A Terra Santa – VIII

A dominação otomana

Tudo começou com a ocupação muçulmana da Palestina entre 636 e 638. Findava a dominação cristã bizantina do território e impunha-se um novo senhor, vindo de leste, dos desertos da Arábia, trazendo uma nova fé, monoteísta também, baseada na Revelação num livro (Alcorão) e insuflada de espírito conquistador. O Islão impôs-se, depois acossado pelas Cruzadas cristãs. Com a queda de Constantinopla em 1453 abriu-se o caminho à dominação turca, neste caso otomana, efectiva a partir de 1516-17, destronados que foram outros turcos, os mamelucos. A ocupação islâmica, todavia, não foi assim tão mal vista pelos judeus.

O Islão abriu um longo capítulo na história da Terra Santa, nomeadamente na comunidade judaica, perseverante e numerosa. Os novos senhores da terra, os árabes, muçulmanos, revelaram-se tolerantes em matéria de religião, recorde-se. Ao contrário do plano jurídico, em que se assumiram discriminatórios.

As relações dos muçulmanos com os judeus eram mesmo mais amenas que as dos cristãos bizantinos, os quais foram sempre mais hostis com os filhos da Torá. Estes, os judeus, acolheram por isso o novo senhor, o Islão, com entusiasmo, atribuindo-se mesmo um significado messiânico à conquista! Por exemplo, proibidos de permanecerem em Jerusalém pelos bizantinos, os judeus reinstalam-se na cidade logo a seguir à conquista árabe. Funda-se mesmo a Yeshiva de Eretz-Israel, o principal centro de poder dos judeus da Palestina. E uma referência para a diáspora judaica, que atingia já na época a Europa, em particular a Polónia.

 

Jerusalém judaica renasce

Jerusalém voltava a ser uma capital política e religiosa para os judeus. Mesmo debaixo da dominação muçulmana. A peregrinação dos judeus retoma-se, como as cerimónias, os rituais de comunidade, a literatura espiritual renasce. Apesar de não existir o grande templo, Jerusalém pulsa de novo no vibrar do quotidiano judaico da Palestina. Como sucedia noutras cidades aliás, como Acre, Haifa, Ascalon, Gaza, Ramleh e Tiberíades. Os judeus tornam-se gradualmente mais urbanos na Palestina: na Galileia rural, dá-se um êxodo rural para as cidades, advindo colonização árabe para aquela região.

Jerusalém e Ramleh eram os grandes centros judaicos da época. Até ao séc. XI a Palestina judaica manteve-se crescente, animada, centrada na Yeshiva de Jerusalém. Mas fomes, epidemias, tremores de terá, ataques de beduínos, as crises dinásticas islâmicas, enfraquecidas estas, debilitam a comunidade judaica da Palestina, que acaba por partir da cidade, dado o declínio que se conhecia. O Judaísmo palestiniano abala, mas não cai.

O Judaísmo floresceu na Idade Média. Na Europa, principalmente, com destaque para a Espanha, muçulmana, o AL Andalus. Maimónides (1138-1204), ou Moisés Ben Maimon, brilha acima de todos, grande filósofo cordovês. Médicos, cientistas, sábios judeus fortalecem o progresso das ciências e do conhecimento no Ocidente medieval. Na Palestina, todavia, as comunidades judaicas entram numa grande letargia, a par de instabilidade, guerra e sofrimentos. Cerca de quarenta comunidades urbanas importantes mantêm-se, pelo menos, além das comunidades rurais. Em Jerusalém renasce a comunidade judaica, com Saladino. Gaza é um das principais comunidades judaicas, por exemplo.

 

Sob a lei otomana

Os turcos otomanos não mostrariam também intolerância para com os judeus, em todo o seu império, que se estendia do Médio Oriente à Europa Oriental e ao Norte de África, incluindo a Palestina. Mas os cristãos seriam os preferidos dos otomanos, pois tinham melhor formação em universidades europeias e dominavam a navegação, uma das poucas actividades em que de facto os judeus nunca se afirmaram.

As comunidades judaicas eram inúmeras no Império Otomano, embora seja difícil contabilizar o número de habitantes de cada e principalmente quantos viveriam na Palestina. Gaza, Jafa, Jerusalém, Tiberíades, Haifa, Hebron, eram as mais importantes, a que se poderiam juntar Damasco, Tiro, Beirute e Safed, mas muitas mais existiam. Com mais ou menos dificuldades, mantiveram-se durante o período de dominação otomana da Palestina, sobrevivendo a chama judaica milenar no território, de onde nunca se apagou. Podemos afirmar, uma vez mais, que a sua presença é contínua na Palestina.

Em 1881, data em que começa o processo histórico de refundação do Eretz-Israel, fruto do movimento do Sionismo Internacional preconizado por Theodor Herzl, existiam na Palestina cerca de cinquenta mil judeus (alguns autores defendem entre trinta a quarenta mil). Quando os otomanos abandonam a Palestina, impondo-se o mandato britânico no território, a população judaica duplicara já.

Até à dominação britânica e ao início da vaga migratória judaica para a Palestina, os judeus na região viviam como as outras comunidades submergidas no mundo islâmico: com dificuldades de emancipação, apesar da tolerância religiosa e da evolução do estatuto jurídico que a ocidentalização trazia. A “questão judaica” era uma das “questões” da época, como a “arménia” e a “grega”. Curiosamente, estas três, as mais badaladas, estavam activas e fracturantes no seio da Sublime Porta (Império Otomano). Alguns judeus do Magrebe (Marrocos, mas principalmente Argélia e Tunísia) emigrariam para a Palestina, no séc. XIX, numa época de marasmo das comunidades judaicas da região. Era um tempo de migração judaica para outros destinos, as Américas, por exemplo, ou de afirmação das comunidades ashkenazys (judeus do Leste da Europa) na Europa Central, da Alemanha à Rússia e Polónia.

A Palestina, coração da religião, cultura e tradições judaicas, não mais era, na fase final da dominação otomana, que o lar de algumas dezenas de milhares de judeus, como vimos. Que ali subsistiam, numa imorredoura tradição, perene e determinada. De recordar que o Império Otomano foi um refúgio para os judeus sobreviventes às expulsões violentas e sangrentas de Espanha (1492) e Portugal (1506), desde Constantinopla (Istambul) até à Palestina, onde alguns dos judeus sefarditas (da Península Ibérica) fundariam comunidades, com apoio e proteção da Grande Porta.

A Palestina judaica renascerá mais tarde, quando os otomanos abandonarem a região. Outros ventos soprarão então, mais bonançosos, mas ainda difíceis, na Palestina judaica.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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