A Terra Santa – XI

Uma nova Palestina

Já aqui recordámos o ano de 1881, a data de inauguração de uma nova era para os judeus e para a Terra Prometida, a Palestina. Começava a primeira aliya (migração judaica) para a Palestina, para o Eretz-Israel, para aí viver e morrer. Mas começava uma nova Palestina, uma nova sociedade, cada vez mais no sentido de uma nação. O sentimento nacional animou os imigrantes judeus, no regresso à sua terra, e da nação em forja criou-se também a sociedade, na pátria ancestral. Sentem-se já pertencendo a um país que não existe, ou sentem-se assim antes mesmo de porem os pés na sua terra. Assim era o sentimento de todos os judeus que rumavam à Palestina.

Os judeus conseguiram, no espaço de duas gerações, transformar um sonho, uma miragem quase, um sentimento, numa realização concreta, material e definida: uma nação, na sua pátria, um Estado. A Sociedade das Nações assim os considerou, como uma comunidade nacional com o objectivo da independência. Temos a progressiva assimilação dos imigrantes judeus, oriundos de vários pontos do mundo, com o yishouw, a comunidade judaica da Palestina, milenar e sempre presente.

Em 1914, antes do fim do domínio otomano, viviam já 70 mil judeus em comunidades urbanas e 12 mil no mundo rural, ambas as comunidades registando, em relação a 1881, um aumento no triplo. Em 1928, no mundo urbano residiam já na Palestina 120 mil judeus, contra 31 mil nas áreas rurais. Na hora da independência, em 1948, 500 mil viviam nas cidades e 160 mil nos meios rurais. São números, mas traduzem um crescente afluxo de judeus para a Palestina.

De uma minoria importante na transição para o séc. XX, rapidamente se vão transformar numa comunidade dominante. O mandato da Sociedade das Nações, uma espécie de ONU da época, determinava a política de imigração, nas suas sucessivas vagas e na sua composição social, factores importantes no desenho da nova sociedade que nascia na Palestina. Os imigrantes dividiam-se em categorias: trabalhadores, detentores de capitais, profissionais. Vastos recursos financeiros foram colocados por várias instituições ao dispor da colonização então empreendida, além de investimentos privados, os quais todos somados permitiram criar a estrutura económica de sustentação material desta nova sociedade. Mas criaram também tensões e conflitos, entre as ideologias e o poder sionista, criando a base dos futuros partidos de Israel.

 

A PALESTINA JUDAICA EM MEADOS DO SÉC. XX

Depois das colónias camponesas independentes criadas a partir de 1881 (moshavot), aparece o colectivismo dos kibboutz, a partir de 1904-14, seguindo-se novas fases de desenvolvimento do território, as quais implementariam um espectacular desenvolvimento urbano e industrial da Palestina, em particular na década de 30 do século passado, às portas da Segunda Guerra Mundial, em que os judeus ashkenazys, tradicionalmente mais empreendedores e possuidores de maiores recursos financeiros, fugiriam da Europa que soçobrava perante a ameaça nazi. Nem todos vieram para a Palestina, mas os que vieram e também com o apoio dos que se instalaram noutros continentes, em especial nos Estados Unidos, ajudariam ao impulso material da nação em construção.

O horror instalou-se na Europa, com efeito. Comunidades judaicas inteiras desapareceriam da Europa, ou então viveram num sobressalto constante. O yishouw da Palestina, todavia, não estava ameaçado, quando a guerra rebentou em 1939. Mas o cenário mudaria de figura com a entrada da Itália no Eixo e no epicentro do conflito, que tinha agora também o Mediterrâneo como teatro de operações. O Líbano e a Síria franceses caem para as mãos de Vichy, o Afrika Korps nazi no Norte de África pretendia estrangular o Médio Oriente para chegar ao petróleo do Cáucaso, Irão e Iraque. Pelo meio, varreria a comunidade judaica que aspirava a ser nação. A instabilidade assentava arraiais entre os colonos judeus da Palestina. Rommel chegara a El-Alamein, no Egipto, os árabes planeavam atacar o território… Perante os sinais dos britânicos em evacuarem as suas tropas da Palestina, aquando da chegada de Rommel e seus Panzers ao Egipto, os judeus criariam então o “Plano Carmelo”, concentrando-se no Norte, em torno do Monte Carmelo, travando ali o avanço nazi. Existiu também um plano, utópico, criado pelos mandatários britânicos, de criar uma força judeo-árabe conjunta para prevenir um eventual avanço alemão.

 

O ESTADO DE ISRAEL NA FORJA

Mas os árabes da Palestina não corresponderam. A paridade judeo-árabe que os britânicos idealizaram mostrou logo ali a sua debilidade. Somente unidades judaicas se constituíram, formando mesmo uma brigada que actuaria na Itália mais tarde, na libertação deste país pelos Aliados e participando nas operações de assistência aos sobreviventes do Holocausto. A brigada será desmobilizada em 1946, no seio de um clima de conflito e perturbação do mandato britânico na Palestina, sempre instável. Na Palestina, existia já um Alto Comando de forças de defesa, a Hagana, embrião do futuro exército de Israel, que chegarão mesmo em 1941 a criar unidades de choque com voluntários recrutados nos kiboutzim, de forma ilegal mas cada vez mais a serem usados como comandos especiais pelos britânicos, na Síria, no Líbano e mesmo na Europa. Os judeus da Palestina foram importantes no cenário da Grande Guerra, principalmente para os britânicos. Daí que seja natural o apoio que Israel receberia daquele antigo mandatário na Palestina e seus aliados, como os Estados Unidos.

É desconhecido praticamente do grande público este papel dos judeus da Palestina no curso da Grande Guerra de 1939 a 1945. Papel militar, já vimos, mas principalmente económico e na cooperação. Indústria, serviços, transportes, construção, seriam alguns dos suportes logísticos dos Aliados no Mediterrâneo Oriental. Forneceriam munições, armamento, tendas e uniformes, alimentação e produtos químicos ao esforço de guerra dos Aliados, além de bases, aeródromos e estradas. Apoios que os Aliados não esqueceriam, mas factores determinantes também para a afirmação dos judeus na Palestina, uma terra onde voltavam a ser cada vez mais dominantes. De outro modo, sem esta base judaica e este apoio logístico, os britânicos e os Aliados estariam entalados no Egipto, sem rectaguarda, entre alemães e tropas francesas de Vichy, além de árabes instáveis e indefinidos. Israel, o cumprimento da milenar Palestina Judaica, estava prestes a nascer…

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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