Dois dos maiores desafios da Igreja para este milénio
Sempre houve curiosos a lerem as páginas da astrologia. Muito mais por graça do que por convicção. Uma espécie de “faits divers” a distender naquelas revistas cor-de-rosa que perscrutam a vida dos famosos até à exaustão, ou entremeadas pela banda desenhada daqueles jornais que, quando esprememos, escorrem mexericos e crimes. O Catecismo da Igreja sempre condenou esse tipo de leituras supersticiosas – mais um exagero didáctico da Igreja, pensará aquela parte dos ditos católicos que dão tanta importância ao Catecismo quanto às palavras cruzadas que vêm na secção vizinha aos signos do zodíaco. Mas os tempos passaram e, a julgar pela extensão do fenómeno, na Internet, nas publicidades e anúncios e até mesmo na televisão, parece que o número de curiosos das previsões dos Astros não só aumentou, como surgiram no meio deles, sabe-se lá como, os fiéis convictos.
A verdade é que se comparados, os signos de cada publicação dirão coisas distintas, conforme a capacidade criativa dos seus astrólogos. Não saem a todos as mesmas cartas, conforme a casuística própria a cada baralho, como parece que os telescópios nem sempre devem estar focados no mesmo Bendengó celestial, talvez marcas diferentes, ou lentes de optometria mal ajustadas. Acreditam eles, mesmo assim, num determinismo fatalista que rege os homens a partir dos alinhamentos dos astros como se houvesse nisso algo científico, negando eles mesmos à partida uma ciência que eles próprios desconhecem. Enquanto a Astronomia é uma ciência séria, a astrologia, é uma lógica inventada. Entretanto, tem sido aproveitada pela ideologia da New Age, pródiga em explorar todos estes campos para levar adiante o seu projecto globalizador de uma nova humanidade configurada com as suas utopias. Não foi em uma, duas, mas em múltiplas obras sérias que li com estupefacção o grande património material e humano que já possuem em vista de lançar no mundo uma nova civilização panteísta gerida por um só cérebro, segundo eles, gaia, ou a deusa terra, que despertando da sonolência e tendo de reagir perante as agressões ecológicas, começa a tomar consciência para unificar o pensamento humano, servindo-se para isso das redes sociais e da Imprensa. Esta espécie de teoria da conspiração não é minha. É o que escreve e descreve a Nova Era nas suas obras. Quando os homens viverem configurados com uma mesma mentalidade em união com o cosmos, sem deus nem religião, porque serão um só com a divindade, então entraremos nessa nova era de harmonia e de paz preconizada por eles.
É aqui que entra a astrologia, aquela coisa à qual quase ninguém ligava patavina, eles transformaram no primeiro motor do movimento sectário. Segundo eles, se antes vivíamos sob os auspícios de Touro, com as grandes civilizações, Egípcia, Assíria, etc., passamos para a era do Carneiro, bicho que facilmente encontramos em passagens do Antigo Testamento, até chegarmos a Cristo, onde começa a era de Peixes, símbolo cristão. Ora, terminados os tempos do Cristianismo, eles preconizam a nossa entrada na era do Aquário. A tal Nova Era, ou New Age, dos gurus, da astrologia, do reiki, do yoga, dos chacras, da ecologia… uma mistura de filosofias panteístas, teosofistas, imanentistas, xintoístas, budistas, das medicinas alternativas e de tudo um pouco que possa servir às suas aspirações globalizadoras e transformadoras. O Homem em união com as energias cósmicas. Deus é tudo, tudo é deus…
Nas múltiplas variantes, do Reiki aos Yagias, ritos mais ou menos secretos destinam-se aos mais entrosados, que juntam a objectos esotéricos orações de carácter panteísta. O documento da Conferência Episcopal Norte Americana descreve no Reiki, com alguns detalhes, estes cerimoniais de índole religiosa, e embora eles digam que apenas manipulam energias, o carácter mágico, os símbolos e ritos religiosos estão presentes.
Ora, o impressionante é que, malgrado estas teorias excêntricas, a Nova Era goza de grande popularidade entre as classes altas e instruídas. Mesmo entre as grandes empresas. Bastaria dizer que a IBM e a General Motors já realizaram congressos “a fim de estudar a aplicação das técnicas do New Age à questão das empresas”. As suas ideias ora entram dissimuladas através das filosofias e religiões orientais, de “best-sellers” de autores famosos, como Paulo Coelho, de auto-ajuda e cura, amuletos, algumas medicinas alternativas, entre tantos outros panfletos e propagandas da Nova Era. Esta conta com centenas de congressos, possui clínicas, gere livrarias inteiras e forma na sua mentalidade milhares de seguidores. Em 1995, só na Alemanha, possuía cerca de vinte mil funcionários e em França gabava-se de formar nas suas doutrinas cerca de trinta mil pessoas por ano. Hoje, são muitos mais, e por todo o mundo. Em todos os campos, a ideia é servir-se de tudo isto para construir a tal nova civilização do Aquário. Ora, esta espécie de determinismo e de milenarismo, pelo qual vamos passando de civilização em civilização por uma espécie de fatalismo cósmico, é próprio das seitas, e cativante para os tendentes ao gnosticismo e às utopias: aqueles que gostam de possuir conhecimentos ocultos à maior parte dos homens, confabular numa espécie de sociedade secreta, erguer um poder totalizante e totalizador.
Para a obtenção dos seus fins, fica patente a necessidade de acabar com qualquer concepção religiosa séria, criar uma religião própria, ou adoptar as que sirvam aos interesses da ideologia. A Igreja Católica é uma das visadas. No passado, foi uma das que mais veemente condenou as utopias comunistas, que viam nessa espécie de transformação social do senhor para o burguês, e deste para o proletário, os auspícios de uma nova civilização. A Igreja opôs-se não só a essa visão determinista da História, como às ideologias opressoras da liberdade e da consciência dos homens. Entretanto, as cores vermelhas, depauperadas por falhanços históricos e massacres sem precedentes, metamorfosearam-se. Aos poucos, os vermelhos dão lugar aos verdes. Paz e harmonia, respeito e humanidade, ecologia e liberdade, tornaram-se os chavões políticos e sociais. Estão a ter sucesso, ao que tudo parece pelo número de verdetes a ascenderem aos poderes políticos, e pelo tremendo número de encontros que todos os anos são promovidos e de novos prosélitos que se juntam aos ideais da Nova Era. Claro que começam por dizer que tais doutrinas podem ser harmonizadas com o Catolicismo. Não pretendem assustar, embora a totalidade das suas doutrinas estejam em pleno desacordo. Mas é só o primeiro passo para depois destruírem a fé cristã. O Comunismo já passou. Alguns ainda o perseguem “à la” D. Quixote confundindo moinhos com dragões. Enquanto isso, a Nova Era, que nem Sancho Pança, de moral cómoda e aparente sensatez, entra de barriga feita, e veio para ficar.
Para mim, um dos maiores desafios do Cristianismo neste novo milénio!
Pe. José Victorino de Andrade
Sacerdote ao serviço do Santuário de Fátima