador da História de Portugal na Ásia nos vem alertando com grande veemência.

Não fossem as termas famosas com as suas águas reconhecidas pelas qualidades terapêuticas, sulfurosas, para o tratamento de doenças das vias respiratórias, pele e foro músculo-esquelético, e Caldas de São Jorge até poderia passar despercebida. Felizmente, há pessoas atentas e com perspicácia para não deixar avançar a fixação doentia pelo betão, em detrimento do património natural.

Em Caldas de São Jorge a edilidade lembrou-se, sem consultar a população, de destruir uma avenida cheia de plátanos centenários para ali edificar um projecto moderno, de cimento!

Lembro-me de ouvir falar nas Caldas de São Jorge desde pequeno porque tinha um familiar que ali ia “fazer termas” anualmente. Aquando de uma deslocação a Norte, no passado fim-de-semana, decidi fazer um pequeno desvio na rota normal e passar pela vila. Não tivemos muito tempo, devido ao limite à circulação que ainda está em vigor aos fins-de-semana. Porque passava da uma da tarde nem deu para parar pois estava tudo encerrado. Ainda assim, deu para passar pelo centro e ver alguns dos “malfadados” plátanos que tanta coceira fazem ao presidente da Câmara Municipal. Contudo, deu para conhecer mais uma joia religiosa de Portugal: a sua Igreja Matriz, um edifício que foi acabado de construir em 1732 e benzido, como se pode ler numa placa à entrada, em 1735. Esta placa, colocada do lado esquerdo da fachada, é acompanhada por outra situada no lado oposto que assinala o centenário da igreja (21 de Julho de 1835). Estamos perante um edifício com quase três séculos de história e com muitas estórias para contar; algumas bem caricatas, digamos. Porventura, os naturais desta linda vila devem saber bem mais do que eu, pelo que só irei referir dois acontecimentos relacionados com o facto desta zona ser muito ventosa e frequentemente fustigada por trovoadas.

O primeiro incidente remonta a 1892, num Domingo escuro de nuvens carregadas que trouxeram uma trovoada assustadora. O barulho dos trovões e os clarões dos relâmpagos eram de tal intensidade que o povo rezava no interior da igreja por apoio divino. A torre foi atingida por um relâmpago que espalhou pânico entre todos; felizmente, a carga eléctrica acabou encaminhada para o solo sem fazer grandes estragos. Já em 1930, num dia muito semelhante, o desfecho foi bem diferente. A descarga foi de tal ordem que a cruz da torre caiu e trouxe atrás um globo de pedra e um pedaço da peanha (a base onde estava assente), causando avultados danos na cúpula e danificando parte dos azulejos que cobrem as paredes do templo. Fazendo jus à fama de vila ventosa, em 1912 a cruz caiu ao chão uma vez mais. Desta vez, partiu telhas e acabou por se danificar, tendo de ser substituída. Aliás, devido a este incidente, a igreja esteve sem cruz mais de um ano!

Outro pormenor curioso acerca desta pequena vila e que se apresenta algo misterioso é o facto de existir documentação dando conta de que em 1851 havia sido descoberta uma mina de cobre; desde então, nada mais foi encontrado e nem sequer se sabe a sua localização em concreto. Uma descoberta que poderia ter mudado o rumo da pequena localidade.

Apesar da sua pacatez, a qualidade de vida e a natureza envolvente fazem deste local uma prioridade em termos de preservação, pelo que tanto as gentes locais como não-residentes devem vir a público manifestar-se contra quem quer destruir património natural que durante séculos tem acompanhado o crescimento dos autóctones e contribuído para o enriquecimento da história local.

Infelizmente, em Portugal existem muitas Caldas de São Jorge e sendo 2021 ano de eleições autárquicas os atropelos e a destruição de património natural e histórico/cultural vão-se sucedendo em catadupa.

Até ao momento, em Caldas de São Jorge muitos dos actuais moradores e antigos filhos da terra têm erguido a sua voz, contra este desenfreado “desenvolvimento” moderno que se quer impingir a toda a força: cimento e arquitectura igual em todo o lado, em substituição de edifícios históricos com personalidade própria e de zonas verdes que perduram há séculos; tudo porque meia dúzia de amigos querem construir e ganhar mais uns milhões de euros do erário público.

Haja vergonha na cara (do poder político), especialmente em ano de eleições…

A terminar, uma nota de rodapé. Uma notícia que preferíamos não vos trazer, mas que vem no encadeamento da crónica anterior. Infelizmente, o nosso amigo e companheiro de quatro patas não resistiu e não voltou a acordar, tendo falecido durante o sono, em paz com tudo e com todos. Que descanse em paz e nos sirva de consolo saber que acabou o seu sofrimento. Custa, custa tanto que fico com lágrimas nos olhos sempre que tenho de escrever algo sobre o nosso Noel. Deus o guarde num lugar especial, pois bem merece!

João Santos Gomes

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