Para nossa surpresa o passaporte da Maria chegou mais depressa do que o esperado. Em Caracas tinham-nos dito que o documento iria demorar entre duas a três semanas, mas acabou por chegar a Curaçao, enviado de Lisboa, depois de pouco mais de uma semana. Eficiência que agradavelmente queremos frisar e enaltecer. É bom ver que depois de termos sido atendidos com extrema eficácia pelo cônsul honorário, que tudo fez para nos resolver o problema, e de termos sido profissionalmente atendidos em Caracas, apesar de tudo e de todos dizerem que não era aconselhável ir à Venezuela, finalizámos o processo com a entrega do documento antes do prazo previsto. Há bem pouco tempo estávamos acostumados a ver os prazos a expirar quando se tratava de assuntos oficiais a envolver o Estado português. É bom ver que o nosso país, apesar de toda a crise que o tem afectado, está com a máquina administrativa a funcionar de forma exemplar.
Partidismos à parte, espero que o Governo do amigo António Costa leve para a frente o programa da reforma do País, que idealizou e que a maioria dos portugueses anseiam em ver aplicado.
Depois de termos recebido o passaporte da Maria, que tivemos de levantar pessoalmente à sede da empresa de correio-expresso, decidimos que é tempo da nossa filha frequentar um jardim de infância, visto que a nossa estada em Curaçao se vai prolongar até finais de Agosto.
Apesar de diariamente mantermos um ensino a bordo – inclui três línguas, desenho, pintura e outras actividades que ajudam ao desenvolvimento cognitivo – e mesmo tendo muito contacto com outras crianças que vivem nas embarcações ou em terra, decidimos que sempre que passarmos mais de dois meses no mesmo local a Maria irá frequentar uma instituição de ensino para que possa confraternizar com outras crianças, aprender a ser mais independente e ter um contacto mais directo com a cultura autóctone.
A Maria tem apenas três anos e meio, mas quem a conhece não acredita que seja tão nova porque o seu desenvolvimento e conhecimentos são avançados para a idade. A própria monitora do jardim de infância, quando se apercebeu que sabe contar em três línguas, que conhece o alfabeto tailandês e as letras em Português e Inglês, assim como sabe mais de doze cores também em três línguas, teve dificuldade em perceber como é que tinha aprendido tanto. Para nós é natural e não vemos isto como sinal de inteligência acima da média; é apenas resultado de passarmos 24 horas por dia juntos e dedicarmos algum tempo diário a ensiná-la.
Para além das normais actividades escolares para uma criança da sua idade, tem a oportunidade de colocar tudo em prática, seja quando brinca sozinha no barco, seja quando me ajuda, ou à mãe, em qualquer tarefa. Adora ajudar quando tenho que lidar com ferramentas, sabendo o nome de muitas delas, assim como quando estou a pescar. Sabe o nome de tudo o que tem a ver com pesca, tendo a sua própria cana. Também gosta de ajudar a mãe na cozinha, nomeadamente a fazer pão ou pizza. Como todos partilhamos tarefas, arruma as suas roupas (dobradas) no armário, faz a cama e entende porque não pode deixar as luzes ou as ventoinhas ligadas quando não as está a utilizar. Sabe também que quando não quer ver televisão tem que desligar o inversor para que as baterias não se gastem e que a água doce é para utilizar ao mínimo. A água do mar, que também temos no chuveiro e no lava-louça, pode ser utilizada sem grandes problemas.
Quando lerem estas linhas já a Maria foi à escola. Irá três vezes por semana, da parte da manhã. O jardim de infância tem quinze meninos e meninas, sendo o Holandês a língua veicular. As professoras e monitoras também falam Inglês, Papiamentu e Espanhol.
Como não poderia deixar passar, tenho de relatar como foi a nossa final do Campeonato da Europa. Portugal, finalmente, é campeão europeu de futebol. Devido a constrangimentos de horários apenas vi dois jogos completos, tirando a final, claro está.
Para ver a nossa selecção ganhar 1-0 à França reunimo-nos com um grupo de amigos, que também vivem em barcos – um casal luso-brasileiro, uma família austríaca e um casal francês – num restaurante português em Curaçao. E foi com alegria e contentamento que vi parte da nossa comunidade reunida em volta da selecção. Novos e velhos, muitos deles sem irem a Portugal há muitos anos, mas partilhando um sentimento lusitano que nos deixa a todos de lágrimas nos olhos e orgulhosos deste sentir especial.
Foi um sofrer que durou até ao final do tempo de prolongamento e que levou a que todos os presentes vivessem de pé os últimos minutos. Quando tudo terminou foi uma explosão de alegria, que até teve direito a foguetes em pleno dia. A Maria, atónita perante tanta gritaria, assustou-se!
Desde o inicio do campeonato que depositava poucas esperanças na nossa equipa e via com maus olhos a dependência excessiva no génio de Ronaldo. O madeirense é, sem dúvida, o melhor jogador do mundo. Mas meter em cima dos ombros do homem toda a responsabilidade de carregar uma equipa é pedir de mais. Portugal na fase de grupos jogou mal e não me convenceu. No primeiro jogo das eliminatórias passou com alguma sorte sem nunca apresentar um futebol convincente. Mas depois de passar a Croácia eu próprio comecei a acreditar que tudo seria possível, principalmente porque o jogo seguinte seria hipoteticamente mais acessível, frente ao País de Gales. Não tive a oportunidade de ver o jogo, mas foi-me dito que jogaram bem. Tendo chegado à final, como qualquer português, queria que ganhassem, mas queria vê-los a jogar como equipa. Tal aconteceu e foi com prazer – confesso – por vezes com o coração nas mãos, que os vi jogar com amor à camisola. Tive pena que o Ronaldo tivesse acabado por sair lesionado porque se havia alguém que merecia a glória era ele. Aliás, a sua dedicação foi provada com o seu empenho, já fora das quatro linhas, dando alento aos colegas nos últimos minutos do jogo quando já estávamos a ganhar e era preciso muita calma para controlar a bola do nosso lado.
Parabéns a Portugal, aos jogadores e a todos os portugueses espalhados pelo mundo, que com o seu amor ao país do coração vão mantendo a nossa cultura viva.
JOÃO SANTOS GOMES