D. Ante Jozić

A lição de D. Ante Jozić, actual núncio apostólico na bielorrúsia

Havendo mais tempo para pensar em tudo um pouco, e porque o jornalismo é também a busca incessante de estórias, vêm-me à memória pessoas que me marcaram em determinados períodos. Foi precisamente na terça-feira que me lembrei do padre Ante Jozić, hoje arcebispo D. Ante Jozić.

Sacerdote croata, doutorado em Direito Civil e Canónico, D. Ante Jozić foi chefe da Missão da Santa Sé em Hong Kong entre 2010 e 2019, num período que marcou de forma indelével as relações entre a Santa Sé e a República Popular da China.

Antes de aportar em Hong Kong, D. Ante Jozić desempenhou funções na Índia, na Rússia e nas Filipinas. É diplomata da Santa Sé desde 1999.

Nos nove anos que representou a Santa Sé em Hong Kong, o então padre Ante Jozić teve um papel preponderante para a salvaguarda das boas relações entre o Governo da antiga colónia britânica e a Diocese local, principalmente em momentos conturbados.

Homem carismático, mas humilde e discreto, esteve sempre à altura dos acontecimentos, tendo sabido com muita sapiência abrir canais para o diálogo entre a Santa Sé e a China. Um dos seus maiores feitos foi o contributo que deu para a assinatura do acordo, em 2018, entre a China e a Santa Sé para a nomeação dos bispos; documento cujos pontos-chave foram transcritos para a redacção de um segundo acordo, este assinado em 2020.

Não menos significativo é o facto do mandato do padre Ante Jozić em Hong Kong ter “coincidido” com a publicação da “Mensagem do Papa Francisco aos Católicos Chineses e à Igreja Universal”, em Setembro de 2018 – onze anos depois da divulgação da carta do Papa Bento XVI “aos Bispos, aos presbíteros, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos da Igreja católica na República Popular da China”.

Concluídas as missões para as quais foi indigitado, despediu-se de Hong Kong e Macau, tendo estado na RAEM, pela última vez em funções, em Março de 2019, aquando da visita ao território do então prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide), D. Fernando Filoni. Na mesma ocasião foi confirmada a sua nomeação para núncio apostólico na Costa do Marfim.

Em resultado de um acidente de viação na Croácia, em Abril do mesmo ano, o padre Ante Jozić viu ser adiada a sua ordenação episcopal, acabando esta por ter lugar apenas em Setembro de 2020. Dado que o posto na Costa da Marfim já estava ocupado, o Papa Francisco nomeou D. Ante Jozić para núncio apostólico na Bielorrúsia.

A viver na Bielorrúsia há já mais de dois anos, D. Ante Jozić tem pautado a sua actuação pela discrição, uma vez que a Igreja Ortodoxa Bielorrussa está sob a jurisdição da Igreja Ortodoxa Russa, sendo que a Santa Sé ainda não conseguiu ir mais além do que o “estatuto especial” que tem na Rússia, em termos diplomáticos.

Hoje, mais uma vez, a dedicação de D. Ante Jozić parece estar a dar frutos, dado ser parte activa das relações diplomáticas da Santa Sé no Leste Europeu, mais precisamente no triângulo geográfico formado pela Federação Russa, a Bielorrússia e a Ucrânia. A recente confirmação da visita do Papa Francisco à Ucrânia é disso exemplo, pois para tal acontecer é necessário que Kiev, Moscovo e Minsk garantam a segurança do Santo Padre. É que muitos ataques são efectuados a partir da Bielorrúsia e, também na realidade, nem o Chefe de Missão da Santa Sé em Moscovo, nem o núncio apostólico em Kiev estarão nas melhores condições para servir de fiel entre as partes beligerantes.

Depois de Hong Kong, D. Ante Jozić volta a dar-nos uma lição de diplomacia, por meio da receita que tem seguido ao longo dos 23 anos ao serviço da Santa Sé: carisma, humildade, discrição e capacidade de análise e de mediação. Tudo em prol do sucessor de Pedro e da Igreja, a qual somos todos nós!

José Miguel Encarnação

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