A nova alvorada de Cuba
Desde 1959, com a chegada ao poder das forças comunistas lideradas por Fidel Castro, que religiosamente, e não só, Cuba se encontrava submersa nas trevas.
Com o êxito da revolução comunista, as liberdades constitucionais foram suspensas e, entre muitas outras coisas, o Estado Cubano declarado oficialmente um Estado ateu.
Ao longo destas pouco mais de cinco décadas os cubanos sofreram na pele as restrições impostas a tudo o que não fosse do agrado dos senhores no poder. Ser católico, ou apenas cristão, era (ainda é… talvez mude) uma façanha e um embaraço para quem quisesse estudar, progredir numa carreira ou ser apenas livre.
Um primeiro gesto de alívio chegou no início de 1990 quando o Governo decidiu retirar da sua Constituição a designação de “Estado ateu”, abrindo uma pequena, muito pequena, mas importante, porta para o início de algo que ninguém pensaria possível. A liberalização do regime…!?
Oito anos mais tarde, São João Paulo II foi a Cuba e pôs o pé na porta, que assim passou a ficar aberta, se bem que o povo da ilha não sentisse muito alívio na pressão comunista, mas a semente estava lançada.
Em 2012, o efémero Papa Bento XVI também esteve em Cuba, tendo-se encontrado com o “Velho Comandante”, agora retirado, e com o seu irmão mais novo, Raul, o novo líder de Cuba. A primeira cedência, histórica, foi a de que Sexta-Feira Santa passou a ser feriado nacional.
Mas o Natal e as outras celebrações cristãs continuavam a não passar de mais um dia de trabalho árduo e sem descanso, e de uma possível reunião familiar fortuita, que para muitos, talvez para toda uma jovem geração, não teria um grande sentido religioso.
Mas, envergonhadamente a princípio, à vista de todos, as ornamentações de Natal foram tomando o seu lugar nas fachadas e escritórios, mesmo dos órgãos do Governo. E pouco mais!
A Igreja Católica em Cuba, liderada pelo cardeal D. Jaime Ortega, mediou em Julho de 2012 a devolução de propriedades das igrejas cristãs cubanas e a libertação de um sensível número de dissidentes políticos.
Nesse sentido, o Papa Francisco, não só na sua condição de dirigente máximo da Igreja Católica Universal, mas também devido ao facto de ser um latino-americano com um profundo conhecimento das entrelinhas políticas daquela parte do mundo, deu início a um trabalho subterrâneo, apoiado pelo prestígio internacional do Vaticano.
As cartas enviadas ao Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, e ao Presidente de Cuba, Raul Castro, chegaram no momento certo. O Papa frisou a necessidade de relações mais livres e genuínas para uma melhoria das condições entre os dois países, em tempos aliados estratégicos. A carta do Sumo Pontífice falava especificamente da necessidade em resolver o problema (leia-se a libertação) de Alan Gross, um cidadão americano detido em Cuba há mais de cinco anos por espionagem, e sugeriu a libertação de cinco espiões cubanos presos nos “states” há quase 15 anos. Foi um “tiro no escuro” mas atingiu o seu objectivo. Os prisioneiros em questão foram libertados – os americanos só libertaram três dos cinco espiões, o que abriu um brecha profunda na intransigência de ambos os Governos. Houve uma reunião no Vaticano, em Outubro passado, entre delegações dos dois países, mas aparentemente sem grandes decisões ou sucesso. Subitamente, se bem que ainda fosse muito cedo para se esperar algo de concreto, eis que a decisão foi tomada. A 17 de Dezembro de 2014, Barack Obama, em Washington, e Raul Castro, em Havana, tornaram pública a decisão das duas potências restabelecerem relações diplomáticas, com a troca de embaixadores e estabelecimento de embaixadas nos respectivos países.
Mas, e em todas as histórias que parecem muito “bem”, há sempre um “mas”. Em que o povo de Cuba vai beneficiar com tudo isto? Muitos, talvez na euforia do momento, dizem que vai haver melhorias e mais facilidades de expressão, liberdades e outros ganhos democráticos daqui em diante, outros, mais prudentes, avisam que o povo de Cuba não vai ganhar nada com tudo isto.
Uma das razões para esta afirmação é que o Governo comunista de Raul Castro continuará sem abrir mão de nenhuma das suas capacidades e prerrogativas.
Ninguém espera ver em Cuba uma solução do tipo chinês de “um país, dois sistemas”, até porque fisicamente não há espaço para tal.
No campo religioso poderá acontecer o mesmo que acontece na já citada China: a Igreja controlada pelo Estado, talvez mais do que o é neste momento, e os fiéis, não só os católicos, mas de todas as outras denominações cristãs, a serem desrespeitados pelo Estado, controlados pessoalmente, impedidos de se manifestarem abertamente e privados de outras liberdades, que seriam normais se o Governo fosse outro.
Ninguém, no entanto, poderá deixar de aplaudir o esforço desenvolvido pelo Vaticano através dos seus últimos líderes, São João Paulo II, Bento XVI e Francisco, neste muito conseguido desfecho.
Para já, uma porta muito maior foi aberta e, pelo menos em Cuba, poder-se-á esperar ver florescer uma nova liberdade, uma nova sociedade em que o Natal já não seja apenas mais um dia de trabalho como os outros, mas de celebração do Nascimento de Jesus, numa nova alvorada de Paz, Liberdade e Esperança.
Manuel dos Santos