AGRAS DO NORTE (AVEIRO)

AGRAS DO NORTE (AVEIRO)

A Fonte da Mina

Os jesuítas em Portugal, tal como em muitos outros locais onde a Coroa Portuguesa tinha influência, foram sujeitos a várias acusações e perseguições durante o período Pombalino. Aqui em Aveiro, a Companhia de Jesus também exercia muita influência – a sua proximidade ao Duque de Aveiro, o Marquês de Távora, era disso exemplo. O Duque de Aveiro (Marquês de Távora) foi um dos alvos da justiça impiedosa do Marquês de Pombal, que ordenou o seu linchamento público e o da mulher deste, ambos acusados de conspiração para derrubar D. José I. Esta foi apenas uma das muitas manobras feitas com o intuito de reforçar o poder régio e, ao mesmo tempo, retirar poder e influência aos jesuítas.

O decreto que deu o primeiro passo para a perseguição aos jesuítas não podia ser mais específico: “Declaro os sobreditos regulares [os jesuítas] (…) rebeldes, traidores, adversários e agressores que estão contra a minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos (…) mandando que efectivamente sejam expulsos de todos os meus reinos e domínios. Decreto de expulsão dos Jesuítas, 1759”.

Muito se sabe das perseguições a este grupo religioso e de todas as suas repercussões na sociedade portuguesa a partir de então, mas de tempos a tempos vão surgindo mais detalhes que vêm trazer luz a esta história menos feliz, que sendo nossa temos o dever de conhecer.

Aqui bem perto do Canal de São Roque existia uma mina, de colecta de água potável, que serviu de refúgio a vários jesuítas aquando das perseguições de que foram alvo. Esta mina, ou melhor, a Fonte da Mina nas Agras, em Aveiro, foi recentemente restaurada depois de anos e anos ao abandono.

Sem que haja qualquer prova científica nem que alguém o tenha consigo provar até hoje, muitos acreditam que esta mina do tempo dos romanos se estende por grande parte da cidade. Vestígios têm sido encontrados em vários locais durante a realização de obras públicas e privadas.

Na sacristia da Capela das Barrocas existe uma laje selada que se acredita ser uma das muitas entradas de acesso à referida mina e suas galerias. E outros vestígios se encontraram na Rua do Engenheiro Odinot, quase a dois quilómetros de distância; e a quinhentos metros dali, na Rua Doutor Alberto Souto, foram também descobertos vestígios durante obras de reconstrução da estrada, na década de 70 do século passado.

Historiadores e investigadores acreditam que a partir da Mina nas Agras do Norte as galerias seguiam pela zona central da cidade, passando pelo Convento das Carmelitas e terminando na área do Convento de Jesus, que se encontra no lado oposto da urbe, já junto à Universidade de Aveiro.

Nada disto se confirma mas olhando para os dados conhecidos é uma história bem fácil de acreditar e que merece ser investigada. As galerias, com todas as obras entretanto realizadas na cidade, devem estar perdidas para sempre e muito dificilmente será possível provar que tenham estado interligadas. No entanto, a acreditar no saber popular e nas várias histórias que os mais velhos ainda recordam, será uma realidade que me faz acreditar que esta rede de galerias e túneis possa mesmo ter existido e tenha sido usada muitas vezes pelos jesuítas, na sua fuga à furiosa perseguição a que estiveram sujeitos durante o mandato do Marquês de Pombal.

A fonte, que visitei recentemente, fica em Agras do Norte, entre Aveiro e Esgueira, sendo o seu acesso quase impossível para quem não conhece a zona. É pois preciosa a ajuda do GPS; e foi recorrendo a esta tecnologia que lá chegámos, mesmo depois de nos enganarmos no caminho por duas vezes. Fica num beco, o que ainda complica mais as coisas.

Recentemente foi alvo de uma completa reconstrução pela Junta de Freguesia, tendo sido construído um pequeno parque de merendas que em dias de mais calor e sem pandemia será certamente um bonito local para passar um dia de ócio, olhando a Ria e as suas salinas do alto da agra.

Segundo as autoridades, a água da fonte não é potável, o que os mais antigos contestam. Felizmente, a sua reconstrução seguiu os registos do passado e ao que parece está muito semelhante à original. A única grande diferença é que agora o acesso ao interior da primeira galeria está selado com uma porta metálica. É possível vislumbrar parte do interior desta galeria mas certamente deixará de o ser dado o acelerado crescimento de vegetação… no seu interior.

No exterior, onde cai a água vinda da mina, está a pia de pedra original, sendo que de acordo com documentos a que tivemos acesso sobre uma investigação efectuada no século passado, no interior da primeira galeria existe um segundo ponto de recolha de água que era utilizado pelos habitantes das Agras, para consumo e rega dos campos de cultivo.

Agras registava antigamente uma grande produção agrícola devido aos seus terrenos enxutos. Aliás, “agra” significa “terra enxuta”. Em Aveiro, a influência da Ria e das suas águas salobras fazia com que todos os campos fossem insalubres para cultivo, pelo que a importância das agras para estas gentes é fácil de entender. E se a isto juntarmos a existência de uma mina com água potável, estamos perante um local de extrema importância numa altura em que a subsistência era muito complicada.

João Santos Gomes

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