Génese do Novo Estado Judaico
A Segunda Guerra Mundial acelerou o processo. A perseguição e genocídio judaico perpetrados pelos nazis tornaram-no ainda mais premente. A dominação britânica da Palestina criava cada vez mais irritação e tensão entre a crescente comunidade judaica. Cada vez mais numerosa e preponderante, esta comunidade ganhava maiores dimensões na década de 40 do século XX. Parte da diáspora judaica europeia encaminhava-se para o “lar sionista” da Palestina. Guerrilha, acções violentas e manifestações recrudescem na Palestina sob mandato britânico. Parte das migrações clandestinas de judeus fogem ao controlo dos britânicos, outra parte, entre dezenas de milhares, acabam prisioneiras em campos de detenção em Haifa e Chipre. O rastilho aumentava, a tensão agudizava…
O mandato britânico na Palestina assentava numa base, jurídica, de cooperação entre os mandatários e o movimento sionista, no sentido de criação do referido “lar nacional”. Mas em 1939 Londres precipita a situação para um clima de tensão. Que ganha foros dramáticos com a calamidade crescente na Europa face aos judeus. A escalada de violência, perseguição e aniquilação dos judeus com o avizinhar da Grande Guerra não representou um sinal claro para os ingleses não “abandonarem” subitamente a Palestina, entregando-a a uma solução de independência precoce e que abria uma “caixa de Pandora”. Mas vejamos o sentido destas expressões.
De facto, em 1939 Londres decide “terminar a cooperação” acima referida, base do seu mandato na Palestina. As aspas usadas remetem para uma mitigação suave da questão. Na verdade, a realidade era esta: fim do mandato, preparação (termo mais técnico que realista) para a independência. Mas esta com base numa repartição demográfica, exposta no famigerado Livro Branco (1939): dois terços de árabes, um terço de judeus. A chama no rastilho aumentava… Já antes, em 1937, o chamado Plano da “Comissão Peel” dividia a Palestina em três regiões: Norte e parte do Oeste judaicos; Samaria e Sul árabes; um corredor britânico de Jerusalém a Tel Aviv. Claro que os dois principais blocos demográficos se opuseram.
O Livro Branco
Mais não era do que a exposição da política inglesa para a Palestina: fim do mandato, transição de cinco anos para a independência. A qual assentava na limitação da imigração judaica e da aquisição de terras por estes, além da criação de instituições representativas autónomas dos judeus e árabes. Entre “lavar as mãos” para o assunto e ao mesmo lançar “gasolina na fogueira” de um problema a nascer: eis o que melhor define o Livro Branco. Começavam assim os combates finais dos judeus para criarem os seu Estado na Palestina. Os judeus até aceitariam a partilha do Plano Peel, ficando com uma porção que fosse de domínio seu na Palestina. Mas rejeitam categoricamente, todavia, passarem a ter um estatuto minoritário dentro de um Estado árabe.
Nascem cisões entre os sionistas, de moderados e activistas, nestes últimos pontificando Ben Gurion, figura emergente no movimento. Mas acabam porém por acordar uma posição prudente, através do boicote a medidas do Livro Branco. Surgem, neste âmbito, as migrações clandestinas em massa, mas sempre sem pôr em causa, aberta e violentamente, o mandato britânico.
A Grande Guerra alteraria em boa parte o desenvolvimento destas iniciativas. Os sionistas embrenham-se na luta anti-nazi, pensando já no pós-Guerra, mantendo desta forma um alinhamento com os britânicos, no seio dos quais lutaram em algumas frentes contra os nazis. Mas novamente os britânicos lançariam novos dados e alterariam o processo, regressando ao “antes da Guerra”, prolongando a transição quase a fazer esquecer o plano de independência. Surge o combate, perpetrado por forças judaicas congregadas no Movimento da Revolta Hebraica. O objectivo era mudar a política britânica do pós-Guerra. Os atentados ressurgem, violentos, até Junho de 1946, quando o Movimento se desagrega, devido a divisões internas.
A caminho da Independência
Várias vezes se adivinhava, mas nem sempre avançava esse desiderato. Mas agora, em 1946, com a entrada em cena do “lobby” americano, pró-judaico. A favor do Estado de Israel. Em conjugação com os britânicos, os Estados Unidos apresentam ideias para um plano. Primeiro, convidar os britânicos a alojar cem mil refugiados judeus da Guerra; depois, convidar os judeus a aceitar um Estado bi-nacional, de partilha; com os árabes, que não aceitam a sua parte deste plano, pois só encaram viável a “Palestina árabe”.
Os britânicos reprimem duramente as revoltas, procurando interlocutores moderados para negociar, entre os sionistas. Os “activistas” tinham sido neutralizados, recorde-se, no Shabat negro de Junho de 1946, quando o Movimento foi decapitado. Mas a surpresa surgiu com a Agência Judaica, reunida em Paris: o seu Executivo aprovou uma moção em que está disposta a… aceitar uma solução de partilha do País! Bem, ganhava assim o apoio dos Estados Unidos, o que esvazia e condena ao fracasso os esforços dos britânicos, sempre volúveis ou incendiários na resolução deste problema. Londres não deixou de apresentar a questão, todavia, nas Nações Unidas, em Fevereiro de 1947. Sem grandes resultados, diga-se.
Os sionistas encerram deste modo a luta armada, pois as forças britânicas começaram a abandonar a Palestina. Só as dissidências continuavam com incidentes menores e atentados de pouca expressão. Mas é a épica do Exodus, um dos episódios mais fulgurantes das grandes migrações “clandestinas” judaicas para a Palestina. A opinião pública mundial, com o Holocausto e os seus horrores a revelar-se, assiste emocionada a esta vaga de migrantes judaicos, apoiando e sustentando-a moralmente. Para os britânicos, o cenário era insustentável: era impossível permanecerem na Palestina.
Entra a diplomacia em jogo. A luta desenrola-se agora na ONU. A 15 de Maio de 1947 criava-se uma comissão de inquérito (UNSCOP), que propõe a partilha da Palestina em dois Estados soberanos, aprovada pela Assembleia Geral, pela maioria requerida de dois terços. Estados Unidos e União Soviética aprovam-na, na “realpolitik”. Mas desencadeavam-se também os confrontos entre judeus e árabes. Os tambores de guerra começavam a ouvir-se na Palestina. A independência estava a meses, os britânicos saíram de vez. Mas o Estado judaico nasceria dos horrores da Grande Guerra, entre novos horrores…
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa