Tesouro de Arte Sacra sujeito a obras de manutenção
Abriu ao público fez esta quinta-feira quatro anos, mas para muitos residentes de Macau continua a ser um perfeito desconhecido. O Tesouro de Arte Sacra do Seminário de São José está, desde finais de Setembro, a ser alvo de trabalhos de manutenção e só deverá voltar a receber visitantes no final do ano. O acervo, explica Vítor Teixeira, professor da Universidade Católica Portuguesa com um doutoramento em História da Arte, não é o mais importante da índole de todos quantos existem em Macau, mas continua, ainda assim, a ser ímpar no contexto das missões da China.
O Tesouro de Arte Sacra do Seminário de São José – uma das três grandes colecções de arte religiosa de matriz católica do território – encerrou no final de Setembro e deverá permanecer de portas fechadas pelo menos até ao fim do corrente ano. O Instituto Cultural, entidade responsável pela conservação e supervisão do acervo, justifica o encerramento temporário com a necessidade de conduzir trabalhos de manutenção das peças e do espaço que abriga a colecção, no complexo religioso da igreja e Seminário de São José.
O organismo liderado por Mok Ian Ian explica, numa nota de Imprensa, que a sala que aloja o Tesouro vai ser alvo de uma intervenção com o propósito de dar resposta a infiltrações no tecto e nas paredes. A empreitada deverá estar concluída até ao final de Dezembro próximo.
Aberto ao público a 8 de Outubro de 2016, fez esta quinta-feira quatro anos, o Tesouro de Arte Sacra do Seminário de São José reúne, de acordo com o comunicado do Instituto Cultural, “um vasto número de artefactos religiosos como livros e documentos, pinturas a óleo, ícones, paramentos e alfaias litúrgicas”.
O acervo, segundo Vítor Teixeira, professor da Universidade Católica Portuguesa (UCP) com um doutoramento em História da Arte, não é o mais importante registo de arte sacra de Macau, mas constitui, ainda assim, uma parte importante de uma colecção ímpar no contexto da história da Igreja na China. «Trata-se de um espólio importante, não tanto pelo primor e originalidade artísticas, mas principalmente pela relevância na história das missões católicas na República Popular da China e, em particular, a partir de Macau», esclarece o especialista. «Não é um acervo superior, mas honestamente também não há comparação no contexto chinês. A par do conjunto de obras das igrejas e da Sé – com destaque para o tesouro de São Domingos e para o das Ruínas de São Paulo, sem dúvida o melhor – o que podemos aferir é que o conjunto de todos estes acervos é importante e ímpar na China», complementa o também professor visitante da Universidade de São José.
Vítor Teixeira, que viveu e trabalhou em Macau durante vários anos na primeira metade da corrente década, considera que o acervo é mais importante do ponto de vista religioso do que propriamente «do ponto de vista estético e estilístico», ainda que o Tesouro inclua algumas peças ímpares e «de boa qualidade». «Do ponto de vista da colecção em si – e não conhecendo o inventário actualizado ou as incorporações mais recentes, que parecem existir – sublinho a ourivesaria, com peças em ouro, prata e bronze, as alfaias e objectos litúrgicos ou de adoração e veneração ao nível da comunidade do Seminário ou expostas na Igreja, e os objectos de culto noutros suportes materiais, de uso sacramental, processional ou interno da comunidade», destaca Vítor Teixeira.
«A colecção incorpora ainda pinturas religiosas, a óleo por exemplo, como a de Santo Agostinho de Hipona, doutor da Igreja, historiada e com narrativas bíblicas e que é possível de datar para o Século XVII ou para a transição para o seguinte. Realço, no entanto, a estatuária sacra, alusiva a figuras individuais – de santos, da Companhia de Jesus e não só – que está particularmente bem musealizada. O acervo inclui vários crucifixos, alguns com Cristo ebúrneo e de boa lavra. Recordo ainda alguns livros de culto setecentistas, relíquias e relicários, além de dois sinos oitocentistas», remata o professor e investigador da UCP.
Fundado em 1728 por missionários jesuítas, o Seminário de São José adquiriu desde cedo uma importância fulcral no desenvolvimento e afirmação das missões na China. Herdeiro do Colégio de São Paulo, o Seminário ajudou a formar numerosos sacerdotes e quadros católicos de excepção e acompanhou a par e passo o desenvolvimento social do território ao longo de quase três séculos, para o qual contribuiu em domínios tão distintos como a cultura, a educação, a arte ou a promoção de mecanismos e práticas de previdência.
Para Vítor Teixeira o papel do Seminário de São José só não foi mais relevante em Macau por causa de uma série de vicissitudes históricas. Segundo o investigador, uma série de convulsões de natureza política contribuíram também para a delapidação do acervo religioso e cultural reunido pelo Seminário ao longo dos séculos. «O espólio do Museu é importante no contexto da arte sacra em Macau e na China, embora não seja de sobremaneira distinto das colecções que estão patentes na igreja de São Domingos e nas Ruínas de São Paulo. O grande problema deveu-se à erosão que este acervo sofreu no Século XIX e parte do Século XX, com a saída de algumas das obras que existiam em grande parte das igrejas, principalmente as de fundação jesuítica. Um exemplo paradigmático em Macau é o do acervo – ou o que restava dele – da antiga igreja e Convento de São Francisco, que estava junto ao Clube Militar», considera.«No caso do Seminário de São José, este sofreu, como os demais, uma forte delapidação depois da expulsão dos jesuítas, trinta anos após a fundação do seminário e depois de 1834, com as crises anti-clericais e anti-regulares (isto é, direccionadas contra as ordens religiosas), além da crise entre a Igreja e o Estado após a República de 1910. O acervo foi fixado pelos padres que foram chegando ao Seminário para formação para as missões em Macau», conclui Vítor Teixeira.
Marco Carvalho