Devoção nascida na tradição
Amanhã, sábado 21 de Novembro, a Igreja Católica celebra a festa da Apresentação de Nossa Senhora no Templo. Os fundamentos para esta celebração não estão explícitos nos Evangelhos Canónicos, mas podemos encontrar alguns apontamentos nos Apócrifos, no Proto-Evangelho de Tiago. Neste dia assinala-se a dedicação e entrega que Maria fez de si mesma a Deus, ainda menina, movida pelo Espírito Santo que a encheu de graça desde a sua Imaculada Concepção.
A memória litúrgica da Apresentação de Maria começou a ser celebrada em Constantinopla, no Século VIII, espalhando-se pouco a pouco no Oriente. No Ocidente, esta festa também se desenvolveu lentamente. Em 1472 foi alargada a algumas igrejas latinas, surgindo no Missal Romano apenas em 1505. É uma daquelas festas que, no dizer do Papa Paulo VI, “para além do dado apócrifo, propõem conteúdos de alto valor exemplar e dão continuidade a veneráveis tradições” (Marialis cultus, 8).
Esta devoção mariana terá certamente nascido nos primeiros séculos do Cristianismo. O imperador Justiniano mandou construir junto do Templo de Jerusalém uma basílica, “Santa Maria a Nova”, dedicada à Mãe de Deus, no dia 21 de Novembro de 543 e pensa-se que estaria ligada a esta devoção.
No entanto, esta celebração não tem qualquer fundamento bíblico. São os evangelhos apócrifos que falam desse presumível acontecimento. Lemos no Proto-Evangelho de Tiago: «Quando a menina completou três anos, Joaquim disse: “Chamai as meninas dos hebreus que não tenham qualquer mancha e tome cada uma delas uma lâmpada, uma lâmpada que não se apague. A menina não deverá voltar atrás e o seu coração não permanecerá fora do Templo do Senhor”. Elas obedeceram àquela ordem e foram juntas ao Templo do Senhor. E o sacerdote acolheu a menina, tomou-a nos braços e abençoou-a dizendo: “O Senhor glorificou o teu nome em todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, revelará a redenção que concede aos filhos de Israel”. E mandou sentar a menina no terceiro degrau do altar. E o Senhor encheu-a de graça e ela dançou e tornou-se querida por toda a casa de Israel. Os seus pais deixaram o Templo cheios de admiração, louvando a Deus: a menina não procurou voltar atrás. E permaneceu no Templo do Senhor, semelhante a uma pomba, e a mão de um anjo oferecia-lhe o alimento» (Proto-Evangelho de Tiago 7, 2-8,1).
Se o Templo torna visível o encontro entre Deus e o homem, a Santíssima Humanidade de Cristo torna-o ainda mais visível. A Santíssima Humanidade de Cristo é o novo Templo, o novo “lugar” da Presença de Deus no meio de nós. Em Jesus, Deus torna-se presente ao homem, e o homem tem o caminho para se tornar presente a Deus. A primeira criatura que beneficiou dessa presença, e se apresentou a Deus, foi a Virgem Maria. Nela se realizou, como em ninguém jamais, a mútua presença e imanência: Deus apresentou-Se a Ela e Ela apresentou-se a Deus; Deus permaneceu nela, e Ela permaneceu em Deus.
Tendo como pano de fundo o delicado símbolo da presença de uma menina na solenidade do Templo, isto é, a chamada “apresentação de Maria no Templo”, a liturgia deste dia leva-nos a meditar no sentido de uma apresentação de nós mesmos diante do Senhor. O sentido fundamental é este: Maria está sempre na presença do Senhor, integralmente dedicada ao Seu serviço, crescendo na consciência de si e da sua missão.
Maria foi o “caminho” que Deus usou para levar o Filho Encarnado aos homens, e continua a ser o “caminho” para nos levar a Ele; o atalho como dizem muitos dos santos. Neste sentido, podemos dizer que a festividade busca exaltar a Jesus através daquela que muito bem o soube fazer com a sua vida, como descreve Santo Agostinho, num dos seus sermões: “Acaso não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que creu pela fé, pela fé concebeu, foi escolhida dentre os homens para que dela nos nascesse a salvação; criada por Cristo antes que Cristo nela fosse criado? Fez Maria totalmente a vontade do Pai e por isto mais valeu para ela ser discípula de Cristo do que mãe de Cristo; maior felicidade gozou em ser discípula do que mãe de Cristo. E assim Maria era feliz porque já antes de dar à luz o Mestre, trazia-o na mente”.
MARIA SANTÍSSIMA, LUZ E AMPARO
Dizia o padre António Vieira, na sua devoção a Maria Santíssima: “Só vos digo, invoqueis o nome de Maria quando tiverdes necessidade dele; quando vos sobrevier algum desgosto, alguma pena, alguma tristeza; quando vos molestarem os achaques do corpo, ou vos molestarem os da alma; quando vos faltar o necessário para a vida… Quando os pais, os filhos, os irmãos, os parentes se esquecerem das obrigações do sangue; quando vo-lo desejarem beber a vingança, o ódio, a emulação, a inveja; quando os inimigos vos perseguirem, os amigos vos desampararem, e donde semeastes benefícios, colherdes ingratidões e agravos; quando os maiores vos faltarem com a justiça, os menores com o respeito, e todos com a proximidade; quando vos inchar o mundo, vos lisonjear a carne, e vos tentar o demónio, que será sempre e em tudo… Em todos os trabalhos, em todas as aflições, em todos os perigos, em todos os temores, e em todos os desejos e pretensões, porque nenhum de nós conhece o que lhe convém… E como em todas estas coisas, em cada uma delas necessitamos de luz, alento e remédio mais que humano, se em todas e cada uma recorrermos à protecção e amparo da mãe das misericórdias, não à dúvida que, obrigados da mesma necessidade, não haverá dia, nem hora, nem momento em que não invoquemos o nome de Maria”.
São Bernardo de Claraval (1090-1153), doutor da Igreja – considerado por muitos o último dos Padres da Igreja – tinha uma profunda e sólida devoção a Nossa Senhora, e eis que proclamara: “Ó tu que te sentes longe da terra firme, levado pelas ondas deste mundo, no meio dos temporais e das tempestades, não desvies o olhar deste Astro, se não quiseres perecer. Se o vento das tentações se elevar, se o recife das provações se erguer na tua estrada, olha para a Estrela, chama por Maria. Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria, chama por Maria. Que seu nome nunca se afaste dos teus lábios, que não se afaste do teu coração… seguindo-a terás a certeza de não te desviares; suplicando-lhe, de não desesperar; consultando-a, de não te enganares. Se ela te segurar, não cairás; se te proteger, nada terás de temer; se te conduzir, não sentirás cansaço; se te for favorável, atingirás o objectivo”.
Perto do encerramento da Terceira Sessão do Concílio Vaticano II, no dia 21 de Novembro de 1964, o Papa Paulo VI consagrou o mundo ao Coração de Maria e declarou Nossa Senhora Mãe da Igreja.
Que todos os católicos sejam abençoados pela presença e devoção a Maria Santíssima. E em sinal de gratidão digam no seu íntimo, como disse um dia Santa Isabel, a prima de Nossa Senhora: «Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?» (Lucas, 1:43).
Nossa Senhora, Santa Mãe de Deus, rogai por nós!
Miguel Augusto
com Dehonianos, Aleteia e Canção Nova