«Os cidadãos, o sector privado e o Governo têm de trabalhar juntos»
A igreja de São José Operário, na Areia Preta, acolhe a 19 de Setembro duas palestras – uma em Cantonense e a outra em Inglês – sobre a mensagem da encíclica Laudato si. Trata-se da primeira de duas iniciativas sobre protecção ambiental promovidas pela diocese de Macau. Uma semana depois, a 25 de Setembro, a mesma igreja acolhe um evento sobre reciclagem, promovido pelo projecto “Macau for Waste Reduction”. As iniciativas são da responsabilidade de Benvinda dos Santos Keong, que integra o Grupo de Preocupação com os Assuntos Sociais da Comissão Diocesana para a Vida. A activista ambiental em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM– Cuidar da nossa casa comum. Esta é a principal mensagem da encíclica Laudato si. Enquanto fiéis o que devemos e podemos fazer para enfrentar questões como o aquecimento global ou proteger o planeta em que vivemos?
BENVINDA SANTOS KEONG– Como católica, mas principalmente como cidadã e como alguém que habita este planeta, acredito que temos de prestar mais atenção à informação relativa à Terra e compreender um pouco mais sobre o ciclo de vida dos produtos. Estamos sempre a ler sobre estas questões nos jornais, a ver reportagens na televisão e, a maior parte das vezes, a sensação com que ficamos é que isto está a acontecer noutro lado, que não nos diz respeito. Boa parte da população de Macau tem a percepção que estes problemas ocorrem noutros lados e, como tal, não são problemas que nos digam respeito. E, na verdade, não são. Macau é um território com alguma sorte. Não sentimos qualquer tipo de perigo eminente. No entanto, as mudanças estão a ocorrer lentamente e a tornar-se cada vez mais óbvias. Antes de mais, temos de prestar atenção às notícias e tomar consciência de que o problema existe. Não podemos alimentar a ideia de que é algo que só acontece aos outros. É um problema global e nós somos parte dele.
CL– Esse tipo de percepção está a aumentar em Macau? Os residentes de Macau estão hoje mais conscientes dos desafios que enfrentam?
B.S.K.– Estão conscientes de que há um problema em termos de poluição, mas não têm a consciência de que são eles que o estão a causar. Quase tudo o que usamos hoje em dia pode ser uma fonte de poluição. Uma embalagem de champô, por exemplo. É algo bastante banal, não é? Se precisar de champô, pode adquiri-lo no supermercado. O que as pessoas não percebem é que, quando estão a adquirir champô, estão também a comprar lixo. Depois de usarmos o champô, a embalagem torna-se imediatamente lixo. É plástico e se não for reciclado vai ficar retido no ambiente. Temos de romper com estas práticas, reavaliar as nossas práticas e perceber se são elas que estão na origem do problema. Necessitamos de mudar o nosso posicionamento. E as pessoas têm de estar ao corrente desta informação. Quando falamos de plástico, de poluição ou das alterações climáticas, as pessoas assumem que o problema é tão grande que o Governo é o único capaz de as resolver. As pessoas não têm a consciência de que somos nós, todos nós, quem está a causar o problema. Ninguém consegue dar resposta a estes desafios, senão nós. Necessitamos de tomar esse passo. Numa sociedade como a nossa, os cidadãos, o sector privado e o Governo têm de trabalhar juntos. Se nós, os consumidores, promovermos a mudança, as empresas seguirão no nosso encalço. O Governo deve criar infraestruturas e condições legais para que as mudanças aconteçam. Precisamos de trabalhar juntos. Não podemos esperar que os outros resolvam o problema. Temos de chamar a nós a acção.
CL– A Laudato sifoi publicada há seis anos, em 2015. Acha que a percepção que os católicos têm das questões ambientais mudou desde que a encíclica foi publicada?
B.S.K.– Todas as semanas, quando vamos à Igreja, o sacerdote fundamenta o seu sermão nos ensinamentos, mas o que parece é que são poucos os que colocam esses ensinamentos em prática. Ao longo dos últimos quinze anos, o que as pessoas têm feito é tirar proveito do crescimento económico de Macau. Hoje em dia é tudo muito barato, é muito fácil comprar qualquer coisa. Estamos a colher todos os benefícios da vida moderna: mandamos entregar comida ao domicílio, compramos roupa através da Internet. É muito fácil fazer tudo isto num piscar de olhos. Esquecemo-nos, no entanto, que quando levamos as nossas opções demasiado longe, podemos estar a causar um problema. Quando compramos em demasia, mais do que necessitamos, estamos a gerar muita poluição, a criar muitos resíduos. O que me parece é que as pessoas estão a ir demasiado longe para tirar proveito dos benefícios do mundo moderno. Acho que temos de parar para pensar. Não nos podemos esquecer que ainda há muita gente pobre, que ainda há muita pobreza em todo o mundo. Nós somos os felizardos. Podemos tirar proveito de todos estes benefícios. Foi por isso que lhe disse que necessitamos de tirar proveito do ciclo de vida de todas estas coisas. É provável que as roupas que usamos sejam feitas por alguém muito pobre, numa região muito pobre do planeta. O mais certo é que estas pessoas vivam em condições muito difíceis e, por isso, temos de compreender que tudo o que fazemos, por mais pequeno que seja, tem impacto nas outras pessoas. Se comprarmos essa roupa, estaremos a incentivar essa indústria. Quando compramos mais do que necessitamos, estamos a gerar poluição. Se as pessoas tiverem isto em consideração, estou certa que algumas estarão dispostas a mudar. Se temos o hábito de ir às compras todas as semanas, talvez possamos comprar menos. É fundamental que possamos ter consciência destes problemas. As roupas – ou a comida – não aparecem na nossa mesa assim, sem mais nem menos. São parte de um processo. Vêm de algures e vão parar a casa de alguém.
CL– É a oradora convidada de um dos primeiros eventos sobre a Laudato si, promovidos pela diocese de Macau. Que evento é este? Pode ajudar a promover um maior envolvimento da Igreja Católica local nas questões ambientais?
B.S.K.– Na verdade, há muito que estava à espera desta oportunidade para trabalhar com a Diocese e com a minha comunidade. Somos católicos e o que se espera de nós é que pratiquemos o amor. Praticamos aquilo que pregamos, não é? Para mim, é muito importante disseminar o amor, ajudar as pessoas. E isto não é algo que se faça através de um donativo ou de um evento único. É algo que se faz todos os dias, no nosso quotidiano. Se temos a percepção de que a nossa forma de agir está a causar problemas, a contribuir para criar um fosso entre os mais ricos e os mais pobres, a colocar em risco outras espécies, é imperativo que alteremos a forma como vivemos para os salvar ou, pelo menos, para não os prejudicar. Se for essa a mentalidade, então estaremos a praticar os ensinamentos da Bíblia, a disseminar o amor de Cristo.
Marco Carvalho