Bote furado

Não fosse a minha pouca inclinação para o estilo melodramático até iria achar alguma piada, ou no mínimo entretenimento, ao que se tem passado nos últimos dias no que diz respeito ao novo bote.

Como sabem, se nos vêm acompanhando, depois de dois botes insufláveis decidimos que o próximo seria rígido e que nos desse a opção de o utilizar também, além do motor e dos remos, com vela. Assim, daqui a pouco tempo, poderemos iniciar a Maria na lides das velas – se bem que o conjunto de vela, mastro e retranca terá de ficar para mais tarde. Para já é mesmo só o bote porque motor e remos já temos.

Decidimos adquirir um modelo da marca Walker Bay – leve, de plástico e muito utilizado pelos navegadores, com provas provadas de durabilidade e versatilidade de utilização. De entre dois modelos que a marca disponibiliza, optámos pelo mais pequeno, de apenas oito pés. Para nós é suficiente, se bem que mais pequeno, se comparado com o insuflável de onze pés que temos actualmente, com capacidade para seis pessoas. A encomenda e o pagamento – estas coisas pagam-se sempre em adiantado (sempre me ensinaram que quem paga adiantado é mal servido, e cada vez mais acredito nesse ensinamento dos meus pais) – foram feitas no início de Julho, para que fosse entregue só no final de Agosto porque, segundo nos disseram, o dia do pagamento coincidia, exactamente, com o dia em que o contentor do mês de Julho deixaria St. Martin (onde se encontra a casa mãe da cadeia de lojas onde o comprámos, a Budget Marine). Muito contra-vontade aceitámos a desculpa e engolimos, esperando pelo final de Agosto para receber o novo bote.

Na data prevista, mais propriamente no dia 23, a NaE voou para Macau, sendo que o bote chegava no dia 24. Por um dia não iria ver o tão desejado meio de transporte. Nessa segunda-feira esperei que me telefonassem. Esperei em vão! Sem qualquer contacto, no dia seguinte, terça-feira, decidi ir ao estabelecimento para saber o que se passava. Foi-me dito que não tinha vindo qualquer bote com as nossas especificações porque não estava disponível em St. Martin. Perguntei porque só agora, no dia em que deveria ser entregue, haviam chegado à conclusão que não podiam satisfazer o pedido? Deviam, pois, ter entrado em contacto muito antes a explicar a situação e assim tentar encontrar uma solução. Tal argumento não surtiu qualquer efeito. Não havia, não havia, paciência! Nem o facto de estar pago mudaria as circunstâncias. Pedi para falar com o gerente, mas visto ser hora de almoço o mesmo mandou dizer que eu teria de esperar mais de uma hora até que terminasse o manjar. Claro está que não esperei.

Na segunda-feira seguinte, dia 31 de Agosto, entrava ao serviço a pessoa que tinha recebido a encomenda – a gerente assistente do estabelecimento – pelo que decidi esperar para falar com ela directamente, visto que o seu superior não estaria muito disposto a resolver a situação.

Não vale a pena pensar em apresentar queixa formal ou algo parecido. As Caraíbas são um mundo completamente diferente daquele a que estamos habituados e tudo se resolve de forma sui generis – ao estilo das Caraíbas, como dizem, com um sorriso na cara.

Por mero acaso, encontrei a senhora num supermercado, tendo ela perguntado se já tinham entregado o bote. Deduzi que nem sequer tinha sido informada da situação, respondendo-lhe que na segunda-feira íamos “conversar”.

Quando ficou a saber o que se passava fez todos os possíveis para resolver a situação, tendo encontrado um bote igual na loja da mesma cadeia em Trinidade e Tobago. Apresentava uns pequenos riscos, dano pelo qual seria compensado.

Estando farto da situação disse-lhe que desde que boiasse aceitava ficar com o bote, que não chegou no dia entre nós acordado. Os danos visíveis nem eram assim tão grandes (apenas uns pequenos riscos cosméticos). Isto até eu e o capitão do Gentileza o colocarmos na água… Entrou água junto da válvula de esgoto, pelo que em poucos minutos afundaria. Retirámo-lo da água, telefonei para a loja a informar do infortúnio e a camioneta que fez a entrega nem chegou a sair do recinto da marina.

Levantou-se então outro problema: não há outro bote nas Caraíbas disponível para entrega, pelo que tinha duas opções: esperar até meados de Outubro, até que chegasse nova remessa, ou receber o dinheiro e desistir do novo bote.

Verdade seja dita que a gerente assistente tem tentado tudo para resolver o problema, tendo sugerido outra alternativa. Há outro bote em Trinidade e Tobago, mas de dez pés, maior do que o inicialmente encomendado. Caso aceitasse entregar-mo-ia sem qualquer encargo adicional. Um bom negócio visto que a diferença de preço é superior a cinquenta por cento entre o de oito e o de dez pés. Aceitei, pois não tenho outra opção. O bote vai atravancar ainda mais o convés quando navegarmos, mas desde que bóie tudo bem.

Resta esperar até ao dia 28 deste mês. Apesar de Trinidade e Tobago ser aqui ao lado, só há um barco de carga por semana, à sexta-feira, e a decisão foi tomada pouco tempo depois do navio ter zarpado. Agora há que esperar mais uma semana, dois dias antes de sairmos de Grenada, a 1 de Outubro.

Quanto ao resto, estamos bem e o tempo tem cooperado. Sol, calor, alguma chuva e boa disposição.

JOÃO SANTOS GOMES

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