A Páscoa em Portugal, Macau, Itália, Angola e Brasil

Consumismo e simplismo, sem religiosidade

Luiz Oliveira Dias, Fabrizio Croce e Belarmino Barbosa recordam como era a Páscoa nos países onde viveram e comparam-na com a que se celebra em Macau. Consideram que as pessoas prestam cada vez menos atenção à festividade, porque a tradição tem vindo a ser simplificada e o consumismo é imparável.

Quando era menino, Luiz Oliveira Dias vivia com fervor a época da Páscoa em Leiria (Portugal). Os tempos são agora outros. A tradição já não é o que era, inclusivamente em Macau.

«Na minha pequena cidade estremenha, na Semana Santa, havia cerimónias litúrgicas de sexta-feira até Domingo. Nos três primeiros dias, os Ofícios de Trevas; na quarta-feira, a missa (de comunhão obrigatória) comemorativa da instituição da eucaristia; na Sexta-feira Santa, à tarde, a Via-Sacra e a missa dos pré-santificados – como a missa que não era missa, na expressão simples do deão do cabido da Sé», recorda Oliveira Dias, salientando que no sábado celebrava-se a festa da ressurreição, com almoço ou jantar em família.

«Apesar dos Ofícios durarem pelo menos duas horas e das suas orações e cânticos serem em Latim, além de um sermão com mais de meia hora, acabávamos todos por gostar, embora os pequenos não percebessem bem o que se passava. Sentia-se no ar que devíamos ser muito respeitosos», lembra o ex-presidente do Instituto Politécnico de Macau.

«O jejum e a abstinência eram obrigatórios para os adultos. Em todo o caso, muito menos do que no tempo dos nossos avós que, diziam-nos os pais, passavam a pão e água os quarenta dias da Quaresma», explica, acrescentando que «aos poucos a tradição tem vindo a ser simplificada, designadamente em Macau, onde as cerimónias se resumem à tarde de Sexta-feira Santa e à missa da Aleluia».

 

Espiritualidade

Para Fabrizio Croce, também a viver em Macau há 25 anos, as pessoas aproveitam cada vez mais as festividades religiosas a favor do consumismo desenfreado, nem que seja para viajar. «Acontece na Páscoa e, com maior frequência, no Natal, aproveitando aqui para comprar prendinhas, que oferecem aos familiares e amigos, ou até mesmo a elas próprias», refere este italiano, num perfeito Português.

«A minha percepção – penso ser a do senso comum – é que as pessoas estão a afastar-se cada vez mais desta e de outras festividades do calendário litúrgico. A espiritualidade, ou de alguma forma a procura interior, está cada vez mais abandonada», sublinha o funcionário público e sócio-fundador da Associação Macau Itália. Apesar de tudo, «ainda há grande participação da comunidade macaense – a mais tradicional – nas festividades católicas».

Quando era menino, Croce lembra-se da procissão que havia na sua terra Natal, em Caprie, perto de Turim, e de receber «um grande ovo da Páscoa, de chocolate preto, embrulhado em papel prateado colorido».

Na memória também ficou o feriado da “Pasquetta”, no dia a seguir ao da Páscoa, para um agradável piquenique em família. «Arranjava-se sempre umas coisinhas para comermos fora. Havia sempre conservas caseiras, que se faziam no Inverno; pão grosso; um garrafão de vinho para os adultos e água para as crianças… E lá íamos», revive com satisfação.

Foi um feriado que durou pouco na sua vida, porque a partir dos oito anos de idade passou a trabalhar no restaurante dos pais, sendo os feriados e fins-de-semana os dias mais propícios para o negócio.

 

Igreja

Belarmino Barbosa viveu até aos treze anos em Vila Pereira d’Eça, actual cidade de Ondjiva, em Angola. A recordação que tem da Páscoa resume-se essencialmente ao Domingo de Ramos: «Nós, pequenitos, éramos obrigados pelos pais a ir à missa todos os Domingos. Íamos sempre aperaltados. Na semana da Páscoa, tínhamos a missa do Domingo de Ramos e depois uma procissão, que normalmente decorria à noite, porque o clima era muito quente».

«Lembro-me bem desta procissão, porque segurávamos nas mãos umas velas compridas sem aquela protecção [no topo]. Se não tivéssemos cuidado, queimávamo-nos com os pingos de cera», confidencia Belarmino Barbosa, com um largo sorriso. «O fervor católico era muito grande. A população era mais de 90% católica. Em cerca de meia-hora dávamos a volta à cidade», testemunha o representante comercial de Luanda no Consulado-Geral de Angola em Macau.

Aos treze anos foi para capital angolana e deixou de ser praticante, «por causa da cidade em si e também das pessoas». Entre 1996 e 2002 esteve em Brasília e São Paulo, onde foi representante comercial de Angola no Brasil: «Continuei a ser católico não-praticante, mas comprava as amêndoas da Páscoa para oferecer ou comer. Também comprava o Folar de Carne, os ovos da Páscoa e o Panetone, muito popular no Brasil».

Depois de regressar a Angola, foi destacado para Macau, onde chegou em Setembro de 2013. «No último Domingo [o de Ramos] fui à igreja da Sé e fiquei surpreendido com a adesão de pessoas na missa deste dia», aponta Barbosa, admitindo que depois de um interregno de quatro décadas, voltou a frequentar a Igreja nos últimos tempos, primeiro em Luanda, e agora com mais frequência em Macau.

Por último, admitiu que «o consumismo está a ganhar cada vez mais força na vida das pessoas, o que faz com que muitas delas descurem a religiosidade».

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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