A Terra Santa IV

O Regresso do Cativeiro

Estávamos no ano de 538 a.C. Soava a liberdade para os judeus no cativeiro da Babilónia. O decreto de Ciro, o persa, novo senhor do Oriente, permitia aos judeus cativos na Babilónia regressarem a casa, à pátria de Israel, e juntarem-se aos que por lá ficaram, dominados. Mas, na realidade, as coisas não se passaram exactamente assim. Grande parte dos judeus fica na Babilónia, pois acabaram por progredir e ter êxito, propriedades e fortuna. Regressaram os sacerdotes e funcionários do Templo, os guardiães da tradição judaica. Já não há mais exílio, nem cativeiro, apenas o cumprimento da vontade divina de “reunir todos os povos”. Boa parte estava em Israel, onde a marcha de vida judaica se mantinha.

Nesta altura regressaram também muitos judeus do Egipto, a par dos que retornaram da Babilónia. Israel não é independente, porém, sendo uma província (Judeia) do império persa. Ciro ordenou a reconstrução do Templo de Jerusalém, mas as coisas não correram da melhor forma, pois os recursos foram desviados pelo seu sucessor, Cambises (530-522 a.C.), para a conquista do Egipto, campanha que iniciaram em 525 a.C. A sociedade em Israel reorganiza-se, mas sem realeza, pelo que urgia a reconstrução do símbolo maior do Judaísmo, o Templo. Este projecto apenas se cumpriu em 515 a.C., depois de nova leva de retornados hebreus entrar em Israel e da conjugação de esforços e apoios internacionais, persas e fenícios.

A descendência de David já não ocupava o trono de Israel, sendo pois uma dinastia sem reis. Apesar da paz e do renascimento religioso, o domínio estrangeiro mantém-se e a iminência de guerra paira por vezes. Mas eis que surge um governador hebreu, no reinado de Artaxerxes I (464-424 a.C.), renascendo a esperança de completa pacificação, mesmo sem realeza. O seu nome era Neemias e a sua obra ficou: alívio dos impostos, reconstrução das muralhas de Jerusalém e repovoamento desta grande cidade, que conhece então um surto de desenvolvimento e um estatuto importante. Até 322 a.C. Israel conhecerá a reorganização da sociedade e a restauração definitiva da dignidade religiosa.

Esdras será o seu impulsionador, apoiado financeiramente pela diáspora judaica e também pelos persas. Esdras foi encarregado mesmo de formular, promulgar e impor os textos da Lei (Torá), que foi até reconhecida oficialmente pela administração persa. O Judaísmo tinha agora a sua Lei, o seu povo, a sua terra, a sua história e cada vez mais um destino comum. Além de uma diáspora forte e ligada a Israel.

 

A sociedade judaica e o Judaísmo

Muitos consideram Esdras como um novo Moisés. A tradição recorda-o como um escriba de grandes méritos. Toda a Lei, antiga, reza essa tradição, foi queimada aquando do incêndio do Templo em 587 a.C., aquando da conquista babilonense. Esdras então, inspirado divinamente, reza a lenda, terá encarregado cinco colegas seus, escribas, de redigir os 24 livros desaparecidos no incêndio, com base na sua recitação. Reconstituiu assim a totalidade dos livros bíblicos, a que acrescentou 70 outros livros, até então mantidos secretos. As bases do Judaísmo como comunidade de crentes, de crenças, de práticas e comportamentos, estão então definidas, centradas numa grande figura unificadora e arca da memória e do Livro. Não há rei, não há realeza, mas existe uma organização política e teocrática, cujas bases são a Lei e o Templo.

Temos uma teocracia, cujas figuras cimeiras são a hierarquia sacerdotal, agora com uma função primordial: a leitura e a explicação da Lei. A sua importância é fulcral na sociedade judaica, basta recordar o processo de Jesus, séculos mais tarde, às mãos do Templo e dos seus sacerdotes. Até o Aramaico ganhou então novos caracteres, mais quadrados, dando origem ao Hebraico, num processo progressivo, a partir do Templo. E da Lei, agora com nova escrita.

Um grande século, este IV a.C., para o Judaísmo. Mas com a morte de Alexandre Magno, em 322 a.C., tudo começa mudar. Um ano antes da sua morte, a Palestina, designação geográfica e política então cada vez mais corrente, fica sob o jugo do Egipto. Mas do Egipto “grego”, ou ptolemaico. Começava a época helenística na Palestina, que duraria até à entrada de Pompeu em 63 a.C. em Jerusalém. Quem fala em Pompeu, claro, fala em Roma.

 

A época helenística

Com ela, a vida judaica começou a mudar, até de forma muito significativa. Com a morte de Alexandre a Palestina ficou entalada entre os dois impérios helénicos, servindo de “tampão” entre os mesmos, nos quais reinavam os sucessores do soberano falecido: os Selêucidas, a Norte, na Síria, e os Lágidas, a Sul, no Egipto (os seus reis chamavam-se, invariavelmente, Ptolemeu). Ambos alternarão no poder sobre a Palestina, pois entre ambos a guerra foi uma dominante histórica. A Palestina torna-se, uma vez mais, local de combate, de passagem, de encontro. Neste caso de gregos. De tropas, de trocas comerciais, de cultura. Por isso não se estranhe que a Koinè, o “Grego comum”, língua franca, substituísse o Aramaico em muitas situações da vida real, do quotidiano, na literatura, até por vezes na religião. Jesus não falava também Grego, por exemplo? Como tantos judeus?

Muitos gregos fixam-se também na Palestina, muitos mais no Egipto, para onde muitos judeus rumaram também, mas numa diáspora voluntária. Como mais tarde faria a Sagrada Família… Alexandria do Egipto torna-se um viveiro de cultura helenística, mas também judaica, entre outras. Muitos judeus, na diáspora egípcia principalmente, adoptam o Grego como língua principal. Como muitos o fizeram também na Palestina, aliás. Recordemos ainda Alexandria como uma grande cidade judaica, dentro da grande cidade, global e multicultural. A politeuma era a comunidade judaica daquela cidade, mas é importante referir que os judeus, mesmo helenizados, mantiveram sempre as suas particularidades, a sua identidade e acima de tudo a sua forte ligação à pátria de Israel, à sua Terra Prometida, onde continuavam a viver muitos judeus. Mas a diáspora alexandrina revestir-se-á de uma grande importância, para todo o Judaísmo, manifestada numa instituição que ali despontara, de forma inovadora, mas que se revelaria imprescindível e fundamental para a religião judaica: a sinagoga (em Grego: “proseuchè”). Inicialmente um lugar de oração, passou depois a ter uma função de ensino, gradualmente assumindo a sua contribuição absolutamente religiosa, acabando por ser a instituição que salvaria e perpetuaria o Judaísmo dos sacerdotes e do Templo.

Do outro lado do Mediterrâneo, entretanto, um grande poder despontava: Roma. Prestes a marchar na direcção do Levante, da Palestina. Onde mudaria tudo. Para sempre

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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