A Terra Santa – XVI

Uma Terra, dois Povos

Em meados de Maio de 1948, a Primavera afirmava-se plena de messiânica esperança: nascia o Estado de Israel. Eclodia igualmente um dos maiores conflitos da Guerra Fria. Sangrento, imorredouro, poucas vezes interrompido pela paz. Mas sempre uma paz armada, tensa, ameaçadora. Assim se viveu em Israel durante décadas. Nos primeiros tempos, viveu-se uma situação económica difícil, as mágoas e feridas dilacerantes do Holocausto, o êxodo judaico que não parava. Mas os amanhãs que cantam sobrepuseram-se a esta face dolorosa, o sonho concretizado trazia ânimos inquebrantáveis, uma atmosfera estimulante. Mas também efervesciam disputas, guerras, dissidências, intolerâncias. Em plena Terra Santa…

Hoje encerramos esta já longa narrativa histórica, política, cultural e religiosa diga-se, sobre a trajectória milenar da Terra Santa. Para reflectirmos, a partir da História, sobre o que é e pode vir a ser este pequeno pedaço de terra, onde tradições milenares deram corpo a povos, sentimentos e práticas ungiram-se na forma de religiões reveladas e intemporais, universais, ou gentes e nações procuraram um pouco de presente para semear o futuro.

No fim, ou seja na actualidade, temos um Estado – Israel, judaico – estabelecido, um povo – palestinianos muçulmanos – que luta por direitos estabelecidos, ou apenas uma tradição bi-milenar que apenas quer guardar os seus Lugares Santos, o berço de uma fé – o universo cristão. Há dois mil anos, com efeito, dava-se um maior sentido à História desta terra, que também por isso se tornaria Santa: o nascimento do Messias, o Salvador.

 

Violência antes da Independência

A implantação do Estado de Israel, deste projecto sionista, provocou gáudio e esperança em muitos, mas rejeição e repulsa noutros. Os judeus queriam regressar à sua pátria ancestral, para aí construírem um Estado-Nação de moldes modernos. Os árabes, naturalmente, não podiam considerar todos os imigrantes, judeus entenda-se, senão como intrusos. Que não eram bem-vindos. Primeiro, acolheram bem outros intrusos, os britânicos vencedores dos turcos em 1917. A quem logo acabariam, pouco tempo depois, por apelidar de amigos dos sionistas, mas também dos hachemitas da Transjordânia, que em 1920 fundaram o reino da Jordânia, a que juntaram, com apoio de Londres, boa parte da Cisjordânia.

Entre árabes e judeus pouca paz houve então. A tensão e a rivalidade ganharam ao diálogo e à boa vizinhança. A degeneração em conflito aberto e violento não demorou. Assim já era nos anos 20 do séculos passado. Muito pior ficou depois da independência de 1948. Dois movimentos nacionalistas irremediavelmente concorrentes, perante o aparente desinteresse britânico. Aparente, apenas. Um nacionalismo que veio de fora, o outro, os árabes, que acordara para se desenvolver, como consequência daquele, o judaico. Conflitos mortíferos, a Palestina imersa em violência, principalmente depois de 1936, quando rebenta a grande revolta dos árabes na Palestina, instigada pelo Grande Mufti de Jerusalém, autoridade islâmica preponderante.

 

A violência continua após a Independência

Cerca de dez anos depois da ideia de partilha defendida pelos britânicos, essa solução parecia a única possível. Mas a independência de Israel deita-a por terra, sendo também o corolário incontornável da recusa árabe. Que se transforma em guerra. Os britânicos ainda conseguiram moderar o conflito. Mas em 1948 israelitas e árabes ficavam sozinhos, face a face. As intervenções de nações árabes exteriores nesse conflito interno de Israel transforma-o num confronto entre Estados. E seus aliados, no complexo xadrez da Guerra Fria.

Os árabes da Palestina vivem entre derrotas e o êxodo forçado, atirados para campos de refugiados, apanhados entre a recusa israelita de os deixar regressar (onde quer que seja!) e o cinismo e indiferença dos Estados árabes vizinhos que os tratam como massas de gente pra manobrar e servir de arma de arremesso. Prometeram-lhes a Transjordânia para se constituírem aí como Estado. Os hachemitas da Jordânia criam o seu reino e privam os árabes da Palestina de terem o seu Estado. Centenas de milhares de pessoas sem rumo nem futuro, enganados e esquecidos pelos seus, atirados para canto pelos israelitas. Forjam porém o seu próprio nacionalismo, criado na marginalização dos campos de refugiados, na ostracização e negação, na indiferença de todos. São estes os ingredientes que acicatarão o terrível “cocktail molotov” palestiniano das próximas décadas. Em boa parte integrou-se na OLP, Organização de Libertação da Palestina, criada em Maio de 1964.

Em Junho de 1967 dá-se a Guerra dos Seis Dias. Ganham os israelitas a um aliança árabe. Uma humilhação que está na origem da violenta reacção terrorista palestiniana, apoiada por Governos árabes. No princípio, os palestinianos serão esmagados e escorraçados… por árabes. Depois reagem: o massacre de Munique, em plenos Jogos Olímpicos daquela cidade alemã, em 1972. O mundo assiste em directo a um massacre de atletas israelitas por terroristas árabes. A vingança e a matança rimam na semântica como na realidade geopolítica desde então.

Em 1977 a direita israelita chega pela primeira vez ao poder. Uma concepção romântica e maximalista do sionismo triunfa. A colonização dos novos territórios intensifica-se, instigando os árabes a reagirem. Cedem o Sinai aos Egípcios, todavia, com quem assinam um tratado de paz. Em troca, têm o caminho aberto para a ocupação da Cisjordânia. Pouco depois, em 1982, Israel inicia uma guerra oficial contra os palestinianos. Mas no sul do Líbano, santuário de organizações palestinianas activistas e pretensamente berço de terroristas, reza a propaganda israelita. O conflito ganha uma dimensão preocupante. Sem fim à vista.

Um drama que conhece o último acto, ou o mais importante e de maiores consequências em 1987, cinquenta anos depois da resolução de partilha da Palestina (aprovada em 1947 pela ONU), vinte anos depois da Guerra dos Seis Dias (1967), dez anos depois da chegada da direita israelita ao poder: surge a Intifada, ou “guerra das pedras”. Dos palestinianos contra Israel. O problema existencial do “Regresso a Sião”, como no salmo, coloca-se de forma aguda: como fazer viver numa mesma terra dois povos igualmente convencidos de que são os seus proprietários legítimos e que detêm os direitos históricos sobre a mesma? Aceita-se o velho princípio da partilha de 1947? Ou impõe-se aos árabes e ao mundo a soberania judaica sem partilha? A questão continua em aberto, com passado e presente. E o futuro?

Vítor Teixeira (*)

(*) Universidade Católica Portuguesa

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